terça-feira, 31 de janeiro de 2023
Carnaval do Recife 2023 tem programação divulgada
A programação do Carnaval do Recife 2023 foi anunciada nesta sexta-feira (27). Este ano, os homenageados são a passista Zenaide Bezerra; a rainha e presidente do Maracatu Estrela Brilhante, Dona Marivalda; e o músico Geraldo Azevedo. Dentre os destaques, o Marco Zero será palco de mais de 20 shows de nomes que representam o melhor da cultura carnavalesca local, bem como nacional.
O frevo se fará presente através de nomes como um dos homenageados, Geraldo Azevedo, além de Maestro Forró, Spok, Almir Rouche, André Rio, Maestro Duda, Elba Ramalho, Alceu Valença e o apoteótico Orquestrão, que reúne centenas de músicos para se despedir da folia, na manhã da quarta-feira. Sonoridades diversas e nomes de peso de todo o país subirão também ao palco Marco Zero, como Pabllo Vittar, Sorriso Maroto e João Gomes. Outras atrações nacionais que desfilarão pelo maior palco da cidade serão Fundo de Quintal, Nando Reis, Duda Beat, Maria Rita, Emicida, Fafá de Belém e Melim.
Felipe Souto Maior/Secult-PEFelipe Souto Maior/Secult-PE
Rainha e presidente do Maracatu Estrela Brilhante, Dona Marivalda é uma das homenageadas este ano
Sob a temática #VolteiRecife Com Todos os Carnavais, a assinatura dos elementos que irão ‘vestir’ a maior festa de rua do Brasil ficou a cargo do arquiteto e ilustrador Adriano Marcusso, 47, que também teve como inspirações verdadeiros gigantes da arte contemporânea pernambucana, como Lula Cardoso Ayres e Abelardo da Hora.
CONFIRA A PROGRAMAÇÃO DO MARCO ZERO:
Quinta-feira (16)
- Ubuntu (cortejo formado por 24 afoxés com cerimônia de lavagem do Boulevard da Rio Branco) e Tumaraca – Encontro das Nações (com 700 batuqueiros de 13 Maracatus de Baque Virado)
Sexta-feira (17)
- Recife Matriz da Cultura Popular – Apresentação das Agremiações vencedoras do Grupo Especial Carnaval 2020
- Maestro Forró e Orquestra Popular da Bomba do Hemetério
- Homenageados do Carnaval – Geraldo Azevedo, Zenaide Bezerra e Dona Marivalda
- Geraldo Azevedo e Convidados – Alceu Valença, Elba Ramalho, Fafá de Belém e Chico César
- Duda Beat
Sábado (18)
- Recife Matriz da Cultura Popular – Apresentação das Agremiações vencedoras do Grupo 1 do Carnaval 2020
- Orquestra do Maestro Duda
- Almir Rouche
- Pabllo Vittar (com participação de Uana e Romero Ferro)
- Recife Capital do Brega
Domingo (19)
- Recife Matriz da Cultura Popular – Encontro de Maracatus de Baque Solto
- Gerlane Lops e Orquestra de Bamba
- Maria Rita
- Sorriso Maroto
- Fundo de Quintal
Segunda (20)
- Recife Matriz da Cultura Popular – Encontro de Blocos Líricos
- Frevo de Bloco, O Grande Encontro (Coral Edgar Moraes, O Bonde, Getúlio Cavalcanti e Dalva Torres)
- Melim
- Nando Reis
- Emicida
Terça-feira (21)
- Recife Matriz da Cultura Popular – Apresentação das Agremiações vencedoras do Grupo 2 do Carnaval 2020
- André Rio
- Lenine e Spok
- João Gomes
- Alceu Valença
- Elba Ramalho
- Orquestrão – 10 anos do Frevo como Patrimônio Cultural da Humanidade
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
REISADO DE MARIA JACINTA
O Grupo Reisado de Maria Jacinta,nasceu como brinquedo popular, no terreiro da casa de Seu Pedro Belo e Dona Maria Jacinta, a mais de cinquenta anos,em Santa Maria da Boa Vista, cidade do Médio São Francisco.Com o marido que era sanfoneiro, o filho percurssionista e outras pessoas da familia, juntando cantigas e " partes " que " assuntava " de outros reisados vistos desde de sua infância,ela,na década de 60, montou com suas filhas ,um cortejo. Saiam da igreja matriz de Nossa da Conceição,e de porta em porta acordavam as familias desfiando as cantigas de saudação, " Me abra esta porta por nossa senhora".Para brincar a folia de reis,e assim fundou o próprio grupo. No ano de 2017 a Mestra Maria Jacinta foi contemplada no Prêmio Cultura Populares do Ministério da Cultura. Hoje o grupo é composto por trinta integrantes, doze personargens, Agricultores,donas de casa, aposentados e estudantes, se transfiguram em personagens deste espetáculo popular. Três gerações se encontram neste espaço, avó,mãe e neta, dos treze aos oitenta e seis anos,também os amigos, vizinhos e os mais próximos. O grupo constroe seu figurino, aprendem a executar instrumentos musicais e assim reinventam a tradição a cada apresentação. O grupo se apresentou em 2018 no Festival Canavial, na cidade de Aliança, na zona da Mata Norte do estado de Pernambuco, em 2021, aos noventa e seis anos,recebeu o titulo de Patrimônio vivo da cultura pernambucana, a honraria foi pela dedicação de mais de 60 anos em manter viva a tradição popular.
Pesquisa de textos de Alfredo Neto(Produtor Cultural) e g1.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2023
Museu do Mamulengo inicia projeto de elaboração do seu plano museológico
Com coordenação do museólogo e antropólogo Gilvanildo Ferreira,oprojeto “Elaboração do plano museológico do Museu do Mamulengo” visa elaborar o primeiro plano museológico em museus do interiordoestadodePernambuco,entreosmesesdejaneiroaoutubrode2023.A inauguração do projeto será na próxima terça-feira (31), às 10h no Museu do Mamulengode Glória do Goitá. Será apresentado, junto a instituições, órgãos e colaboradores, ocronogramadeexecuçãodoprojeto.
Também serão ofertadas, mediante inscriçãonas redes sociais do Museu do Mamulengo, oficinasgratuitasdegestãoemmuseus(em fevereiro de 2023)eoficinasdemamulengo(em maio de 2023).
Oplanoprevê12programas(áreasdetrabalhoefunçõesdomuseu)elaboradoscomacolaboraçãoativadosquefazemainstituição,dosassociadose de outros atores importantes para o cenário local do mamulengo, detentores dossaberesepráticasda manifestação.
A elaboração será disposta em três fases. A primeira é, Diagnóstico situacional, trata do contexto atual e planejamentoestratégico do plano. A segunda, Necessidadesparaofuturo, aborda o contextoideal,planejamento tático ou programas envolvidos; Já a terceira, Soluções exequíveis, prevê o planejamento operacional ou projetos.
Por meio deste planejamento institucional será possível definir asprioridades, metas, ações, estratégias, indicadores e sinalizar os caminhos imperativosparaaplenagestão,alémdeacompanharasatividadeseavaliaraexecuçãodasalvaguardaedifusãorealizadaspeloequipamento cultural.
Para mais informações, o público pode acessar as redes sociais do Museu do Mamulengo de GlóriadoGoitá, noInstagrame Facebook.
Serviço:
Lançamento do plano museológico do Museu do Mamulengo
Terça-feira (31), às 10h
Museu do Mamulengo (Rua da Matriz, 21, Centro, Glória do Goitá-PE)
Gratuito
Inauguração do projeto será na próxima terça-feira (31), às 10h no Museu do Mamulengode Glória do Goitá, onde será apresentado ocronogramadeexecuçãodoprojeto
quinta-feira, 26 de janeiro de 2023
Mostra Pajeú de Cinema abre inscrições de filmes para sua 8ª edição
Estão abertas as inscrições de filmes brasileiros para a oitava edição da Mostra Pajeú de Cinema, que acontecerá nos meses de abril e maio, nas cidades de Iguaracy, Ingazeira, Carnaíba e Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú. A inciativa conta com incentivo do Governo do Estado, por meio do Funcultura. Podem se inscrever filmes produzidos em qualquer formato de captação de imagem, de qualquer gênero, realizados a partir de janeiro de 2020. As inscrições deverão ser feitas de 16 de janeiro até 08 de fevereiro de 2023. Para se inscrever, os realizadores/produtores deverão preencher um formulário online disponível aqui.
Cada realizador poderá inscrever quantos filmes desejar. A lista com as obras selecionadas será divulgada até 31 de março de 2023. “Para edição 2023 estamos pensando uma MPC ainda maior, com exibições de filmes, mas também espaços de confraternização e de discussões sociais.” conta William Tenório, diretor geral de produção da MPC.
Na programação serão exibidos curtas, médias e/ou longas metragens nacionais, além das sessões matinês (voltadas para o público infantil) e programas acessíveis, com filmes que tenham recursos de acessibilidade comunicacional.
Produzida pela Pajeú Filmes, a Mostra Pajeú tem caráter não competitivo, com exibições nas praças públicas das cidades que recebem atividades da MPC e no Cine São José, cinema de rua histórico em Afogados da Ingazeira.
