José Lopes da Silva Filho, conhecido como Mestre Zé Lopes, nasceu no dia 21 de outubro de 1950 na cidade de Glória do Goitá, Zona da Mata Norte de Pernambuco. O primeiro contato com a brincadeira do mamulengo foi aos 10 anos de idade. “Eu ia no mamulengo com minha mãe, ajudá-la a vender bolinhos e me apaixonei pelos bonecos. Eu era um garoto tímido e os bonecos tiraram essa timidez. Minha mãe dizia que ser mamulengueiro não era profissão. Ela queria que eu fosse engenheiro mecânico e eu já pensava: tem um mundo lá fora pra o mamulengo conquistar. E realmente teve e ainda tem”, diz o mestre, que agora é Patrimônio Vivo de Pernambuco.
Uma das formas de teatro popular mais genuinamente brasileira, o Mamulengo consiste na manipulação de bonecos de madeira com um notável senso de improvisação. A brincadeira tem uma estrutura própria, da qual fazem parte histórias, lendas, linguagens próprias, personagens fixos, pancadarias, música e dança. Inspiradas na literatura de cordel,  as histórias são repassadas de geração para geração, sem perder a comicidade.
Reconhecido como um dos mestres mais representativos da tradição do mamulengo e um dos mais antigos em atuação, Zé Lopes foi agraciado pelo Iphan com o Prêmio Teatro de Bonecos Popular do Nordeste - Mamulengo, Cassimiro Coco, Babau e João Redondo e, recentemente,  com o Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia.
Jan Ribeiro

Mestre Zé Lopes recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco das mãos do governador Paulo Câmara, em dezembro de 2016
Foi em 1962, aos 12 anos de idade, que ele criou o primeiro boneco: “Conheci vários mamulengueiros, mas não bonequeiros. Eu quis ser as duas coisas e tive que descobrir e entender a diferença entre eles por conta própria. Bonequeiro é quem produz, quem elabora os bonecos e o mamulengueiro é quem apresenta a brincadeira. Eu também apresento boneco dos outros, mas é melhor lidar com o seu filho. Pois já sabemos a personalidade dele, o peso, o cheiro, o suor. O boneco, quando você faz e sente que terminou, ele já é corpo e alma.  Foi uma dificuldade aprender a fazê-los, saber qual madeira usar, qual a tinta, como era que ele se vestia. Tive que descobrir sozinho e hoje eu tenho essa alegria e esse prazer de sentar e poder repassar.”
MAMULENGO TEATRO DO RISO
Foi também em 1962 que surgiu o primeiro grupo do qual participou, o Mamulengo São José, composto por 5 pessoas, incluindo dois tios de Zé Lopes. O grupo atuou até 1971, quando o mestre deixou Glória do Goitá e foi morar em São Paulo. Durante esse período longe de sua terra, exerceu outras profissões, mas não deixou de fazer os bonecos e contar as histórias do Mamulengo, pois sempre pensava em retornar à sua terra natal. ”Eu não conto que eu passei oito anos afastados da arte porque mamulengo é como bicicleta: aprendeu a andar, não desaprende mais. Foi importante pra mim ir pra São Paulo, trabalhei como metalúrgico e conheci várias outras áreas, mas nunca deixei de ser mamulengueiro. Eu não estava com os bonecos lá, mas continuava contando as histórias, as loas, ensinando e sendo mamulengueiro.”
Ao retornar para Pernambuco em 1982,  encontrou o Mamulengo esquecido. Muitos mestres tinham deixado de brincar por falta de apoio, inclusive o Mestre Zé de Vina, um dos mais antigos mestres mamulengueiros do Estado. Em Glória do Goitá, hoje reconhecida como “a capital do Mamulengo”, a brincadeira estava proibida por questões políticas. Depois de muita luta, conseguiu retomar seu grupo e mudou o nome para Mamulengo Teatro Riso. A estreia foi no dia 02 de dezembro de 1982, na festa do Levantamento da Bandeira de Nossa Senhora da Conceição.
A primeira formação do Mamulengo Teatro do Riso foi composta por amigos que
sempre acompanharam a história do Mamulengo. A brincadeira era como um complemento à renda familiar, pois não era possível viver exclusivamente dessa arte. Vários outros mamulengueiros tinham suas profissões, comumente ligadas à agricultura e faziam a brincadeira por amor. Vale a pena ressaltar que, naqueles tempos, a brincadeira não era valorizada e nem reconhecida como arte. Hoje, seus filhos Cirleide Nascimento (Cida Lopes), Larissa Nascimento e sua esposa, Marinês Tereza, são os integrantes do Mamulengo Teatro Riso. Todos eles aprenderam a brincadeira, a confecção de bonecos, montaram também seus próprios grupos e hoje se apresentam com o desejo maior de dar continuidade a esse trabalho, preservando sua tradição.
