Todo mundo sabe que gastronomia e cultura andam juntas, quando se trata de Pernambuco então, os sabores realçam a afetividade no consumo, nas receitas e no preparo. Fruto bastante consumido no estado, o caju tem lugar cativo na mesa dos pernambucanos. Sucos, doces, e até festa popular com o nome do fruto é possível encontrar. Crônicas dos primeiros colonizadores da costa brasileira contam que, na época da frutificação dos cajueiros, povos indígenas do interior vinham ao litoral, território dos tupinambás e tupiniquins, e com eles travavam guerras pela colheita dos frutos: eram as "guerras do acayu". Durante o domínio holandês no Nordeste do Brasil, diversos autores ressaltaram o valor da fruta do cajueiro, especialmente suas virtudes terapêuticas. Maurício de Nassau chegou a baixar uma resolução que fixava a multa de cem florins por cajueiro derrubado. Uma curiosidade, o caju é um pseudofruto, o fruto verdadeiro é a castanha. São muitas histórias!!! Vai um caju, aí?
terça-feira, 29 de outubro de 2019
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
O rei cangaceiro e a princesa dos Tabuleiros
Lampião em Capela, SE
Por José Bezerra Lima Irmão
Lampião esteve em Capela (SE) duas vezes. A primeira foi em novembro de 1929. A visita foi pacífica. A segunda foi em outubro de 1930, e aí o pau comeu, e ele desistiu de entrar na cidade. Transcrevo, a seguir, trechos do meu livro Lampião – a Raposa das Caatingas, em que faço a descrição desses episódios.
Lampião ia encontrar-se com Eronides de Carvalho, oficial do Exército que viria a ser governador de Sergipe. Primeira passagem por Dores Refeito daquela provação, Lampião desceu para Sergipe, passando novamente por Carira na manhã do dia 24 de novembro de 1929, um domingo. Demorou algumas horas no povoado, fez compras nas bodegas de Zé Martins e Balbino e rompeu na direção da Cotinguiba.
Na tarde da segunda-feira, dia 25, acompanhado de 14 cangaceiros, o Capitão Virgulino chegou a Nossa Senhora das Dores, dirigindo-se diretamente à delegacia de polícia. O delegado recebeu pacificamente os visitantes. Lampião mandou cortar o fio do telégrafo, para evitar que fossem alertadas as autoridades de outras localidades. Mandou avisar ao povo que tivesse calma, pois não faria mal a ninguém.
Pediu ao intendente (prefeito), Manoel Leônidas do Bonfim, que fizesse uma coleta de dinheiro com os moradores ricos da cidade. O delegado ajudou o intendente a fazer a arrecadação. Conseguiram juntar quatro contos e quinhentos mil-réis. Os cangaceiros deram uma volta pela cidade, respeitosamente, fizeram compras, comeram, beberam, pagando tudo. Circulou o boato de que Lampião ia pernoitar em Dores e pretendia promover um baile. Os pais de família ficaram alarmados. O escrivão, conceituado cidadão chamado Petronílio de Menezes Cotias, temendo por suas cinco filhas jovens, foi falar pessoalmente com o Capitão Virgulino.
O cangaceiro tranquilizou-o:
– Nun se avexe não, seu Cutia... Cuma eu já diche pro delegado, ninguém pricisa se preocupá cum nada. Tou aqui de passage. Vim a Segipe foi pra fazê amigos.
Ao anoitecer, tomou emprestados 4 automóveis e rumou para Capela, distante cerca de 3 léguas. Lampião viajou na fubica do comerciante e industrial Otacílio Menezes – dirigida pelo próprio Otacílio. No caminho, foram conversando prazenteiramente, como velhos conhecidos. No banco traseiro iam Ezequiel e Virgínio, sempre atentos. Lampião visita Capela, a Princesa dos Tabuleiros Já chegando a Capela, num sítio denominado Sobradinho, de seu Xixiu, Lampião mandou parar o automóvel e enviou Otacílio à cidade para avisar ao intendente que queria conversar com ele. O intendente, Antão Correia de Andrade, recebeu o recado por volta das 7 horas da noite. Consultou o delegado, para saber se era possível resistir.
O delegado foi claro:
– Tá doido, Correinha?! Nem me fale uma coisa dessa! Eu só tou cum um cabo e três sordado, purque os outo foro cum o tenente Elesbão procurá uns bandido no sertão. Além disso, esses sordado nun sabe brigá, só serve pra prendê e dá pisa im cabra safado...
– Tá bem – concordou o intendente. – Já qui nun tenho cumo dexá de atendê o pidido do Home, vou buscá-lo. Dê orde pra qui os sordado nun se meta.
Não foi preciso dar a ordem, pois a essa altura o destacamento já tinha dado no pé. Uma hora depois, o Capitão Virgulino Ferreira, com o intendente à sua esquerda e tendo atrás de si sua estranha comitiva, entrou tranquilamente na cidade. Por onde passava, acenava para o povo, assegurando que não iria fazer mal a ninguém:
– É Lampião qui tá chegano... Amano, gozano e quereno bem...