Serviço:
8º Mostra Pajeú de Cinema
Inscrições de filmes – 16 de janeiro até 08 de fevereiro de 2023
Afogados da Ingazeira – Carnaíba – Solidão – Iguaracy – Ingazeira (Sertão do Pajeú/PE)
Mais informações: @mostrapajeudecinema / @pajeufilmes
Contatos: mostrapajeudecinema@gmail.com
Cultura popular movimenta Mata Norte com mostra de música regional
Teve início no último sábado (21), na cidade de Vicência, a programação ‘AMATA na Mata’, projeto de circulação regional que leva apresentações culturais inéditas de dança, música e poesia do maracatu rural, coco de roda e ciranda. Com incentivo do Governo do Estado, por meio dos recursos do Funcultura, a iniciativa vai circular ainda por mais duas cidades da zona canavieira: Condado, dia 27/1 (sexta-feira), às 21h; e Aliança, dia 2/2 (quinta-feira), às 21h.
Todas as apresentações culturais vão ser realizadas dentro dos eventos tradicionais dos municípios da Mata Norte. “É um espaço para reunir a família, festejar a cultura popular e reverenciar nossos artistas. É tudo de graça, para o público aproveitar à vontade”, destaca a coordenadora e produtora cultural do evento, Joana D’Arc Ribeiro
Em Vicência, conhecida como a terra dos engenhos de cana de açúcar, os shows aconteceram dentro da Festa de São Sebastião da Vila Murupé, localizada na Zona Rural da cidade. Já na cidade do Condado, terra do cavalo-marinho, o ponto de encontro da celebração cultural é na Festa de São Sebastião, padroeiro do município. Por fim, na cidade de Aliança, berço do maracatu rural, as apresentações culturais se somam à Festa de Nossa Senhora do Bom Despacho, no Distrito de Upatininga.
A mostra conta com a participação de Mestre Bi, que é cirandeiro e mestre de maracatu, da cidade de Nazaré da Mata. Além dele, participa o poeta, mestre de maracatu, cirandeiro e embolador de coco, Josivaldo Caboclo, do município de Lagoa do Itaenga. Há, ainda, as participações do instrumentista Nino Alves, a dançarina Juçara, e os músicos: Guilherme Otávio, Valdir Félix, Victor Seabra, Larissa Michele e Karlos Davy.
Dentro do projeto, também estão previstas aulas espetáculos em escolas estaduais de ensino integral dos três municípios envolvidos na circulação regional, com a participação especial dos mestres envolvidos na mostra regional de música da cultura popular. Ao todo, estão programadas seis aulas-espetáculos. Os encontros serão realizados no retorno do ano letivo. “Será um momento rico para fortalecer a educação patrimonial junto ao público estudantil”, finaliza Joana D’Arc. Confira a agenda:
Festa de São Sebastião (Condado-PE)
27 de janeiro (sexta-feira), às 21h
Praça de São Cristóvão
Festa de Nossa Senhora do Bom Despacho (Distrito de Upatininga, Aliança-PE)
2 de fevereiro (quinta-feira), às 21h
Ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Bom Despacho
segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
A GUERRA TOTAL DE CANUDOS SOB UM OLHAR PERNAMBUCANO.
Por Autor – Anco Márcio Tenório Vieira – Publicado originalmente na Revista Suplemento Cultural, outubro/novembro de 1997, págs. 4 a 9.
O blog TOK DE HISTÓRIA resgata para seus leitores uma interessante reportagem de 1997, onde o escritor Frederico Pernambucano de Mello, trouxe muitas informações sobre a Guerra de Canudos, com base em uma extensa pesquisa para um livro que foi lançado naquele ano.
Rostand Medeiros e Frederico Pernambucano de Mello.
Sendo reconhecidamente o maior especialista brasileiro em cangaço, com uma obra que se tornou leitura obrigatória para todos os que se dedicam ao tema, o historiador Frederico Pernambucano de Mello publica, aos 50 anos de idade, o seu sexto livro: Que foi a Guerra Total de Canudos (Editora Stahli).
Se há surpresa para os que o tinham somente como um pesquisador do banditismo no Nordeste, maior ela será ao constatar que este livro de 317 páginas não é apenas mais um, entre centenas, a tratar de Canudos. Nele, vamos encontrar uma revisão crítica das muitas verdades difundidas e aceitas ainda hoje sobre o que foi a Guerra de Canudos, bem como dados até então inexplorados pelos especialistas da área.
Um deles, a participação, em campo de batalha, dos soldados do Norte e do Nordeste, em particular, os de Pernambuco. 0 livro, que chegará às livrarias até meados de novembro, também reabilita alguns personagens e textos que estavam esquecidos pelos pesquisadores: a figura de Tereza Jardelina de Alencar (única mulher a compartilhar r do círculo íntimo do Conselheiro); o lado humano e romântico do general comandante da 4“ expedição, Artur Oscar; a obra do general e ex-governador de Pernambuco, Dantas Barreto; o livro de cabeceira do Conselheiro: A missão abreviada, do padre José Manuel Gonçalves Couto (obra muito aludida, mas até hoje pouco analisada); entre tantos outros detalhes esquecidos nas dezenas de relatos, documentos, atas e ofícios produzidos durante a Guerra.
Apesar dos inúmeros convites que vem recebendo para participar de eventos alusivos ao centenário de Canudos, no Brasil e no exterior — artigos para jornais, palestras em universidades, conferências para os vários comandos militares do Exército, seminário em Colônia (Alemanha) — Frederico Pernambucano nos concedeu esta entrevista, realizada na sua sala de trabalho, no antigo sobrado que pertenceu a Delmiro Gouveia — localizado no tradicional bairro de Apipucos, no Recife — hoje, sede do Instituto de Documentação, da Fundação Joaquim Nabuco, onde exerce o cargo de Superintendente.
Em sua sala, rodeado de retratos, quadros (entre eles, um Vicente do Rêgo Monteiro), peças e documentos que nos remetem ao ciclo do cangaço nordestino, ele discorreu sobre o que foi a Guerra Total de Canudos.
O livro Guerra Total de Canudos, de Frederico Pernambucano de Mello.
Suplemento Cultural — Poucos temas da nossa história republicana foram tão estudados como o da Guerra de Canudos. São centenas de ensaios, artigos e livros que tentam explicar o que de fato teria motivado a mais sangrenta guerra civil brasileira. Ante tudo o que já foi dito e publicado sobre o assunto, por que o senhor, que é um especialista em cangaço, decidiu escrever também sobre este tema?
Frederico Pernambucano de Mello — Em primeiro lugar, porque para ser, ou pretender ser, especialista em cangaço é preciso ter uma grande a finidade com o quadro geral da história regional do Nordeste. E aí entra, como ponto de prioridade, a história das vastidões rurais do Nordeste, sobretudo a história da região sertaneja. O conflito de Canudos, na minha visão, se coloca como o episódio máximo desse grande abismo gerador de exotismo em nossa história, que é o do desenvolvimento paralelo de culturas, de sociedades, e de homens litorâneo e sertanejo.
A sociedade no litoral se desenvolvendo de maneira lenta (porém, constante), pelo aporte de inovações, de dados novos que chegavam pelos navios, vindas da Europa, e a partir de um determinado momento, pelos Estados Unidos, enquanto que o Sertão, desde a metade do século XVII, quando se inicia propriamente a sua colonização, com homens que estavam indo do litoral, mais propriamente do Recife, outros contingentes que vinham da Bahia, da Casa da Torre, muito rapidamente entraram em decadência. No caso do Recife, o exército de desempregados que resultou da vitória sobre os holandeses, em 1654. E como nós sabemos, esse exército de desempregados foi recompensado pela Coroa Portuguesa.
Tropas federais que participaram da Guerra de Canudos.
Não com dinheiro, que ela não tinha, mas com datações de sesmarias, no Agreste e no Sertão (na Mata os engenhos já tinham sua titulação de propriedade). Esses homens penetram o Sertão juntamente com baianos e com paulistas, da Vila de São Paulo (que era, na época, miserável, e não dava riqueza nenhuma, a não ser a preação de índios), e se fixam no Piauí e nas zonas mais a Oeste do Estado da Paraíba. Esses três contingentes, caracterizando uma forma de colonização dura, cruenta e que muito cedo, repito, entra em decadência, fazendo com que os valores sertanejos, que eram os valores do quinhentismo e do seiscentismo da cultura portuguesa, ficassem mumificados ali e jazessem intocáveis até eu diria, metade do século atual. Isso na língua, nos costumes, na moral — inclusive sexual — na condução patriarcal da família, na religiosidade, em todos os aspectos que caracterizam a cultura. Canudos é, portanto, o paroxismo dessas fricções que surgem entre duas culturas que não se encontravam, que não se reconheciam.
O traço mais saliente disso nos é dado pelo tenente-coronel Dantas Barreto que, durante à noite, em Canudos, no meio da sua tropa, ele, na barraca, ficava ouvindo a conversa dos soldados — não por intuito negativo, mas para saber o que a sua tropa pensava — e ouvia estarrecido um soldado dizer para o outro: “quando eu voltar ao Brasil, vou fazer isso ou aquilo”.
