terça-feira, 11 de julho de 2023

Cepe lança biografia de Alceu Valença

Cantor, compositor, instrumentista, poeta, diretor de cinema, ator e advogado. “Sou um grande poeta, tenho certeza disso”, prefere resumir o pernambucano ilustre, em trecho do livro Pelas ruas que andei – Uma biografia de Alceu Valença. Assinado pelo carioca Julio Moura – assessor de imprensa e desde 2009 -, o livro revela histórias de vida e carreira de Alceu Valença – juntas e misturadas – ao longo dos 50 anos de palco, teatro, cinema, picadeiro, tapume e meio de rua. “Poeta e trovador, seu discurso confronta o lugar comum. Sua personalidade inquieta se reflete na obra. E coube a mim, de alguma maneira, traduzir tudo nesse livro”, declara o escritor. Se da vida tirou músicas, com elas fez a vida, Brasil e mundo afora, como contam as 562 páginas do livro sobre o filho de São Bento do Una, de 76 anos. A trajetória cronológica se faz completa com riqueza de fotografias. O lançamento ocorreu dia 27 de junho, às 19h, no Paço do Frevo, com sessão de autógrafos e bate-papo com o autor, mediado pela jornalista Luiza Maia. Parceria da Relicário Produções Culturais e Editoriais e da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), sob coordenação editorial de Carla Valença, o projeto é viabilizado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura com patrocínio do Banco Itaú, apoio da Uninassau e realização do Ministério da Cultura. A obra tem versões impressa, digital e ainda um audiolivro (disponível em audiolivro.art.br), adaptado aos requisitos de acessibilidade e pensado com recursos extras para os fãs do formato. A narração é de Amanda Menelau, Bernardo Valença, Giordano Castro e Nínive Caldas. O autor de hits como La belle de jour, Tropicana, Bicho Maluco Beleza, Espelho cristalino, Coração bobo e tantas mais é “complexo, irreverente e singular, original, sem escola”, define Julio. Totalmente abstêmio nos dias atuais, já gostou de beber, mas não curtiu drogas. Nunca gostou da “viagem”. Viajou mesmo foi pelo Brasil e por meio mundo, espalhando seu repertório em turnês internacionais. Já tocou na Alemanha, França, Suíça e em Portugal, Berlim, Munique, Colônia, Paris, Zurique e Lisboa. Sem falar no carnaval de Olinda, onde é comum dar uma canja na sacada de sua casa. A Marim dos Caetés é não apenas morada, mas também cidade-musa, a quem Alceu se declara em verso em prosa. “Tenho uma relação poético-sentimental com esta terra. Essa cidade é o berço da civilização pernambucana, nordestina e brasileira. Nunca poderão me tirar a cidadania olindense”, declara o cantor. A criança de São Bento já antevia o artista: gostava de cinema, música, literatura, teatro – embora a primeira experiência rítmica, com um pandeiro, tenha sido desaprovada pelo exigente e talentoso avô Orestes. Daí seus marcantes figurinos e sua performance nos palcos. Já se vestiu de burrinha de bumba meu boi e incorporou Napoleão com os devidos trajes coloniais. Antes, porém, tentou “atuar” como advogado. Cursou a Faculdade de Direito do Recife e até em Harvard fez curso. Mas logo desistiu do terno e gravata e da americanização. Queria mesmo era a arte. Sempre foi mais de carne de sol do que de hambúrguer. Preferia Luiz Gonzaga, Lampião, Nelson Ferreira, Capiba e Jackson do Pandeiro a Mick Jagger. Mas teve que ralar para conseguir gravar um disco. Participou dos festivais de música, recebeu algumas vaias, passou os anos 70 batendo na porta das gravadoras Sudeste afora. Foi desencorajado por muitos. “Vocês deviam ter aparecido há cinco anos, quando a música nordestina estava em alta”, chegaram a ouvir de produtores, no tempo em que música vinda do Nordeste era regional e ponto final. Na época da ditadura militar, enfrentava os confusos censores de letras de música, via muitos amigos se exilarem ou serem presos e ainda concorria com a produção importada que ocupava a programação das rádios. “Em parte é boa essa poluição. Porque todo micróbio cria anticorpos. Ninguém está fechado a coisa nenhuma. Simplesmente a aculturação não pode ser tão rápida”, disparou o cantor. Eis que a roda da sorte girou para o são-bentense. “Depois de praticamente uma década de militância underground, Alceu Valença fazia sucesso popular naqueles 1980. Seu disco Coração bobo encaminhava-se para a marca de 750 mil cópias vendidas, superior às 700 mil de Maria Bethânia e às 600 mil de Chico Buarque”, escreve Julio. Seu repertório sempre foi de coco, maracatu, forró e frevo, que misturava com guitarra e bateria, em um estilo de som pré-manguebeat. “Com Jackson, aprendi a dividir melhor, a cantar com mais ritmo, a dividir as palavras, as inflexões. Comecei a cantar mais forró, porque antigamente eu pegava as minhas músicas e botava muito rock dentro. Claro que era música de raiz, totalmente nordestina, mas os ataques e a bateria eram pesados demais. A partir dele, veio o suingue da minha música”, reflete Alceu. Defensor da cultura nordestina, não deixou por menos quando um repórter certa vez sugeriu uma oposição entre “a arte pobre do Nordeste versus o esplendor do Sul maravilha”: “Quem pensar assim está enganado, primeiro porque a arte do Nordeste não é pobre, é rica mesmo. Depois, o desenvolvimento material de uma região não está obrigatoriamente atrelado ao desenvolvimento artístico. Se fosse assim, Picasso seria inferior a qualquer artista norte-americano”, devolveu. “Alceu Valença canta com todo o seu corpo. Ele nos faz percorrer sua terra natal com voz fanhosa e rouca como a dos cantadores populares que se escutam nas feiras e mercados do interior do país, ou doce, como a dos homens do litoral. Ele canta de todas as formas de que dispõe. E, se o olhar dos espectadores acha o instrumental reduzido, Alceu nos faz sentir que os recursos são infinitos, pois com ele tudo vira música”, derrete-se a jornalista francesa do Libération, Dominique Dreyfus, biógrafa de Luiz Gonzaga e Baden Powell. É ela quem assina o prefácio do livro. Na narrativa de Pelas ruas que andei – Uma biografia de Alceu Valença, Julio Moura acaba por prestar uma reverência ao jornalismo cultural, sua escola profissional e em franca derrocada. Repousam na obra recortes de críticas e entrevistas assinadas por jornalistas de vários estados brasileiros e outros países, extraídos a partir de minuciosa pesquisa em hemerotecas. Através delas, o leitor pode passear pela forma como era descoberto e apresentado o artista pernambucano, em eras nas quais a informação era mais concentrada. Faixa obrigatória na trilha sonora da vida de muitos brasileiros, Alceu recentemente viu os versos de Anunciação, de 1983, se tornarem hino, quase 40 anos depois, em 2022, dos que desejaram novos rumos políticos para o país, entoando, emocionados, os versos Tu vens, Tu vens/ eu já escuto teus sinais. E eis que Valença, ídolo da geração anos 1980, se torna também ícone das gerações mais recentes, dos Ys, Zs e Alfas. Secult PE

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