Ao longo desses 34 anos, o Mamulengo Teatro Riso já se apresentou e realizou oficinas em festivais em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Olinda, percorreu todo o território brasileiro com o SESI Bonecos do Mundo, além de ter representado o Brasil em países como Espanha, Portugal e Itália.
RECONHECIMENTO
Hoje, com seus 66 anos, Mestre Zé Lopes continua repassando os seus saberes e sua vivência como Mestre Mamulengueiro, ministrando oficinas de confecção e manipulação de bonecos em escolas, associações, festivais e museus pelo Brasil e pelo mundo, além de ser objeto de estudo de inúmeros pesquisadores da arte popular, tendo contribuído diretamente com o trabalho de estudiosos de diversas instituições. “Esse reconhecimento de Patrimônio Vivo chegou num momento muito bom da minha vida, foi muito importante pra eu continuar repassando a minha história.”
Zé Lopes percorreu quase todo o território brasileiro e alguns países da Europa disseminando a rica tradição do mamulengo.  ”Tive a chance de ir pra Portugal duas vezes, Espanha, Itália. Sou muito agradecido ao SESI, que me fez conhecer o Brasil inteiro e também à Fundarpe, que realizou o primeiro Encontro de Mamulengueiros, em 1985. Foi quando eu conheci outros bonecos e muitos mestres. Foi o pontapé inicial pra eu continuar nessa luta.”
Jan Ribeiro

Os bonecos do Mestre Zé Lopes percorreram quase todo o território brasileiro e alguns países da Europa
O seu trabalho também pode ser visto na minissérie global A Pedra do Reino, escrita por Ariano Suassuna e dirigida por Luiz Fernando Carvalho e no cinema, no filme Abril Despedaçado, de Walter Salles. “Ver o mamulengo na televisão, no teatro, sendo usado como objeto de pesquisa, entrando nas escolas, coisas que  antes eram ignoradas, me deixa feliz da vida. Pois o mamulengo não é só pra o pessoal lá do sítio ficar ouvindo as piadas dos bonecos, tomando um gole de cachaça.  O mamulengo faz pessoas de todas as idades riem. A criança vira adulto diante dos bonecos. Pois elas é que resolvem as confusões dos bonecos, então a criança já mostra uma capacidade de resolver problemas, isso é muito importante. A criança se sente responsável por aquele ato, por aquilo que ela viu. E o adulto se transforma numa criança, fica abobalhado”, reflete. 
Zé Lopes contribuiu, ainda, com a formação de muitos bonequeiros, entre eles Cida Lopes, Larissa Nascimento e Marinês Tereza, que fundaram o Mamulengo Alegria, atualmente em plena atividade. É responsável, ainda, por coordenar o Centro de Revitalização e o Memorial do Mamulengo, criado pelo Só Riso em Glória do Goitá.
A ALMA DA BRINCADEIRA
“O boneco quando chega, quer aparecer. O boneco tem muita malícia. Quer ver o mamulengo ficar arrasado? Se ninguém provocar o boneco. É uma brincadeira que o público tem que se meter”, explica o mestre. De acordo com o registro de alguns pesquisadores, atualmente o mamulengo pernambucano dispõe de 120 bonecos, todos provenientes da Zona da Mata, de Glória do Goitá e Vitória de Santo Antão.
Uma coisa muito importante do boneco é que ele tem a capacidade de explicar melhor. Quando participo de alguma campanha de saúde, ninguém vai ignorar a linguagem do boneco. É diferente de chegar um doutor ou uma doutora pra falar. Se ele fala sobre alguma coisa de grande responsabilidade, como a prevenção ao vírus da Aids, e dez pessoas escutam, daqui a pouco mais de cem sabem aquela história certinha e repassam tudo que o boneco falou. Porque as pessoas escutam o boneco, dão razão a ele. O boneco faz com que as pessoas gravem as informações. Tudo que ele fala fica perpetuado.
Para isso, Zé Lopes diz que o mamulengueiro não pode aperfeiçoar a linguagem, “senão o povo não entende o que ele quer dizer. Simão, por exemplo, é um personagem que chamava a mãe dele: ôôô mãããeee… Hoje ele já pega o celular pra discar pra mãe e assim a gente vai contando a história de Simão com um toque moderno, mas sem tirar a música tradicional. A gente não pode botar muito moderno, pra não tirar a essência,  o cheiro da historia do personagem.