Na Esquina do Padre, onde ficava a casa paroquial, os cangaceiros dividiram-se em dois grupos: uns foram com Arvoredo montar guarda no posto do telefone na Rua Pé de Banco e os outros acompanharam Lampião, que pediu ao intendente para levá-lo à agência do telégrafo. Como o telegrafista tinha ido ao cinema, Lampião deixou um cabra vigiando a agência e foi procurar o operador do telégrafo no Cine-Teatro Capela.
Naquela época os filmes eram “mudos”, e por isso durante a exibição alguns músicos tocavam modinhas para entreter a assistência. Em Capela a orquestra era um piano, uma rabeca e uma sanfona. Ouvia-se a valsa Abismo de Rosas. Quando os cangaceiros entraram no cinema, houve um rebuliço medonho. Os músicos pararam de tocar. As luzes acenderam-se. Interrompeu-se a projeção do filme. O cangaceiro Virgínio, vulgo Moderno, cunhado de Lampião, mandou que todos ficassem quietos, avisando que ninguém podia sair. Algumas pessoas conseguiram escapulir, entre elas o juiz, Dr. Otávio Teles de Almeida, que, esgueirando-se de quatro pés entre as cadeiras, alcançou uma portinhola que havia por detrás da tela, pulou o muro do cinema e foi se esconder no convento das freiras. Depois que foi localizado o telegrafista, Lampião mandou que apagassem as luzes e continuassem a passar a fita.
O filme era O Anjo das Ruas. Lampião não viu graça nenhuma naquilo e saiu do cinema. Preferia tratar de negócios. Lá fora, chamou Moderno e mandou que fosse procurar o delegado de polícia. Perguntou ao telegrafista: – Cuma é o seu nome, cabrinha? – Zózimo Lima – respondeu o rapaz.
– Quero falá ũas coisa cum você, Zosmo. Cunvessa de home pra home. Venha cá. Afastou-se para o lado, e por algum tempo conversou a sós com o telegrafista. Zózimo Lima nunca revelou o que Lampião queria. Apenas contava que Lampião lhe recomendou que não desse notícia dele. Essa explicação não convence, pois se fosse para isso não precisava falar reservadamente.
É provável que Lampião tenha pedido a Zózimo a relação dos homens ricos de Capela. Daí a pouco, Moderno retornou com o delegado, major Pedro Rocha, um homem de mais de 80 anos, remanescente da Guarda Nacional. Estava um pouco trêmulo, mas esforçava-se para se manter altivo. Lampião, respeitosamente, apertou a mão dele, tranquilizando-o:
– Fique sem sobrosso, colega. Nun vai tê arteração. O respeitável major engoliu em seco. Nunca lhe passara pela cabeça ser “colega” de um cangaceiro.
Lampião chamou o intendente: – Seu Antão, tou sabeno qui o sinhô é irmão do chefe de puliça de Segipe.
O intendente confirmou:
– É verdade, Capitão. Sou irmão do chefe de polícia estadual, Dr. Heribaldo Dantas Vieira.
– Será qui eu posso falá cum ele no telefone?
– Se o sinhô qué... – concordou o intendente.
Foram ao posto telefônico, que continuava sob a vigilância de Arvoredo. Lampião não conseguiu telefonar para o chefe de polícia porque a ligação para Aracaju dependia de conexões com postos telefônicos de outras cidades, que àquela hora já tinham encerrado os trabalhos.
Mesmo assim, Lampião deu 50 mil-réis de gorjeta à telefonista, dona Emília Sousa, e fez um pedido: – Me faça um favô, moça: amanhã, telefone pro Doutô Heribardo Viera e diga qui eu nun tenho nada contra ele, quiria falá cum ele só pra dizê qui me trate bem, cumo tou tratano o irmão dele. Sabendo que estava para chegar um trem procedente da capital, Lampião foi à estação ferroviária, na Rua São Pedro, aguardar a chegada do comboio. Por precaução, levou também o intendente, o delegado e o telegrafista. Não custou muito, ouviu-se o apito da locomotiva.
Quando o trem parou, soltando uma fumaça espessa que enegreceu tudo, alguns passageiros começaram a descer, sendo imediatamente abordados pelos cangaceiros. Outros, percebendo o que estava acontecendo, entraram em desespero e começaram a pular pelas janelas, do outro lado da plataforma, num desvario indescritível. Um dos que desembarcaram normalmente era um soldado chamado Gilberto Santos. Lampião segurou-o pela túnica, arrebatou-lhe o fuzil e perguntou:
– Macaco, você é de onde? Baiano ou segipano?
– Sou de Araca...caju... – respondeu o soldado, tremendo.
– Tu é de sorte, visse? Se tu fosse da puliça da Bahia eu ia tirar o teu couro agora mermo, cê nun ia dá nem um pio!
Examinou o fuzil do soldado com ares de entendido, tirou as balas e devolveu-lhe a arma, dizendo:
– Home, esse fuzi seu é mais véio do qui a Lua... Andá cum isso aí é o mermo qui andá cum um cacete... Vá simbora.
O soldado ia saindo, quando Lampião o chamou de volta:
– Você, assim cum essa farda, pode se incontrá cum meus minino e vão querê fazê argũa brincadera. – Chamou um cangaceiro e ordenou:
– Acumpãe esse macaco até o quarté.