Monumento de Antônio Conselheiro, no Parque Estadual de Canudos LUCIANO ANDRADE/
Tão estranhos eram a olhos litorâneos o homem do Sertão, com as suas barbas longas, sua roupa, hábitos e costumes originais, sua maneira de se conduzir. De passagem, lembro Kari Jaspers, no seu tratado de psiquiatria: “O estado de consciência do homem primitivo é alguma coisa inteiramente diversa da doença mental.” Nós não tínhamos, nos homens de Canudos, doença mental, mas um estado de consciência primitivo, mantido nas características primitivas da mumificação sertaneja. Fanatismo, banditismo, misticismo: todas essas peculiaridades do Nordeste que o fazem atraente para turistas, estudiosos, pesquisadores etc., e brotam dessa espécie de Fenda de Santo André, que é a dicotomia Litoral/Sertão.
Suplemento Cultural — Os Sertões, de Euclides da Cunha, tornou-se, ao longo dos últimos 95 anos, a obra de referência e a versão mais “balizada” sobre Canudos. A imagem que temos de Canudos é, de uma certa forma, a que foi fixada por Euclides da Cunha em sua obra. A nossa pergunta é: quais são, no seu entender, os principais equívocos cometidos por Euclides ao escrever sobre Canudos e que os seus contemporâneos (como Dantas Barreto, por exemplo) não cometeram, apesar de muitas dessas testemunhas oculares da Guerra terem tidos, nos últimos cem anos, suas obras relegadas?
Frederico Pernambucano de Mello — A impressão que eu sinto quando releio O5 Sertões (para minha felicidade eu tenho até uma primeira edição, de 1902, que Euclides não reconhecia muito como oficial, porque precisou corrigir lá uns advérbios, aperfeiçoamentos obsessivos de estilista que ele foi) é de quem, ao final, sai de uma peça de teatro, com muita grandeza, nobreza, profundidade, tragédia, que se assiste com a tentação de estar ajoelhado diante daquele drama.
Mas é evidente que as noções geográficas e físicas de Teodoro Sampaio, a ciência de Nina Rodrigues, os grandes inspiradores de Euclides no plano científico, especialmente os autores estrangeiros (que talvez ele não conhecesse tão bem para citá-los com a desenvoltura com que cita); toda essa ciência, realmente, está muito envelhecida. Ademais, Euclides ficou apenas cerca de dez dias no chamado teatro de operações. Ficou pouco tempo.
Não se sentiu bem, não esteve à vontade, e a observação direta dele é pouca. Ele, então, teve que se valer de autores que já tinham produzido obra – especialmente Última expedição a Canudos, de Dantas Barreto – e comete erros, por conta disso, não só por não ter estado muito tempo no teatro de operações, mas por depender também de outros autores que estudaram o tema, e por ter fontes jornalísticas nem sempre confiáveis, vários deslizes ligados aos fatos da Guerra. Por conta dessas limitações na percepção — Afrânio Peixoto há muito já disse que Os Sertões não é o livro do que ficou nas vistas de Euclides, mas é o livro do impacto da Guerra na alma de Euclides, nas concepções que ele tinha — é um livro, de certo modo, personalíssimo, revelador do interior de Euclides. É o livro também da sua decepção com a República.
Ele chega, no cenário dos combates, republicano, inflamado pela pregação jacobina, militarista, e sai de Canudos decepcionado com aquela perspectiva que se esboçava para uma nova ditadura militar no País. No entanto, o grande problema de Euclides foi a sua incapacidade de compreender a figura sertaneja do Conselheiro, de encadeá-lo num processo que vem desde quando começam as missões no Sertão, com capuchinhos, com oratorianos, com homens — no plano pessoal — de moral ilibada, que combatiam a igreja colonial brasileira (repleta de padres amancebados, funcionários públicos pagos pela Coroa, dentro da instituição do padroado real).
Antônio Conselheiro
E à margem dessa igreja colonial, que era o oficialismo do tempo, surgem vocações de missionários, como o capuchinho frei Vitale da Frecarolo, na passagem do século XVIII para o século XIX, que morre jovem, em 1820. O frei é uma figura mística que fascina o Sertão, pregando o maravilhoso, aquilo que fazia com que o sertanejo deixasse de ver tudo o que havia de limitado à sua volta — uma natureza maninha, uma dificuldade material imensa — para se empolgar com as realidades. as visões bíblicas, as passagens perenais que o misticismo podia proporcionar. Esse homem, como o quê, é seguido, a partir de 1853, por uma espécie de segundo segmento, representado pelo padre oratoriano José Antônio Pereira Ibiapina, que junta ao misticismo de frei Vitale o obreirismo. Porém, o obreirismo dele talvez fosse até maior.
Há registros de repreensões dadas pelo padre Ibiapina aos seus beatos, porque eles estavam julgando que a sua missão estava feita apenas na oração. Ele dizia: “não”. Tem que ser na obra, na intervenção sobre a natureza, na caridade, na ajuda material ao próximo e nas obras pias, lembremo-nos que Antônio Conselheiro bebe dessas fontes. Não só o maravilhoso de frei Vitale como do obreirismo do padre Ibiapina, e junta a tudo isso um terceiro segmento estrangeiro – muito divulgado no Brasil, através de uma obra terrível, cheirando a enxofre, que era o livro Missão abreviada, do padre, também oratoriano de Goa, na índia, Manuel José Gonçalves Couto, que poderia ser resumida numa frase: “o mundo está podre, mas tão podre que já não há salvação”.
Ruínas em Canudos!
Euclides da Cunha não compreende Antônio Conselheiro; criado, moldado nesse ambiente secular, e parte para interpretá-lo de maneira fácil, a partir de questões psiquiátricas. De uma psiquiatria, ã época, muito presunçosa — lembremos que é desse período que data Lombroso, Erico Ferri e outros proponentes de esquemas simplórios, reducionistas de interpretação da conduta humana. E ele, então, com Riva, Maudsley pretende esclarecer tanto os casos individuais de patologia mental, quanto os casos coletivos. Nisso, de fato o seu livro hoje não tem mais o que nos dizer.
Foi minha preocupação, nesse meu novo estudo, mostrar o Conselheiro, antes de tudo, como sertanejo e, como tal, um homem situado no seu chão, no seu tempo, e em volta dele, desse tempo, os homens que no plano místico, como frei Vitale, padre Ibiapina e Manuel Gonçalves Couto, lideram o misticismo maravilhoso, o ombreirismo impenitente e as escatologias de tragédias que são dadas pela Missão Abreviada.
Soldados do Exército Brasileiro ao final da Guerra.
Suplemento Cultural — Seguindo ainda essa trilha da religiosidade, gostaria que o senhor nos dissesse o que aqueles vinte e cinco m il sertanejos encontraram na figura do Conselheiro que os levaram a abandonar tudo e segui-lo, e também como se manifestava a autoridade religiosa do Conselheiro no dia-a-dia do Arraial?
Frederico Pernambucano de Mello — Antônio Conselheiro, cearense de Quixeramobim, pardo, bastardo, mas nascido numa família aguerrida, que era a família Maciel (em luta permanente contra a família Araújo), nasce com essas duas grandes desvantagens sociais. Ele é um homem que sai colecionando derrotas na sua vida, mas se recupera, para a produção de um conjunto de obras úteis para a sociedade em que vivia, através da pregação religiosa de frei Vitale, já morto, do testemunho vivo, ao seu tempo, do padre Ibiapina, parecendo até que o acesso a Missão abreviada só vem no momento seguinte — porque houve uma fase nele que era francamente de auxílio ao povo, à terra, sobretudo aos menos favorecidos. Curiosamente o Conselheiro nunca se disse um Deus.
Pelo contrário, ele mandava que se levantasse da sua presença quem se ajoelhava e tentava beijar-lhe os pés ou as mãos, dizendo claramente: levante-se. Deus é outra pessoa. E quando perguntavam quem ele era, ele dizia: eu sou apenas um peregrino em busca dos mal-aventurados. Ele era um homem de definições absolutamente claras, ilibado nos seus costumes, pobre, que não amealhava valores, o que entrava por um bolso saía pelo outro para os pobres. Essa característica se choca, na visão do sertanejo, com o que era visto na igreja colonial brasileira: o padre com família constituída, às vezes morando na casa principal do vilarejo, apresentando publicamente a mulher, os filhos, entregues à simonia mais desenvolta, dominando o processo político (lembremos que, à época, as eleições eram feitas nas igrejas).
Canudos. Foto Flávio de Barros – http://www.passeiweb.com
Enfim, essa Igreja um tanto desmoralizada sofre um impacto com esses missionários que se apresentavam com a moral ilibada, desinteressados de valores e preocupados com o lado místico. É assim Conselheiro, e ninguém o incomoda enquanto assim foi; o peregrino que construía estradas — algumas das quais ainda existentes no Sertão -, capelas, igrejas, cemitérios, açudes, barreiros, inspirando a formação de ordens sacras.
