Após estrear filme, Alceu Valença lança DVD sinfônico 'Valencianas'
Cada vez mais multimídia, cantor pernambucano finaliza ainda livro de poesia que lançará em Portugal
No interior do agreste pernambucano, na cidade de São Bento do Una, nos anos 1950, um menino teve seu primeiro contato com a música. E essa aproximação ocorreu não com os registros sonoros gravados em disco, mas através da melodia viva da rua. Os cantos e cantigas do sertão — a voz dos cordelistas, dos aboiadores, dos cantadores — se tornariam a força motriz responsável por forjar a obra de um dos artistas mais conhecidos do Brasil.
— Era o som do povo. Luiz Gonzaga, quando entra na minha formação, já era um reflexo do som secular que eu estava ouvindo — conta Alceu Valença.
Seis décadas depois, suas canções, nascidas da caldeirada musical que o nutriu na infância, sai do descompromisso das praças para a solenidade de um palco de concerto. Lançados recentemente, o CD e o DVD “Valencianas” (Deckdisc), gravados ao vivo, com a Orquestra de Ouro Preto, no Grande Teatro do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, apresentam um resumo de seu repertório em roupagem orquestral.
— Se pensarmos na formação do músico de concerto, estamos acostumados com a escola europeia de aprendizagem. Se você pega uma música e fala que é um allegro, ele vai entender. Se falarmos que é um maracatu, já não pega de primeira — explica o regente da orquestra, Rodrigo Toffolo. — O Alceu trouxe uma série de ritmos e uma brasilidade muito fortes. E essa é uma contribuição muito importante na formação dos músicos.
Apesar da união entre música erudita e popular não ser novidade, o desafio do projeto está justamente na multiplicidade do cancioneiro de Alceu, que desfila por frevo, maracatu, xote e até bossa. Assim, 40 anos de carreira se transformam em 14 faixas, que abrangem números como “La belle de jour”, “Ladeiras”, “Sete desejos” e “Tropicana”. Uma delas, a suíte de três movimentos “Abertura Valenciana”, escrita pelo violinista Mateus Freire — que escreveu todos os arranjos do disco —, é prelúdio para a entrada no mundo do cantor.
— O Mateus é um compositor paraibano de 27 anos. Ele cresceu nessa veia armorial. A construção é um passeio por vários gêneros, e explode no final com a melodia de “Anunciação” — diz Toffolo.
Além dos 30 músicos da orquestra, Alceu foi acompanhado por uma banda formada por baixo elétrico, bateria, guitarra e percussão. A receita sonora ainda tem rabeca, sanfona, triângulo, copos de cristal e um serrote.
— A grande inovação das valencianas é a inversão da estrutura. Quem comanda as ações é a orquestra, não a banda — conta Toffolo. — Alceu era o solista, como um violinista ou pianista.
Para Alceu, essa confluência de timbres e sons foi um processo bastante natural.
— Esses instrumentos estavam todos em meu universo. O berimbau pernambucano, que é o berimbau de bacia, e a rabeca. O primo de meu avô, tio Juventino, tocava sanfona de oito baixos. E quando alguém toca esse tipo de sanfona, outra pessoa toca a zabumba — explica o cantor.
“O poeta da madrugada”
Em um ano cheio de lançamentos — o disco carnavalesco “Amigo da arte”, a estreia como cineasta com “A luneta do tempo”, no Festival de Gramado, e o primeiro single do projeto “As estações de Alceu Valença” —, o músico não para com “Valencianas”. Em agosto, fechou contrato com a editora portuguesa Chiado para lançar seu primeiro livro, com o título provisório de “O poeta da madrugada”, em Portugal (ainda sem previsão para lançar ao Brasil).
— O livro deve sair lá em janeiro. A ideia é colocar versos que escrevi no sertão, em Recife... Tem poemas que fiz para as cidades, além de letras de músicas — diz.
Aos 68 anos, aposentadoria é uma palavra distante para Alceu.
— Artista não se aposenta porque o palco é vitamina e analgésico.