Os cangaceiros tinham prendido o chefe da estação. Virgulino ordenou que lhe fosse entregue a renda. Conforme fazia nas localidades por onde andava, o Capitão avisou ao intendente que ele devia conseguir alguma contribuição dos homens ricos da cidade. Pediu inicialmente 20 contos de réis. Em face das ponderações do intendente, que explicou estar a região atravessando três anos de seca, sendo difícil juntar tanto dinheiro, Lampião reduziu a exigência para 6 contos, dizendo que sabia o que representam as secas, pois era filho do sertão de Pernambuco.
O próprio delegado de polícia, Pedro Rocha, foi encarregado de fazer a coleta entre os moradores de maiores posses. Quando o delegado chegou com o dinheiro arrecadado – só conseguira 5 contos –, Lampião mandou que fosse entregue a Moderno. O cangaceiro contou as notas por alto e meteu o pacote no bornal. Depois dos negócios, era chegada a hora de se divertir. Sempre acompanhado do telegrafista, por recear que ele tivesse algum meio de se comunicar com outras localidades, apesar do adiantado da hora, Lampião deu um giro pela cidade. Pediu que abrissem algumas lojas, pois os meninos queriam fazer compras. E de fato os cangaceiros compraram muitas coisas, inclusive joias, nas casas dos ourives Alfredo Assis e Euclides Silva.
Na Casa Stella, estabelecimento comercial de Jackson Alves de Carvalho, na Praça do Mercado, Lampião viu uma capa de chuva de gabardina e um parabelo. O parabelo era de uso pessoal do comerciante. A capa de borracha, também – o avô de Jackson criara um rapaz que se tornou suboficial da Marinha, e a capa era um presente que Jackson recebera do “tio”.
Lampião disse que ia levar a capa e o parabelo. Perguntou quanto devia. – Nada não, Capitão, eu... – Não sinhô, seu Jaque – contrapôs o cangaceiro –, a um home de sua marca nun se dá prijuízo. – Meteu a mão no bolso, tirou 500 mil-réis: – Tou lhe pagano. O comerciante, em agradecimento, presenteou o cangaceiro com um livrinho intitulado Vida de Jesus, da escritora adventista norte-americana Ellen G. White, apondo na folha de rosto a seguinte dedicatória: “Ao intrépido forasteiro Capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, com um abraço de Jackson Alves de Carvalho. Capela, 25 de novembro de 1929”.
Noutra loja, Lampião comprou uma lanterna de pilhas. Pagou sem pechinchar. Do mesmo modo que acontecera em Carira e meu ip Poço Redondo, passado o susto inicial, aos poucos foi-se espalhando a notícia de que não havia perigo, Lampião não ofendia ninguém. Então muita gente foi chegando para ver de perto o Rei do Cangaço. Por onde Lampião e seus cabras passavam eram acompanhados por muitos moradores da cidade. Custava acreditar que aqueles eram os tão temidos cangaceiros de tantas histórias tenebrosas que corriam de boca em boca nos sertões. Na parede do salão de sinuca de Manoel Pestinha, na Praça do Mercado, Lampião escreveu com o bastonete de giz de marcar os pontos do jogo:
Até o vigário de Capela, cônego José da Mota Cabral, conhecido como Padre Juca, veio falar com Lampião. Alguns cangaceiros pediram-lhe a bênção. O padre aconselhou-os a deixar a vida de crime. Lampião pediu ao telegrafista para levá-lo a uma pensão, pois os meninos estavam com fome. O telegrafista levou-os à Pensão Comercial, de dona Irinéia, uma senhora gorda, baixa, conversadeira. Enquanto preparava a comida, dona Irinéia não calava a boca: – Ói, seu Capitão, eu tenho galinha, frango, porco, carne de porco, galinha, frango, porco... Lampião impacientou-se: – Mĩa sinhora, se acalme!... Desse jeito vai até passá a mĩa fome!... Foi o telegrafista quem provou a comida antes que o grupo se servisse, pois Lampião receava que pusessem veneno nos alimentos. Não satisfeito com essa precaução, o cangaceiro mergulhou uma colher de prata na comida, meio que considerava seguro para detectar a presença de veneno.
Depois do jantar, os cangaceiros passaram perfume no corpo e foram passear de automóvel. Por volta da meia-noite, dirigiram-se para o cabaré, que chamavam de “distrito”, na Rua Coelho Campos, e ali foram se revezando: enquanto uns montavam guarda, os outros se divertiam com as mulheres. Lampião levou para o quarto uma mulata chamada Enedina. Ela quis ajudá-lo a despir-se. Lampião disse: – Nun pegue im nada. O cangaceiro encostou o fuzil na parede, e logo estava pronto para a função – de roupa e tudo, não tirou nem as alpercatas. Durante o procedimento, Moderno ficou na esquina, a uns 10 metros, e Arvoredo foi vigiar o fundo da casa. Enedina gostou do chamego. Perguntou: – O sinhô tem mulé? – Não – respondeu Virgulino. – Home qui veve nesta vida nun pode tê pensão. Enedina ficou rica – ganhou 70 mil-réis! Às 3 horas da madrugada, Lampião soprou o apito para reunir o grupo.