Só em 1892, quando ele se insurge, já no período republicano, contra a cobrança de impostos e, perseguido pela polícia e alvejado por alguns soldados da Bahia, foge com os seus seguidores para fundar o Arraial do Belo Monte de Canudos, que ficava arredado das zonas povoadas do Sertão, só então é que começa a se formar aceleradamente, alguém diria que até dentro de um processo de patologia social — não sei —, em quatro anos, o que viria a ser a segunda cidade da Bahia, a maior e a mais populosa depois de Salvador.
Ela surge do nada, onde apenas existia um povoado de cinquenta choupanas em decadência, para a pujança de seis mil e quinhentos casebres, dos quais mil e seiscentas casas boas, com telhas e algumas até com piso de taco. Com uma economia pujante, feita à base de cultura de subsistência, onde estava presente o ofício da confecção do tecido, da rapadura, e da produção dos couros de bode e carneiro para exportação. Nesses quatro anos é que o Conselheiro se transforma num ímã social, porque ele cria um tipo de ajuntamento pio onde não era admitida a presença de delegado, promotor, juiz, prostitutas, bares abertos. alcoólatras.
Antônio Bruega, ex-combatente da Guerra de Canudos,
clicado por Audálio Dantas em 1964.
Cria uma sociedade moralmente limpa, com um certo coletivismo dos meios de produção, afinado com o que ele tinha aprendido com a cultura indígena das tabas do Sertão. E mais: a capacidade que ele teve ao se tornar uma figura aguerrida em relação ao meio circundante, atraindo para si negros libertos de 1888, os decepcionados com a República, os caboclos do Sertão, os vários remanescentes de tribos indígenas – como os dos rodellas, kiriri, e várias outras que se associaram a ele no Arraial -, e ao manter o burgo de Canudos à margem da politicagem aldeã. Canudos é a soma desses fatores sociais e econômicos aos fatores físicos.
Localizado num trecho do Vaza Barris, que era uma grande zona de drenagem das chuvas daquela zona sertaneja, com a possibilidade de se ter uma boa cultura de legumes, de cereais, Canudos era, como disseram várias testemunhas, uma vasta criação de boi, de bode, de cabra, etc.
Todos esses fatores conspiraram para que o Conselheiro mostrasse o rumo de uma colonização diferente daquela que estava sendo levada a efeito pela Coroa, na fase Imperial, e pela República, nos anos mais recentes; um caminho novo de vida que, no entanto, paradoxalmente, era um caminho de passado, era um caminho de volta aos bons velhos tempos da vida arcaica, dos primórdios da colonização.
Canudos na década de 1940.
Suplemento Cultural — Há alguma relação entre a moral religiosa apregoada pelo Conselheiro, aceita sem nenhum questionamento pelos jagunços, e a forma como estes se comportavam frente ao inimigo? Lembro aqui, por exemplo, o fato (revelado em seu livro) dos jagunços só reagirem às investidas das tropas do Exército quando eram atacados.
Frederico Pernambucano de Mello — Canudos tem um período curto de vida. Evidente que nós estamos falando de um ajuntamento urbano que rapidamente cresce em complexidade. Muito cedo, uma liderança política baiana, sertaneja, como era o barão de Jeremoabo, começa a escrever artigos para a imprensa da Bahia, se queixar das lideranças políticas do Estado, de que não havia mais fazenda que pudesse ter a sua vida normal, uma vez que já não havia mais mão-de-obra, toda ela drenada pelo Conselheiro para o seu projeto de teocracia no Belo Monte. Era uma teocracia, efetivamente, o que havia no Belo Monte.
Porém, nota-se claramente que o Conselheiro já não conseguia mais administrá-la. Primeiro, porque estava envelhecendo, achacado por doenças; segundo, porque já não era possível administrar sem delegar poderes, sem especializar tarefas e atribuí-las a pessoas de sua confiança. É quando se nota, que ele, fiel a uma velha tendência ainda dos tempos de peregrino (desde quando funda o Belo Monte que ele perde esse caráter de peregrino, ele fica sedentário, e ao optar por ser sedentário, assume uma postura de rei espanhol da antiguidade, aparecendo pouco ao seu povo, valorizando as suas aparições, que era sublinhada por foguetório imenso, emoções, desmaios, dobres de sinos etc.), se faz cercar das pessoas de sua confiança, os seus conterrâneos, os chamados cearenses.
Como se encontrava na década de 1940 o canhão inglês Withworth de 32 libras, a famosa “Matadeira”, utilizado pelo Exército em Canudos e destruído corajosamente pelos seguidores de Antônio Conselheiro.
Quando digo os chamados, é porque aí estavam os que nasceram no Ceará, como ele, mas também os tangidos, em geral, pela seca. Na época, para a imprensa do Centro-Sul, em particular a carioca, cearense era uma espécie de sinônimo de nordestino vítima da seca. Então ele cria, no seu projeto teocrático, uma estrutura de poder que repousava nos seus iguais, nos sofridos como ele, nos mal-aventurados como ele, e esses homens eram sempre os cearenses. Sempre ele tem um cearense como lugar-tenente.
Cearense era a sua inspiração divina, o padre Ibiapina. Cearense foi a única mulher, Teresa Jardelina de Alencar, a mais bonita e a mais vaidosa do Arraial, conhecida como a “Pimpona” que – sustenta Dantas Barreto, tendo ouvido de jagunços lá em Canudos — privava não apenas do círculo íntimo do Conselheiro, mas também com quem o Conselheiro conversava, sofrendo dela alguma influência.
E isso é estranho, principalmente quando sabemos que diante de qualquer mulher que aparecesse, a atitude do Conselheiro era sempre de permanecer de vistas baixas. Mas a autoridade do Conselheiro, em primeiro lugar, provinha da pureza da sua vida privada e da sua pregação, do desprendimento em face dos valores. Ele era um pregador insinuante, uma palavra persuasiva, um grande autor de catequese, um grande evangelizador, possuía todos os atributos que se espera de um místico para levar a sua pregação a um ponto de sucesso.
Oficiais do Exército Brasileiro e uma moradora de Canudos ferida em uma padiola.
A sua autoridade era uma autoridade indiscutível, teocrática, absoluta, lembrando a dos aiatolás mais recentes no Irã, cujas ordens ninguém discutia. E ele teve ocasião de manifestar essa sua autoridade de maneira drástica. Vou dar apenas aqui um registro. Quando ele chega a Canudos, encontra lá uma família grande de pequenos comerciantes: os Mota Coelho. Mas ele trazia consigo um cearense de sua confiança, uma grande vocação de comerciante, que era Antônio Vilanova. Por convite do Conselheiro, Vilanova começa a bancar o comércio no Arraial do Belo Monte. Muito cedo se choca com as pretensões mercantis dos Mota Coelho.
Conselheiro, que sabia que o seu projeto de poder dependia da sua rede de cearenses, manda lentamente exterminar a família Mota Coelho. Só não morrem os que fogem, um dos quais assenta praça na polícia da Bahia, e dá entrevista para os jornais explicando toda essa tragédia que se abatera sobre sua família. Então, era uma autoridade incontrastável, que preenchia todos os vazios, mas era uma autoridade que começava a se esgotar diante do volume que o Arraial estava tomando. Então, grande parte do poder já tinha resvalado para o célebre João Abade, que era uma espécie de Ministro da Guerra; para o seu primeiro general, o pernambucano Pajeú, natural da Baixa Verde, que foi o seu grande cabo-de-guerra; e as funções de Casa da Moeda e Juiz de Paz atribuídas ao citado Antônio Vilanova.
Ruínas em Canudos.
Não obstante, o seu poder ainda era tão grande que, apesar de alguns dos seus guerreiros terem pretendido adotar uma estratégia ofensiva, quando viram que o Exército estava tropeçando nas próprias pernas, nada disso foi feito. Não porque faltasse ao sertanejo a intuição militar de fazê-lo. Pelo contrário. Essa intuição militar sobrava no sertanejo.
O próprio exército admite isso. Acontece que o Conselheiro era radical na pregação de que o papel militar deles era de defender o Belo Monte. Não fazia parte da estratégia do Conselheiro derrotar o Exército. Fazia parte defender o mundo sertanejo que ele compreendia de uma concepção litorânea que lhe era completamente estranha. E em Canudos, o que há de mais dramático é que os litorâneos, em nenhum momento, compreenderam os sertanejos, e os sertanejos não tinham como compreender os litorâneos.
Foto de uma nota do jornal natalense A República de 1897, sobre o desenrolar da Guerra.
Suplemento Cultural — Como se dava a organização militar dos jagunços — suas táticas de guerra, seus armamentos etc. — para que eles pudessem enfrentar o Exército e saírem vitoriosos em três das batalhas? Ainda dentro da pergunta, quais foram as principais falhas táticas cometidas pelas expedições militares?