Os cangaceiros entraram nos automóveis que tinham sido requisitados em Dores. Lampião apertou a mão do intendente, acenou para o delegado e os demais, e disse: – Adeus! Nun aperto a mão de todos pra nun gastá... Satisfeito com o próprio gracejo, entrou no carro. O intendente não acreditava que estivesse livre do problema. Na fazenda Pedras, Lampião mandou parar os veículos. Despediu-se de Otacílio: – Vamo ficá aqui, seu Otacilo. Tou ino pra Aquidabã. Até mais vê, e munto obrigado. Quando os automóveis se foram, o bando tomou o rumo de Canhoba. No dia seguinte, o chefe de polícia de Sergipe fez seguir para Capela em trem especial um contingente de 50 praças sob o comando do coronel Severino Gonçalves.
A segunda passagem Tiroteio em Capela
Lampião sentia-se tapeado pelos sergipanos. Até então, em suas incursões por Sergipe ele se limitara a pedir dinheiro, montarias e certos favores. Não permitia que seus homens maltratassem ninguém.
Na primeira vez em que esteve em Capela, foi recebido pelo prefeito (intendente), conversou com o padre, teve até tempo de namorar certa criatura, mas foi só dar as costas todo mundo virou valentão. Nos jornais ele era chamado de tudo o que havia de ruim. Estava disposto a dar uma lição naquela terrinha de gente ingrata. No início da tarde do dia 15 de outubro de 1930, o bando passou pelo povoado Outeiro, onde o fazendeiro Alvino Ferreira e sua família foram submetidos a maus-tratos, sendo por fim incendiado o seu paiol de algodão. Por volta das 3 horas, Lampião chegou à fazenda de Félix da Mota Cabral, nos arredores de Capela. O fazendeiro era irmão do vigário, José da Mota Cabral (Padre Juca). No momento, Félix Cabral estava vendendo gado a uns marchantes. Os cangaceiros apoderaram-se dos cavalos dos marchantes.
Dali, parte do bando seguiu para a fazenda Lavagem, e Lampião desviou-se com os demais para o engenho Tabocal, de seu Ioiô, levando Félix como guia. Os cangaceiros submeteram os moradores a vexames, tomaram dinheiro de quem tinha, aplicaram bolos de palmatória em uma garota. A mocinha apegou-se a Félix Cabral: – Seu Félis, pur Nossa Sinhora, nun dexe esse home me batê!... Seu Félix disse: – Mĩa fia, eu nun posso fazê nada... eu tamém tou preso... As cenas de maus-tratos repetiram-se na fazenda Pedras, do velho José Cabral. No caminho, os cangaceiros capturaram Jucundino Calasans, do engenho Recurso, e levaram-no como refém, juntamente com José Xavier de Andrade e Renato Sousa. Lampião tomou emprestado um automóvel e rumou para a cidade, com a cabroeira atrás, a cavalo. Pretendia entrar em Capela em grande estilo, como da vez anterior.
Chegando perto, na localidade Lá Vem Um, mandou parar o veículo, a fim de esperar os cangaceiros, e despachou um mensageiro, com a incumbência de informar às autoridades sua intenção de entrar pacificamente na cidade. Mandou dizer que estava com 50 homens – na verdade eram somente 18.
Os moradores entraram em pânico. Tinha-se notícia do que acontecera em Queimadas, logo após a passagem do bando por Capela no ano anterior. Encontravam-se em Capela uns soldados vindos de Vila Nova (atual Neópolis), em diligência relacionada com a Revolução de Outubro. Em Sergipe, a “revolução” era uma coisa mais ou menos fictícia, pois, a rigor, ninguém sabia do que se tratava, e não havia luta, apenas perseguição a adversários. O sossego da tropa acabou quando estourou a notícia de que Lampião estava para chegar. Apesar do apelo da população, o comandante contrapôs que estava ali para reprimir revoltosos, e não para lutar com cangaceiros. Num abrir e fechar de olhos, os milicos sumiram. Dois soldados do destacamento local estavam na casa do médico Odilon Machado.
Encorajados pelo major Honorino Leal e por um viajante comercial que estava de passagem por Capela, chamado Josias Mota, que dizia ser aposentado da Marinha, os soldados disseram que estavam dispostos a impedir a entrada dos cangaceiros, desde que contassem com o apoio dos civis. Josias e o major mandaram chamar todos os homens que tivessem armas em casa. Despacharam de volta o mensageiro: podia dizer a Lampião que se quisesse entrar, entrasse, mas seria recebido à bala. Lampião não se mostrou surpreso com a resposta e apenas disse: – Ah, entonce, se é assim qui quere... Félix Cabral, temendo o pior, prontificou-se a ir conversar com o intendente, com o delegado, com o padre. – Coroné, o sinhô vai mais nun vorta... – desconfiou Virgulino.
– Sou home de palava, Capitão! – respondeu Félix. – Se lhe digo qui vou e vorto, vou e vorto! – Apois vá. Mais fique sabeno, coroné: se o sinhô nun vortá, eu vou nas suas fazenda, mato seu gado e toco fogo nas suas cana, arraso tudo!... Félix Cabral montou no burro e foi à cidade. Quando começou a expor suas razões, Josias Mota nem quis ouvir o resto: – Seu Félix, o sinhô mi discurpe, mais o sinhô tá preso. Nun sabe qui é crime sê coitero? Félix se exaltou: – Eu, preso?! Quem você pensa qui é?! Vim só dá um recado, e já qui nun quere acordo, vou vortá e dizê a resposta!... – Ah, nun vai não... – Vou, eu dei mĩa palava qui vortava, e vou cumpri! – Cum bandido ninguém sustenta palava, seu Félix!
Enquanto isso, os boatos corriam soltos na cidade – o coronel Félix Cabral estava preso! Era coiteiro! Amigo de Lampião de longa data! Lampião ia invadir a cidade para soltar o amigo! Capela ia pegar fogo! O mundo ia se acabar! Àquela época era raro o homem que não tivesse uma arma. Todo fazendeiro tinha um ou vários rifles, revólveres, garruchas. Os pobres tinham pelo menos uma espingarda de caça. Naquele momento terrível, com a notícia de que a cidade estava cercada pelos cangaceiros, o medo virou coragem, até as mulheres se armaram. Josias Mota organizou a defesa. Pôs atiradores nos telhados e até na torre da igreja de Nossa Senhora da Purificação.
Enquanto esperavam a volta de Félix Cabral, os cangaceiros esvaziaram o estoque de bebidas de uma bodega no Lá Vem Um. Como desconfiassem de veneno nas bebidas, o dono do boteco era obrigado a beber primeiro sempre que abria uma nova garrafa. Resultado: foi o primeiro a ficar bêbado.
E nada de Félix voltar. Lampião decidiu:
– Nóis vamo dá uns tiro, qui é pra eles nun dizê qui nóis saiu sem brigá, cum medo. Volta Seca e Pretão ficaram tomando conta dos cavalos e do automóvel, e os demais se dirigiram à cidade. Quando os cangaceiros apontaram, estourou a fuzilaria. Além dos tiros vindos da cidade, vinham também tiros da retaguarda, como se os moradores pretendessem cercar o bando. Atiravam até da torre da igreja.
Os cangaceiros espalharam-se em quatro grupos e começaram a atirar também. Seus alvos principais eram o fundo da casa de Antão Correia e o oitão da casa do médico Odilon Machado. Uma bala entrou ninguém sabe por onde e furou o piano, que Odilon tinha comprado por uma fortuna. Os reféns aproveitaram o pandemônio e fugiram. Já estava anoitecendo, e Lampião percebeu que aquele ataque não fazia sentido.
Dois cangaceiros estavam feridos: Gato e Beija-Flor. Para completar a confusão, os cangaceiros que tinham ficado na retaguarda tomando conta dos animais não reconheceram os companheiros e abriram fogo contra eles, sendo preciso pôr os chapéus na boca dos fuzis e levantá-los acima das ramagens para serem identificados. Os moradores ouviram um apito, e num segundo os cangaceiros sumiram.
Custava acreditar que o pesadelo havia passado. Adroaldo Campos (Dudu da Capela), o rábula da cidade, que andava de muletas por ser aleijado, pegou a corda do badalo do sino e anunciou as Ave-Marias. Nunca o povo de Capela agradeceu com tanto fervor o amparo de Nossa Senhora da Purificação."
Imagens pescadas no acervo de Junior Gomes - Sergipe em Fotos
Por José Bezerra Lima Irmão
Lampião esteve em Capela (SE) duas vezes. A primeira foi em novembro de 1929. A visita foi pacífica. A segunda foi em outubro de 1930, e aí o pau comeu, e ele desistiu de entrar na cidade. Transcrevo, a seguir, trechos do meu livro Lampião – a Raposa das Caatingas, em que faço a descrição desses episódios.
Lampião ia encontrar-se com Eronides de Carvalho, oficial do Exército que viria a ser governador de Sergipe. Primeira passagem por Dores Refeito daquela provação, Lampião desceu para Sergipe, passando novamente por Carira na manhã do dia 24 de novembro de 1929, um domingo. Demorou algumas horas no povoado, fez compras nas bodegas de Zé Martins e Balbino e rompeu na direção da Cotinguiba.
Na tarde da segunda-feira, dia 25, acompanhado de 14 cangaceiros, o Capitão Virgulino chegou a Nossa Senhora das Dores, dirigindo-se diretamente à delegacia de polícia. O delegado recebeu pacificamente os visitantes. Lampião mandou cortar o fio do telégrafo, para evitar que fossem alertadas as autoridades de outras localidades. Mandou avisar ao povo que tivesse calma, pois não faria mal a ninguém.
Pediu ao intendente (prefeito), Manoel Leônidas do Bonfim, que fizesse uma coleta de dinheiro com os moradores ricos da cidade. O delegado ajudou o intendente a fazer a arrecadação. Conseguiram juntar quatro contos e quinhentos mil-réis. Os cangaceiros deram uma volta pela cidade, respeitosamente, fizeram compras, comeram, beberam, pagando tudo. Circulou o boato de que Lampião ia pernoitar em Dores e pretendia promover um baile. Os pais de família ficaram alarmados. O escrivão, conceituado cidadão chamado Petronílio de Menezes Cotias, temendo por suas cinco filhas jovens, foi falar pessoalmente com o Capitão Virgulino.