Frederico Pernambucano de Mello — O conhecimento militar dos jagunços claramente não eram alguma coisa que exultasse de uma verdade revelada. Quando acontece a 1ª Expedição Militar, do tenente Pires Ferreira, os jagunços, que se chocam com essa expedição no povoado baiano de Uauá, perdem uma quantidade enorme de adeptos. É verdade que conseguem colocar a tropa do Exército para correr, mas enquanto os militares perdem cerca de dez homens, os jagunços perdem cerca de cem ou mais. Eles ainda não conheciam bem o sistema de combate.
A partir da 2ª Expedição, de Febrônio de Brito, eles começam a receber, de permeio com a população, cangaceiros famosos que vinham de Pernambuco, da Bahia, e começam também a aprender alguma coisa observando os próprios militares. O que é preciso lembrar, ao contrário do que dizia Euclides da Cunha, é que a 1ª Expedição Militar, a de 1896, já era equipada a fuzis Mannlicher, modelo 1888, e não a Comblain, que era um fuzil mais antiquado e não era uma arma de repetição. Os jagunços começam a aproveitar essas armas e aprendem a fazer uso delas maravilhosamente. É curioso assinalar que, apesar, de desde a 2ª Expedição, os jagunços disporem de fuzis do Exército, eles não abandonam os seus bacamartes.
Outro grupo de militares.
O bacamarte é uma arma que provocava um tiro fragmentário, com pregos, pelouros de chumbo, pequenas pedras de hematita, muito abundantes no local, enfim, que era usado muitas vezes para fazer uma varredura, ou manter uma posição. Os jagunços tinham uma consciência – que pode ser coisa arcaica, mas que na verdade é uma caraterística até de guerra moderna — de que o seu bacamarte tinha um uso militar. Eles combinam maravilhosamente o uso do bacamarte com o uso dos fuzis recolhidos do Exército. Atuavam numa ordem tática admirável.
Com formação diluída, piquetes de 12 a 20 homens, manobrando em formação e desfazendo aquela formação rapidamente. Os que seriam comandantes de companhia, na linguagem militar, que eles chamavam de cabos de turma, usavam apitos para dar as vozes de comando. E nas distâncias maiores, em que o apito não era audível, eles usavam o bacamarte, com tiro de pólvora seca, para formar e desmanchar as linhas de atiradores, promover o ataque de flanco, promover a retaguarda, e fustigar, enfim, a tropa militar de todas as maneiras.
Os remanescentes das 2ª e 3ª Expedições trouxeram para o litoral uma crônica sobre o modo de combater dos jagunços que era aterrorizadora, porque eles diziam o seguinte: nos comboios, os jagunços atiravam logo nos cavalos. Aí imobilizavam os comboios e, facilmente, não tinham mais pressa, a partir desse momento, de destruir os homens que seguiam juntos com aqueles comboios.
Jornal dos Estados Unidos comentando a vitória das forças legais em Canudos.
Chegavam ao requinte de retirar a farda dos soldados mortos, vestirem-se com essas fardas, penetrarem nas linhas do Exército, e disseminarem o pânico completo, atirando quase à queima roupa nos soldados que supunham estar sendo alvejados por seus próprios companheiros. Enfim, usavam de todas as velhacarias. Há um correspondente do Jornal do Brasil, na época, que diz: os jagunços se vestiam de folhas, traziam chocalhos ao pescoço, para mais insidiosamente penetrarem nas linhas dos soldados e poderem matá-los. E o que mais se vê da crônica militar é a consideração de que o jagunço era invisível. De fato, há aí um campo extraordinariamente rico.
O jagunço, já em 1897 (sintonizado com uma virtude militar que só seria teorizada em termos finais, e colocada em prática, sistematicamente, em 1904, pelos japoneses, na Guerra Russo-Japonesa, mais especificamente na Campanha da Mandchuria), com a sua mescla azul desbotada e a sua túnica de algodãozinho, muitas vezes fiado nas rocas e nos fundos do próprio Arraial, ofereciam cores que, segundo os manuais militares, desaparecem da vista humana entre cento e cinquenta e duzentos e trinta metros.
Enquanto isso, o nosso Exército, fazendo uso do azul ferrete, nas túnicas, e do vermelho escarlate, nas calças, se fazia visível ao jagunço em distâncias superiores aos setecentos e até compatíveis com os mil metros de afastamento do atirador.
Jornal “A Republica”, 10 de dezembro de 1897 – A tropa de potiguares do 34º Bataslhão que seguiu para Canudos retornou para Natal no vapor “Una”, o mesmo que os transportou oito meses antes. Às onze e meia da manhã, em torno de 4.000 pessoas aguardavam o desembarque, depois seguiram para a Matriz para uma missa, havendo uma quase interminável seção de discursos no quartel e finalmente os veteranos para as suas casas. Os jornais comentam, com uma sutileza típica da impressa na época, que muitos soldados voltaram “doentes e inutilizáveis”. No outro dia a tropa e a população da cidade inauguraram o monumento aos mortos da guerra no cemitério do Alecrim.
O Exército de homens do Norte e do Nordeste, e também de sulistas, era, basicamente, de litorâneos, salvo pelo Batalhão de Polícia da Bahia, composto por barranqueiros do São Francisco, homens que Euclides considerava ajagunçados. Esses eram diferentes, eram, inclusive, eficientes na guerra contra os homens de Conselheiro. Mas os litorâneos, ao chegarem ao Sertão, não viam como se apropriar das riquezas sertanejas, que não são à flor da pele. Quem chega na caatinga pensa que vai morrer de fome em pouco tempo, mas o catingueiro sabe que tem por si o mel de abelha, que lhe permite o suprimento calórico fabuloso, as várias formas alimentares, inclusive de fauna e de flora, que a olhos especializados se oferecem com facilidade.
O Exército não enxergava nada disso, não conseguia tirar daquela terra as riquezas necessárias, e padece de fome grave. Houve um grande descuido, da parte dos comandantes militares, em todas as expedições, quanto ao aprovisionamento de munição, aquilo que hoje se chama de logística. No entanto, é imperdoável a ausência dessa logística, porque ela já era muito antiga, como imperativa a qualquer força expedicionária que vá combater território inóspito. Mas no Exército Brasileiro dessa época prevalecia a ideia de que toda força expedicionária teria que se valer dos recursos locais, e assim era, mesmo quando se tivesse a certeza de que esses recursos locais eram inexistentes.
Na edição de “A Republica” de 17 de julho, estão listados os nomes dos mortos, seus beneficiários e suas patentes. Ao ler a lista, salta aos olhos um fato interessante; dos 41 integrantes do 34º Batalhão de Infantaria listados pelo jornal como mortos no conflito, não há um único oficial. No total são 3 sargentos, 9 cabos, 3 anspeçadas (patente atualmente extinta), 3 músicos (corneteiros) e 23 soldados.
Outro problema do Exército era a excessiva liberdade que os chefes militares tinham de polemizar entre si. A Guerra de Canudos foi extremamente permeada por um número enorme de correspondentes de guerra dos jornais do Centro-Sul e da Bahia. Havia um deles, capitão honorário do Exército, José Benício, do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, que era com uma pena numa mão e, com a outra, um mosquetão. Como historiador, eu só encontro a Guerra do Vietnã, recentemente, para comparar com o que foi a presença íntima da imprensa nas linhas de fogo, mandando informes de Canudos a cada instante. Havia linha telegráfica de Monte Santo transmitindo esses artigos para Queimadas, de Queimadas para Salvador, e de Salvador para o Rio de Janeiro, e os chefes militares ficavam, através dos seus artigos, polemizando pela imprensa.
Um caso dramático foi o do chefe supremo da 4ª Expedição, o general Artur Oscar, que manda dizer à imprensa do Rio que o inimigo era, no mínimo, de quatro mil combatentes, e o coronel Carlos Teles, comandante da 4ª Brigada de Infantaria, que escreve para o mesmo jornal, em desmentido, e afirma que os jagunços não passavam de seiscentos homens. Isso causa um impacto enorme na imprensa.
Eram dois chefes militares, um subordinado ao outro, mas que abrem polêmica pela imprensa no momento mesmo em que os combates se feriam. A outro caso, o do tenente Marcos Pradel de Azambuja que responde ao tenente-coronel José de Siqueira Menezes, desmentindo, até de maneira dura, um artigo que tinha sido mandado por este. Era o tempo do chamado bacharel soldado. A Escola Militar tinha um curriculum enciclopédico, onde se discutiam os temas da Revolução Francesa, e ninguém discutia a matéria técnica conexa à arte militar. Então, essa ausência de ensinamento de técnicas militares vem também dificultar a aplicação das ordens de comando no campo de batalha.
Foi em Canudos que o gênio de Euclides da Cunha criou a frase “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. E é mesmo!
Suplemento Cultural — Existe um episódio em Canudos, praticamente desconhecido, que é o da participação dos soldados pernambucanos na Guerra de Canudos. Ressalta-se muito a participação dos gaúchos na 4’ Expedição, organizada pelo general Artur Oscar, mas se tem esquecido dos soldados nortistas e nordestinos. O senhor, de maneira pioneira, estuda essas participações. Comente um pouco a presença desses soldados no campo de batalha.