O cangaceiro tranquilizou-o:
– Nun se avexe não, seu Cutia... Cuma eu já diche pro delegado, ninguém pricisa se preocupá cum nada. Tou aqui de passage. Vim a Segipe foi pra fazê amigos.
Ao anoitecer, tomou emprestados 4 automóveis e rumou para Capela, distante cerca de 3 léguas. Lampião viajou na fubica do comerciante e industrial Otacílio Menezes – dirigida pelo próprio Otacílio. No caminho, foram conversando prazenteiramente, como velhos conhecidos. No banco traseiro iam Ezequiel e Virgínio, sempre atentos. Lampião visita Capela, a Princesa dos Tabuleiros Já chegando a Capela, num sítio denominado Sobradinho, de seu Xixiu, Lampião mandou parar o automóvel e enviou Otacílio à cidade para avisar ao intendente que queria conversar com ele. O intendente, Antão Correia de Andrade, recebeu o recado por volta das 7 horas da noite. Consultou o delegado, para saber se era possível resistir.
O delegado foi claro:
– Tá doido, Correinha?! Nem me fale uma coisa dessa! Eu só tou cum um cabo e três sordado, purque os outo foro cum o tenente Elesbão procurá uns bandido no sertão. Além disso, esses sordado nun sabe brigá, só serve pra prendê e dá pisa im cabra safado...
– Tá bem – concordou o intendente. – Já qui nun tenho cumo dexá de atendê o pidido do Home, vou buscá-lo. Dê orde pra qui os sordado nun se meta.
Não foi preciso dar a ordem, pois a essa altura o destacamento já tinha dado no pé. Uma hora depois, o Capitão Virgulino Ferreira, com o intendente à sua esquerda e tendo atrás de si sua estranha comitiva, entrou tranquilamente na cidade. Por onde passava, acenava para o povo, assegurando que não iria fazer mal a ninguém:
– É Lampião qui tá chegano... Amano, gozano e quereno bem...
Na Esquina do Padre, onde ficava a casa paroquial, os cangaceiros dividiram-se em dois grupos: uns foram com Arvoredo montar guarda no posto do telefone na Rua Pé de Banco e os outros acompanharam Lampião, que pediu ao intendente para levá-lo à agência do telégrafo. Como o telegrafista tinha ido ao cinema, Lampião deixou um cabra vigiando a agência e foi procurar o operador do telégrafo no Cine-Teatro Capela.
Cine-Teatro Capela
Naquela época os filmes eram “mudos”, e por isso durante a exibição alguns músicos tocavam modinhas para entreter a assistência. Em Capela a orquestra era um piano, uma rabeca e uma sanfona. Ouvia-se a valsa Abismo de Rosas. Quando os cangaceiros entraram no cinema, houve um rebuliço medonho. Os músicos pararam de tocar. As luzes acenderam-se. Interrompeu-se a projeção do filme. O cangaceiro Virgínio, vulgo Moderno, cunhado de Lampião, mandou que todos ficassem quietos, avisando que ninguém podia sair. Algumas pessoas conseguiram escapulir, entre elas o juiz, Dr. Otávio Teles de Almeida, que, esgueirando-se de quatro pés entre as cadeiras, alcançou uma portinhola que havia por detrás da tela, pulou o muro do cinema e foi se esconder no convento das freiras. Depois que foi localizado o telegrafista, Lampião mandou que apagassem as luzes e continuassem a passar a fita.
O filme era O Anjo das Ruas. Lampião não viu graça nenhuma naquilo e saiu do cinema. Preferia tratar de negócios. Lá fora, chamou Moderno e mandou que fosse procurar o delegado de polícia. Perguntou ao telegrafista: – Cuma é o seu nome, cabrinha? – Zózimo Lima – respondeu o rapaz.
– Quero falá ũas coisa cum você, Zosmo. Cunvessa de home pra home. Venha cá. Afastou-se para o lado, e por algum tempo conversou a sós com o telegrafista. Zózimo Lima nunca revelou o que Lampião queria. Apenas contava que Lampião lhe recomendou que não desse notícia dele. Essa explicação não convence, pois se fosse para isso não precisava falar reservadamente.
É provável que Lampião tenha pedido a Zózimo a relação dos homens ricos de Capela. Daí a pouco, Moderno retornou com o delegado, major Pedro Rocha, um homem de mais de 80 anos, remanescente da Guarda Nacional. Estava um pouco trêmulo, mas esforçava-se para se manter altivo. Lampião, respeitosamente, apertou a mão dele, tranquilizando-o:
– Fique sem sobrosso, colega. Nun vai tê arteração. O respeitável major engoliu em seco. Nunca lhe passara pela cabeça ser “colega” de um cangaceiro.
Lampião chamou o intendente: – Seu Antão, tou sabeno qui o sinhô é irmão do chefe de puliça de Segipe.
O intendente confirmou:
– É verdade, Capitão. Sou irmão do chefe de polícia estadual, Dr. Heribaldo Dantas Vieira.
– Será qui eu posso falá cum ele no telefone?
– Se o sinhô qué... – concordou o intendente.
Foram ao posto telefônico, que continuava sob a vigilância de Arvoredo. Lampião não conseguiu telefonar para o chefe de polícia porque a ligação para Aracaju dependia de conexões com postos telefônicos de outras cidades, que àquela hora já tinham encerrado os trabalhos.
Mesmo assim, Lampião deu 50 mil-réis de gorjeta à telefonista, dona Emília Sousa, e fez um pedido: – Me faça um favô, moça: amanhã, telefone pro Doutô Heribardo Viera e diga qui eu nun tenho nada contra ele, quiria falá cum ele só pra dizê qui me trate bem, cumo tou tratano o irmão dele. Sabendo que estava para chegar um trem procedente da capital, Lampião foi à estação ferroviária, na Rua São Pedro, aguardar a chegada do comboio. Por precaução, levou também o intendente, o delegado e o telegrafista. Não custou muito, ouviu-se o apito da locomotiva.
Quando o trem parou, soltando uma fumaça espessa que enegreceu tudo, alguns passageiros começaram a descer, sendo imediatamente abordados pelos cangaceiros. Outros, percebendo o que estava acontecendo, entraram em desespero e começaram a pular pelas janelas, do outro lado da plataforma, num desvario indescritível. Um dos que desembarcaram normalmente era um soldado chamado Gilberto Santos. Lampião segurou-o pela túnica, arrebatou-lhe o fuzil e perguntou:
– Macaco, você é de onde? Baiano ou segipano?
– Sou de Araca...caju... – respondeu o soldado, tremendo.
– Tu é de sorte, visse? Se tu fosse da puliça da Bahia eu ia tirar o teu couro agora mermo, cê nun ia dá nem um pio!
Examinou o fuzil do soldado com ares de entendido, tirou as balas e devolveu-lhe a arma, dizendo:
– Home, esse fuzi seu é mais véio do qui a Lua... Andá cum isso aí é o mermo qui andá cum um cacete... Vá simbora.
O soldado ia saindo, quando Lampião o chamou de volta:
– Você, assim cum essa farda, pode se incontrá cum meus minino e vão querê fazê argũa brincadera. – Chamou um cangaceiro e ordenou:
– Acumpãe esse macaco até o quarté.
Os cangaceiros tinham prendido o chefe da estação. Virgulino ordenou que lhe fosse entregue a renda. Conforme fazia nas localidades por onde andava, o Capitão avisou ao intendente que ele devia conseguir alguma contribuição dos homens ricos da cidade. Pediu inicialmente 20 contos de réis. Em face das ponderações do intendente, que explicou estar a região atravessando três anos de seca, sendo difícil juntar tanto dinheiro, Lampião reduziu a exigência para 6 contos, dizendo que sabia o que representam as secas, pois era filho do sertão de Pernambuco.
O próprio delegado de polícia, Pedro Rocha, foi encarregado de fazer a coleta entre os moradores de maiores posses. Quando o delegado chegou com o dinheiro arrecadado – só conseguira 5 contos –, Lampião mandou que fosse entregue a Moderno. O cangaceiro contou as notas por alto e meteu o pacote no bornal. Depois dos negócios, era chegada a hora de se divertir. Sempre acompanhado do telegrafista, por recear que ele tivesse algum meio de se comunicar com outras localidades, apesar do adiantado da hora, Lampião deu um giro pela cidade. Pediu que abrissem algumas lojas, pois os meninos queriam fazer compras. E de fato os cangaceiros compraram muitas coisas, inclusive joias, nas casas dos ourives Alfredo Assis e Euclides Silva.
Na Casa Stella, estabelecimento comercial de Jackson Alves de Carvalho, na Praça do Mercado, Lampião viu uma capa de chuva de gabardina e um parabelo. O parabelo era de uso pessoal do comerciante. A capa de borracha, também – o avô de Jackson criara um rapaz que se tornou suboficial da Marinha, e a capa era um presente que Jackson recebera do “tio”.
Lampião disse que ia levar a capa e o parabelo. Perguntou quanto devia. – Nada não, Capitão, eu... – Não sinhô, seu Jaque – contrapôs o cangaceiro –, a um home de sua marca nun se dá prijuízo. – Meteu a mão no bolso, tirou 500 mil-réis: – Tou lhe pagano. O comerciante, em agradecimento, presenteou o cangaceiro com um livrinho intitulado Vida de Jesus, da escritora adventista norte-americana Ellen G. White, apondo na folha de rosto a seguinte dedicatória: “Ao intrépido forasteiro Capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, com um abraço de Jackson Alves de Carvalho. Capela, 25 de novembro de 1929”.