Frederico Pernambucano de Mello — Em cem anos de bibliografia sobre Canudos, o que se passou para o público foi a ideia de que, além de um conflito entre litoral e Sertão, teria havido, também, em Canudos, um conflito entre Norte e Sul. O Norte, termo genérico que englobava na época o Nordeste, representado pelos jagunços, e o Sul, representado pelo Exército. Então, eu pude verificar – e é um dos pontos de pioneirismo do estudo que estou apresentando – que as tropas que intervieram na fase mais penosa da Guerra, que é a fase inicial, a partir de 25 de junho, com os primeiros combates a 27 e 28 também de junho, são tropas do Norte e do Nordeste.
Do Recife — que foi uma cidade particularmente lançada em todos os episódios da Guerra — parte, escolhido pelo presidente da República, o comandante supremo, o general Artur Oscar, para o teatro de operações, à frente de uma força expedicionária portentosa, tão logo corre a notícia, mais ou menos a 7 de março, da morte do coronel Moreira César (ele morrera a 3 de março, mas a notícia só chega à imprensa em tomo do dia 7).
Vista do mirante de Canudos, a estátua de Antônio Conselheiro, no Parque Estadual de Canudos, na Bahia LUCIANO ANDRADE/AE
O general era um carioca, agauchado pelo longo período de permanência na fronteira Sul do Brasil, e um herói de verdes anos da Guerra do Paraguai. Mas esse homem morava no Recife com a sua esposa, dona Maria Helena, figura marcante em todos os passos da sua vida. Artur Oscar parte do Recife com o 14º Batalhão de Infantaria, que era de Pernambuco, e o 27º Batalhão de Infantaria, da Paraíba. Poucos dias depois, recebe o aporte do 34° Batalhão, do Rio Grande do Norte; do 35º, do Piauí; do 2º, do Ceará; do 5°, do Maranhão; e do 40°, do Pará.
Em seguida, o 26°, de Sergipe, e o 33°, de Alagoas. Ao lado de três batalhões gaúchos, é essa tropa, inicialmente, quase que esmagadoramente predominante de nordestinos e nortistas, que intervém na Guerra. Por Recife passam quantidades imensas de tropas. A cidade se alegra, se engalana, se prepara para receber maravilhosamente, ao longo dos meses de março e abril, essas tropas que passavam, e se converte no que, um pouco naquela ideia que foi desenvolvida com a Segunda Guerra Mundial, em relação a Natal, no Rio Grande do Norte, em uma espécie de trampolim da vitória da Guerra. No dia 15 de março sai daqui o comandante supremo, no mesmo navio, com tropas do Norte e do Nordeste.
O engano de se supor que o exército era, todo ele, de sulistas, é que, na fase final da Guerra, muitos meses depois de iniciada a ação, as tropas vão sendo substituídas pelas tropas frescas vindas do Sul, e acontece que, em um determinado momento, já a seis dias do final da Guerra, esses sulistas estavam em bom contingente. Alguns, até chegados recentemente.
E ao chegarem, com eles segue o fotógrafo Flávio de Barros, contratado pelo ministro da guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, para fazer a cobertura dos lances finais da Guerra. Assim, a iconografia da Guerra remete o historiador apressado à crença de que o Exército era todo aquele contingente de homens de bombachas, tomando chimarrão, com chinelas à beduíno, quando, na verdade, o grande suporte da Guerra é de nordestinos e de nortistas.
Suplemento Cultural — Estou lembrando que no livro No calor da hora; a Guerra de Canudos nos jornais, de Walnice Nogueira Galvão (1977), a pesquisa para nos jornais da Bahia. A autora deixa sem levantamento, assim, tudo o que também se publicara nos outros periódicos do Norte e Nordeste. Eu pergunto se há algo de exclusivo que os jornais pernambucanos registraram e que passou desapercebido pelos outros jornais da época.
Frederico Pernambucano de Mello – Há uma riqueza muito grande nos jornais pernambucanos por uma circunstância afortunada. É bem verdade que tanto os jornais do Sul quanto os de Pernambuco reproduzem bastante matérias transcritas dos jornais da* Bahia. Eram feridos que desciam para Salvador e eram ouvidos pelos repórteres, ou eram ouvidos em Queimadas, na ponta da linha do trem, ou até mesmo em Monte Santo.
Mas no Recife aconteceu uma coisa curiosa. Dada a união romântica, muito bonita, do general Artur Oscar com a sua esposa, dona Maria Helena, ele se permitia mandar telegramas quase diários para ela, relatando cada passo dos combates. Consequentemente, muito cedo a imprensa de Pernambuco descobre que era na casa do general que estava uma das melhores fontes de notícias frescas sobre o teatro de operações. E aí há uma verdadeira orgia de informações patrocinadas pela esposa do general.
Ela recebia os telegramas, lia e passava para a imprensa, e essa imprensa muito frequentemente vinha a público agradecer a generosidade de dona Maria Helena, “sem cujo concurso a nossa redação estaria completamente à mingua de notícias”. Então, o diferencial positivo da imprensa do Recife é de natureza romântica e doméstica, porque passa pelo amor do general pela sua esposa, e pela generosidade dessa esposa em alimentar de informações a imprensa da cidade a que ela tanto amava.
Eu tive o cuidado, no livro, de colocar uma grande quantidade desses telegramas, que começam sempre de maneira muito bonita: “Monte Santo, data tal, Maria Helena, saudades”, e aí segue seu relato. Essa fonte alternativa, romântica, muito simpática, e muito insuspeitada de informações, não há em nenhum outro ponto do Brasil, era privativa do Recife. Para esta cidade ele volta ao final da Guerra, desdenhando de ser recebido no Rio de Janeiro pelo presidente da República, o que causou um grande frisson. Ele vem de Salvador para o Recife, onde recebe as mais retumbantes homenagens que um chefe militar possa um dia sonhar em receber.
SC — Morre no Recife?
Frederico Pernambucano de Mello — Não, morre no Rio, mas já anos depois. Ele vai morrer em 1903, seis anos depois da Guerra, já reformado e morando no Rio de Janeiro.
SC — No apêndice do seu livro temos verbetes biográficos dos homens da Guerra. Traçando a trajetória de vida desses que foram os artífices da Guerra — militares e civis — o senhor encontrou algum dado revelador, até então desconhecido?
Ruínas da Guerra.
Frederico Pernambucano de Mello — O livro tem um apêndice com três contribuições que eu reputo de importância para a compreensão da Guerra. O primeiro é o memorial deixado pelo frei João Evangelista de Monte Marciano, um italiano chegado ao Brasil, em 1872, que esteve no Arraial, em 1895, tentando, através da pregação religiosa, dissolver o Arraial, que já era considerado pela Igreja Católica como uma força contrária ao ultramontanismo de Roma, porque se formava ali uma Igreja popular. Por exemplo, uma instituição de igreja popular era a “beija das imagens”. Isso vinha do padre Ibiapina.
Terminada a solenidade, o Conselheiro ia beijando imagem por imagem. A Igreja Católica, na sua ortodoxia, não reconhecia esse ato como fazendo parte da liturgia. Também o papel da República se voltando contra aquele irredentismo de Canudos. Tudo isso está no relatório do frei Monte Marciano. Ao lado disso, eu tive o cuidado de, em mais de dois anos de investigação, purificar a informação sobre as armas empregadas na Guerra. Isso parece irrelevante, mas na verdade tem um grande papel, porque a bibliografia centenária da Guerra nos remete a uma grande confusão.
Ainda recentemente, instituições sérias têm publicado verdadeiros disparates nesse campo, apontando armas que jamais foram utilizadas ali, ou enaltecendo o papel de canhões, como as baterias Canet, que morreram virgens, porque chegaram em Monte Santo e de Monte Santo não foram levadas para o teatro de operação, e, no entanto, são apontadas como sendo as grandes armas de importância em Canudos. Então houve essa preocupação de purificar a informação militar sobre os petrechos bélicos, e chegar a um grau de confiança que parece bastante aceitável.
Por fim, uma biografia das figuras envolvidas na Guerra. E aí há revelações bem curiosas. Uma delas é a figura de Teresa Jardelina de Alencar de quem já falamos anteriormente. Foi possível também verificar, nesse cotejo das figuras da Guerra, que um nome avultava em meio a todos os demais: o do então tenente-coronel Dantas Barreto.
Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos.
Pernambucano de Bom Conselho, herói da Guerra do Paraguai, para onde segue com 15 anos de idade, volta como alferes por bravura, e que na Guerra de Canudos, onde chega, a 25 de junho, comandando o 25° Batalhão de Infantaria, vindo do Rio Grande do Sul, em pouco tempo é elevado ao comando da 3° Brigada de Infantaria. É o idealizador do entrincheiramento mais importante, que teve o nome de Linha Negra, e fica por ser o expugnador da Igreja Nova, que era o baluarte máximo dos jagunços. Esse homem fica do primeiro ao último dia da Guerra, o que é uma raridade, em trincheiras insalubres, fétidas, atacadas pela varíola, infestadas de muquiranas e de piolhos, onde a desinteria grassava a cada instante e onde, muito frequentemente, os oficiais passavam apenas seis dias, porque caíam doentes.
Dantas, por ser sertanejo e de origem humilde, fica do primeiro ao último dia da Guerra e pratica as façanhas mais importantes.
No plano militar é, ao meu ver, o grande herói da Guerra. Também será esse homem que produzirá, entre os seus contemporâneos, a obra literária mais vasta sobre a Guerra de Canudos, embora inteiramente esquecida, apesar de a Última Expedição a Canudos, de 1898, ser o livro mais citado por Euclides da Cunha em Os Sertões. Mas o Dantas nos deixa também os livros Destruição de Canudos, de 1912, e Acidentes da Guerra, de 1914. Acidentes da Guerra é o primeiro romance histórico, escrito por militar, abordando aspectos da Guerra, inclusive o perfil mental do coronel Moreira César.
É uma figura que compreendeu que o Conselheiro era um pregador persuasivo, era um homem, como ele dizia, de vistas superiores, um grande condutor da sua gente.
Imagem de Antônio Conselheiro em jornais da época – Fonte – http://culturapauferrense.blogspot.com.br
É a Dantas Barreto que nós devemos a convicção — e não a Euclides, jamais a Euclides — de que o Exército não se bateu em Canudos contra nenhum idiota, nem nenhum doente mental. Porque a ideia que se tem que Conselheiro seria um paranoico, um desequilibrado — como disse Euclides: um neurótico vulgar — é que o nosso Exército, que perde em Canudos cinco mil soldados, tinha tido um papel estranho de não conseguir vencer um homem com todas essas qualidades negativas. Na verdade, Dantas mostra claramente que o Conselheiro tinha virtudes de condottiere das massas.
SC — O seu livro também trata dos excessos da Guerra de Canudos. Quais foram esses excessos?
Frederico Pernambucano de Mello — Muito se fala sobre os excessos da Guerra de Canudos. De fato, é uma Guerra absolutamente sem quartel. Mas os excessos foram de parte a parte. Normalmente, nós vemos mais o excesso do Exército, ao não permitir prisioneiros masculinos, quase todos eles degolados ao final da Guerra; ao patrocinar uma diáspora de crianças, os chamados jaguncinhos, que eram doados pelo comandante supremo a quem os solicitasse.
O próprio Euclides da Cunha levou um desses meninos, que viria a ser um professor primário em São Paulo. Outros deram a essas crianças destinos menos nobres. As mocinhas, às vezes de 12, 13 anos, eram estupradas impunemente pelos soldados. Formaram-se comitês de auxílio. Um deles, chefiado pelo jornalista Lelis Piedade, que encaminhou, em Salvador, algumas dessas crianças para um destino melhor, mas, no geral, órfãs, elas sofreram uma diáspora, foram espalhadas por todo o país.
Euclydes da Cunha – http://www.estadao.com.br
Os homens adultos, degolados, com as carótidas cortadas, ao estilo da fronteira, ao estilo uruguaio, da malagataria, e argentino, da província de Corriente, bebido no Rio Grande do Sul, desde o levante Federalista de 1893. Mas também do lado jagunço, o retalhamento a facão dos feridos da 1ª e 2ª Expedições, e da 3ª, do coronel Moreira César — o próprio Moreira César, juntamente com o capitão Salomão da Rocha e o coronel Tamarindo, foram retalhados a facão. Era uma guerra sem condescendência, de parte a parte.
Com relação ao Exército, é interessante dizer, porque quase não há investigação nesse sentido, de que, já em 1900, o Exército assumia uma posição de censura aos excessos de conduta praticados por um de seus membros, o general Artur Oscar, na condução da Campanha de Canudos.
Esse fato nos vem da seguinte revelação: nesse ano de 1900, o general Artur Oscar se dirige oficialmente ao Senado da República pedindo a instituição de uma comenda, com o que seriam galardoados os militares participantes da Campanha de Canudos. O Senado abre vistas do processo ao Exército, e o Exército envia o assunto ao Estado Maior. Presidia o Estado Maior o general João Tomás da Cantuária, considerado um militar brilhante na época.
E o parecer do general é um primor de equilíbrio, ao dizer que o Exército Brasileiro, oficialmente declarado ao Senado da República, não era favorável a instituição de uma comenda, devido aos excessos praticados numa Guerra que, em final de contas, era um conflito de brasileiros contra brasileiros, realizado inteiramente no âmbito de um Estado da Federação.
Corpo de Antônio Conselheiro.
Então, o que se pode ver do episódio de Canudos é o Exército punindo e limitando o próprio Exército. E esse pequeno ponto de luz é sempre interessante que se tenha em vista, no momento em que, costumeiramente, o mais fácil, o mais sensacional, é apenas mostrar a sistematização da degola praticada pelos militares, em Canudos.
Suplemento Cultural – Euclides conclui Os Sertões dizendo que “ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas [do Conselheiro], as linhas essenciais do crime e da loucura…”. O senhor, de certa forma, conclui o seu livro discordando dessa assertiva, quando transcreve os resultados científicos que, em dezembro de 1897, o médico Nina Rodrigues revelou ao país. Para este, não havia “nenhum a anomalia que denunciasse traços de degenerescência” no Conselheiro. Porém, como fizera Euclides, antes, o senhor deixa o leitor mais uma vez curioso, pois fica sem saber qual foi a reação das autoridades e do povo brasileiros com o tão esperado laudo de Nina Rodrigues, depois de tudo, que se tinha dito e escrito na imprensa contra o Conselheiro.
Frederico Pernambucano de Mello — É verdade. Observe-se que Os Sertões é um livro que cria uma ideia de um Conselheiro monstruoso. E por conta talvez dessa crença que existia, e que Euclides captou e terminou por traduzir em seu livro, ao terminar a Guerra, no dia seguinte, 6 de outubro de 1897, foram feitas escavações numa área ao lado da Igreja Nova, e onde se sabia ter residido o Conselheiro até a sua morte. Rapidamente, foi encontrada uma área de areia fofa, onde se pôde exumar o cadáver de um homem de um metro e sessenta de altura, pardo, desprovido de dentes nas maxilas, vestido com uma batina de mescla azul, e envolto em lençóis brancos e esteiras de cera de carnaúba. Cabelos ainda fortemente escuros, negros, a barba apenas um pouco grisalha, o nariz já parcialmente comido pelos vermes, e que era Antônio Conselheiro.
Representação dos jornais brasileiros mostrando Antônio Conselheiro contra a República Brasileira.
Um médico da Expedição, chefe do corpo sanitário, que era lotado aqui, no Recife, e sai daqui junto com o general Artur Oscar, o major-médico José de Miranda Cúrio, que operava, fazia amputações, conversando o tempo todo com os amigos, contando piadas, e ali fazia 20, 30 amputações de pessoas que chegavam feridas ao Hospital de Sangue, entende de cortar a cabeça do Conselheiro. Remove a massa encefálica, coloca cal para conservação, encerra-a numa urna, e leva ele próprio para Salvador a cabeça do Conselheiro, para que ela fosse periciada pela grande sumidade da ciência nacional, Raimundo Nina Rodrigues.
Este recebe o crânio e se permite trocar ideias com o maior psiquiatra brasileiro do seu tempo, Juliano Moreira.
Eles analisam exaustivamente o crânio do Conselheiro do meado de outubro até o meado de novembro, quando, então, para surpresa geral, inicialmente deles próprios, depois da Nação, eles revelam que o crânio de Antônio Conselheiro não apresentava nenhuma anomalia que pudesse responder pela sua suposta criminalidade, pela sua violência, pela sua conduta irredenta. Ele tinha o crânio normal, tinha até traços superiores, porque era um dolicocéfalo, mesorrino.
A partir dessa proclamação, que é feita com grande surpresa por Nina Rodrigues, inicia-se no país um grande complexo de culpa nacional, que só tem feito crescer, nesses cem anos passados, desde quando a Guerra terminou. Conselheiro não era um criminoso.
Cruzeiro de Canudos na década de 1940.
Conselheiro era apenas um homem diferente, o outro, uma concepção de vida sertaneja que estava inteiramente desconhecida e ignorada no litoral e que, graças a isso, a Guerra não teve por si nenhuma tentativa diplomática de acomodação, de diálogo, de entendimento, e foi até o fim, terminando apenas com o que Dantas Barreto chamou “superação absoluta de um contendor pelo outro”. Mas assim mesmo, o Exército que sai vitorioso da guerra, perde um 1/3 do seu efetivo no campo de batalha. O efetivo do Exército à época, nominal, por lei, era de vinte e dois mil homens, mas, na prática, esse efetivo nunca supera quinze mil.
E mesmo esse contingente foi mesclado com forças policiais do Pará, do Amazonas, de São Paulo e da Bahia. Auxiliado também por tropas pernambucanas, que não combateram em Canudos, mas que receberam a missão de etiquetar toda margem esquerda do Rio São Francisco, para impedir um dos grandes perigos que o Exército considerava, que seria a adesão do outro grande arraial místico nordestino, que era Juazeiro do Norte, no Ceará, tendo à frente o padre Cícero, um homem tão poderoso que levantaria, estalando um dedo, oitocentos homens em armas, no momento em que desejasse.
O Exército temia que esses jagunços do padre Cícero pudessem se deslocar para o Sul, atravessar o São Francisco e ganhar o Arraial do Belo Monte, se solidarizando com o Conselheiro. Coube ao Estado de Pernambuco criar, para isso, um corpo provisório de polícia, com cerca de trezentos homens, e tornar inviolável essa fronteira de Pernambuco para com a Bahia e Alagoas e impedir, portanto, a possibilidade de auxílio, em homens e em gêneros, para a luta que se feria no Belo Monte.
Anco Márcio Tenório Vieira é jornalista, em 1997 era doutorando em Literatura Brasileira na UFPB.
Fonte: Tok de História
sábado, 21 de janeiro de 2023
AS PARÊAS
As Parêa é uma banda paraibana criada no final de 1999 que no ano seguinte já estava abrindo shows de Lenine. A contrapartida paraibana do manguebit, uma mistura de música popular com rock digna de Chico Science, rock-cocos, groove-cirandas, funk-bois e todas essas misturas modernosas, mas com o sentimento folclórico fortíssimo, longe de ter sido deturpado. Pra infelicidade geral da nação, a banda encerrou as atividades num último show no centro histórico em maio de 2009.
O CD homônimo, de 2002, conta com participações e colaborações de grandes músicos paraibanos: Cátia de França, Chico César, Pedro Osmar, Escurinho, ChicoCorrea e vários outros. O resultado é de uma beleza indizível. De fato, é um dos poucos CDs que se pode acrescentar entre os adjetivos, além de "inovador", "criativo", "do caralho" e esses de praxe, um "bonito" bem enfático.
A banda paraibana “As Parêa” procura evidenciar a música brasileira, cheia de dosagens culturais implantadas nos ouvidos dos músicos desde a infância. O resultado é uma música mundi e contemporânea com composições próprias e de artistas renomados na Paraíba e no Brasil. Um trabalho de raízes fortes, fruto de muita pesquisa e imaginação.
Suas influências são as mais diversas e suas composições tentam transmitir o elo entre a musicalidade primitiva e urbana, passando pela música erudita, étnica, folclórica, rock e a MPB: Um caldeirão rítmico e alquímico em ebulição. Com uma postura de vanguarda este grupo vem se destacando em festivais e colecionado prêmios.
“Queremos debulhar a cultura pela qual fomos formados; “As Parêa” é ao mesmo tempo, par e avesso da música já estabelecida, início e alvo para alcançar novos rumos”. Parelha: par; pessoa ou coisa igual ou semelhantes a outra. Emparelhar-se: igualar-se, aproximar-se.
Cristiano Oliveira – Violão, Viola e Guitarra
Mani Carneiro – Voz e violão
Bruno Carneiro – Percussão
Dal Zapata – Percussão
Júlio César – Baixo
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
REISADO É AGORA PATRIMÔNIO IMATERIAL DE PERNAMBUCO.
Um dos folguedos típicos do ciclo natalino e até invocado em espetáculos sobre a data religiosa – como é o caso do auto de Natal Baile do Menino Deus – o reisado é agora Patrimônio Imaterial de Pernambuco. O reconhecimento já passou por todos os caminhos burocráticos, só faltando a assinatura de decreto ratificando o título, por parte do Governador Paulo Câmara (PSB). A informação foi divulgada hoje pela Secretaria de Cultura de Pernambuco. O processo correu rápido, pois teve início em 10 de setembro de 2022, sendo formulado pelo Coletivo Movimento Viva Reis.
Os Reisados apresentam importância sócio-histórica e cultural e se configuram como forma de expressão enraizada em tradições votivas do catolicismo popular, bem como em festividades cíclicas, ligada especialmente ao Ciclo Natalino e às festas dos Santos Reis. Essa manifestação integra música, dança, personagens, encenação de entremeios, louvação e cortejo.
O enredo dos autos encenados no Reisado em Pernambuco dá-se comumente com os seguintes elementos: Marchas de Rua, Pedido de Abrição de Porta, Marchas de Entrada de Sala, Louvação aos donos da casa, Louvação ao Divino, Guerra e Retirada. Os autos são entremeados com danças dramáticas, como as Guerras Totêmicas e a Farsa do Boi; com peças cantadas de motivos românticos ou circunstanciais; e com as Embaixadas, que são partes declamadas.
Os entremeios são as apresentações, com ou sem falas e diálogos, de personagens humanos ou animais com roupas, nomes e gestos próprios. Costumam ocorrer nos momentos em que os músicos param de tocar, mas também podem ser realizadas com a música caraterística do personagem. Os entremeios mais comuns são: Zabelê (Jaraguá), Cavalo-marinho, Sapateiro, Boi, Urso e Anastásia.
Os principais personagens do Reisado são o rei, a rainha, o mestre, o contramestre, os embaixadores, os figurantes e um Mateus, sendo acompanhados ao menos por um violeiro, mas é comum terem mais músicos. O rei, o mestre e contramestre começam a história, seguidos dos dançadores de entremeios. Cada personagem do Reisado possui uma indumentária ricamente elaborada que o distingue e o saber-fazer e a estética dessas indumentárias são importantes para essa expressão cultural. A presença de guerreiros e batalhas, em alusão à luta entre cristãos e mouros, mas sobretudo a presença de animais nos entremeios distingue o Reisado no Nordeste.
Enquanto celebração para o Dia de Reis, o Reisado possui uma série de referências da religião cristã e, como em outras celebrações do catolicismo e religiosidade popular, também possui um lado profano. O Reisado é tradicionalmente organizado por devoção ou pagamento de promessas. O devoto de Reis busca alcançar alguma graça e se compromete a participar da manifestação por um período de sete anos, muitas vezes estendido. Em razão do pagamento de promessas, não é raro que o Reisado seja realizado em outras datas em devoção a santos padroeiros, em especial no período junino. Portanto, essa expressão cultural não ocorre somente no Ciclo Natalino, podendo ser brincada em vários momentos do ano.
Histórico
Entre os anos de 2012 e 2014, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe e a Secretaria de Cultura do Estado realizaram o Inventário Nacional de Referências Culturais do Reisado em Pernambuco, promovendo a pesquisa para identificação desta expressão cultural, destacando as singularidades de sua presença nas diferentes regiões do Estado. A investigação encontrou grupos de Reisado tanto em Recife, quanto em Garanhuns, Capoeiras (povoado da Maniçoba), Paranatama, Águas Belas, Arcoverde, Sertânia, Pedra, Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, Lagoa Grande e Tacaratu.
Como resultado do mapeamento dos Reisados de Pernambuco, observou-se a organização dos detentores, em duas diferentes regiões onde os grupos estão mais concentrados: Agreste Central, especialmente no município de Garanhuns, e Sertão de Itaparica e São Francisco. Nessas duas regiões, formaram-se movimentos espontâneos entre os detentores para a valorização das tradições do Reisado por meio de apresentações, eventos culturais, seminários e atualização de pesquisas. Dessa articulação, em julho de 2019 realizou-se, durante o Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), o 1º Seminário Reisados do Agreste, em Garanhuns, e em dezembro do mesmo ano o Encontro de Reisados em Santa Maria da Boa Vista, articulado pelo Movimento Viva Reis, apoiado pelo projeto Natal das Tradições da Secult-PE e Fundarpe.
Patrimônios vivos
Além do Registro como Patrimônio Imaterial de Pernambuco, vale salientar a titulação e registro como Patrimônios Vivo do Estado de Pernambuco para o Mestre Gonzaga de Garanhuns, do município de Garanhuns, do Reisado da Comunidade Quilombola do Inhanhum e mais recentemente da Mestra Maria Jacinta, esses dois últimos, do município de Santa Maria da Boa Vista, representantes dos Reisados do Agreste e Sertão do Estado.
Registro Nacional
Em 12 de dezembro de 2014, a Secretaria de Pernambuco formalizou junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan , o pedido para o registro do Reisado de Pernambuco como Patrimônio Cultural do Brasil. Na ocasião, que contou com a presença de grupos de Reisado do Agreste e da Região Metropolitana, foi entregue ao Iphan os resultados no o Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC do Reisado, produzido entre os anos de 2012 e 2014 pelo Governo do Estado.
Registro Nacional
Em 12 de dezembro de 2014, a Secretaria de Pernambuco formalizou junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan , o pedido para o registro do Reisado de Pernambuco como Patrimônio Cultural do Brasil. Na ocasião, que contou com a presença de grupos de Reisado do Agreste e da Região Metropolitana, foi entregue ao Iphan os resultados no o Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC do Reisado, produzido entre os anos de 2012 e 2014 pelo Governo do Estado.
A partir do requerimento de registro do Reisado de Pernambuco o Iphan pronunciou-se a favor da ampliação da abrangência da pesquisa para a região Nordeste, no sentido de verificar aspectos semelhantes e singularidades do Reisado, Folias de Reis e Ternos de Reis em outros estados, alterando a nomenclatura do processo para Registro dos Reisados do Nordeste. O processo segue aguardando complementação da pesquisa e está disponível para consulta no link: portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/156
Pesquisa/Fonte: Folhape,Oxerecife e jconline.