Noutra loja, Lampião comprou uma lanterna de pilhas. Pagou sem pechinchar. Do mesmo modo que acontecera em Carira e meu ip Poço Redondo, passado o susto inicial, aos poucos foi-se espalhando a notícia de que não havia perigo, Lampião não ofendia ninguém. Então muita gente foi chegando para ver de perto o Rei do Cangaço. Por onde Lampião e seus cabras passavam eram acompanhados por muitos moradores da cidade. Custava acreditar que aqueles eram os tão temidos cangaceiros de tantas histórias tenebrosas que corriam de boca em boca nos sertões. Na parede do salão de sinuca de Manoel Pestinha, na Praça do Mercado, Lampião escreveu com o bastonete de giz de marcar os pontos do jogo:
“Capela – 25-11-29 Salvi Eu capm. Virgulino Ferreira Lampeão Deixo Esta Lça. para o officiá qui aqui parçar em minha priciguição, apois tenho gosto que Voceis me prisigam. Discurpe as letra qui sou um bandido cumo voceis me chama pois eu não mereço. Bandido e voceis que andam robando e deflorando as famia aleia porem eu não tenho este custume todos me desculpe a gente a quem me odiar. Aceite Lça. do meu irmão Ezequiel Vurgo Ponto Fino e de meu cunhado Virginio Vurgo Moderno.”
Até o vigário de Capela, cônego José da Mota Cabral, conhecido como Padre Juca, veio falar com Lampião. Alguns cangaceiros pediram-lhe a bênção. O padre aconselhou-os a deixar a vida de crime. Lampião pediu ao telegrafista para levá-lo a uma pensão, pois os meninos estavam com fome. O telegrafista levou-os à Pensão Comercial, de dona Irinéia, uma senhora gorda, baixa, conversadeira. Enquanto preparava a comida, dona Irinéia não calava a boca: – Ói, seu Capitão, eu tenho galinha, frango, porco, carne de porco, galinha, frango, porco... Lampião impacientou-se: – Mĩa sinhora, se acalme!... Desse jeito vai até passá a mĩa fome!... Foi o telegrafista quem provou a comida antes que o grupo se servisse, pois Lampião receava que pusessem veneno nos alimentos. Não satisfeito com essa precaução, o cangaceiro mergulhou uma colher de prata na comida, meio que considerava seguro para detectar a presença de veneno.
Depois do jantar, os cangaceiros passaram perfume no corpo e foram passear de automóvel. Por volta da meia-noite, dirigiram-se para o cabaré, que chamavam de “distrito”, na Rua Coelho Campos, e ali foram se revezando: enquanto uns montavam guarda, os outros se divertiam com as mulheres. Lampião levou para o quarto uma mulata chamada Enedina. Ela quis ajudá-lo a despir-se. Lampião disse: – Nun pegue im nada. O cangaceiro encostou o fuzil na parede, e logo estava pronto para a função – de roupa e tudo, não tirou nem as alpercatas. Durante o procedimento, Moderno ficou na esquina, a uns 10 metros, e Arvoredo foi vigiar o fundo da casa. Enedina gostou do chamego. Perguntou: – O sinhô tem mulé? – Não – respondeu Virgulino. – Home qui veve nesta vida nun pode tê pensão. Enedina ficou rica – ganhou 70 mil-réis! Às 3 horas da madrugada, Lampião soprou o apito para reunir o grupo.
Os cangaceiros entraram nos automóveis que tinham sido requisitados em Dores. Lampião apertou a mão do intendente, acenou para o delegado e os demais, e disse: – Adeus! Nun aperto a mão de todos pra nun gastá... Satisfeito com o próprio gracejo, entrou no carro. O intendente não acreditava que estivesse livre do problema. Na fazenda Pedras, Lampião mandou parar os veículos. Despediu-se de Otacílio: – Vamo ficá aqui, seu Otacilo. Tou ino pra Aquidabã. Até mais vê, e munto obrigado. Quando os automóveis se foram, o bando tomou o rumo de Canhoba. No dia seguinte, o chefe de polícia de Sergipe fez seguir para Capela em trem especial um contingente de 50 praças sob o comando do coronel Severino Gonçalves.
A segunda passagem Tiroteio em Capela
Lampião sentia-se tapeado pelos sergipanos. Até então, em suas incursões por Sergipe ele se limitara a pedir dinheiro, montarias e certos favores. Não permitia que seus homens maltratassem ninguém.
Na primeira vez em que esteve em Capela, foi recebido pelo prefeito (intendente), conversou com o padre, teve até tempo de namorar certa criatura, mas foi só dar as costas todo mundo virou valentão. Nos jornais ele era chamado de tudo o que havia de ruim. Estava disposto a dar uma lição naquela terrinha de gente ingrata. No início da tarde do dia 15 de outubro de 1930, o bando passou pelo povoado Outeiro, onde o fazendeiro Alvino Ferreira e sua família foram submetidos a maus-tratos, sendo por fim incendiado o seu paiol de algodão. Por volta das 3 horas, Lampião chegou à fazenda de Félix da Mota Cabral, nos arredores de Capela. O fazendeiro era irmão do vigário, José da Mota Cabral (Padre Juca). No momento, Félix Cabral estava vendendo gado a uns marchantes. Os cangaceiros apoderaram-se dos cavalos dos marchantes.
Dali, parte do bando seguiu para a fazenda Lavagem, e Lampião desviou-se com os demais para o engenho Tabocal, de seu Ioiô, levando Félix como guia. Os cangaceiros submeteram os moradores a vexames, tomaram dinheiro de quem tinha, aplicaram bolos de palmatória em uma garota. A mocinha apegou-se a Félix Cabral: – Seu Félis, pur Nossa Sinhora, nun dexe esse home me batê!... Seu Félix disse: – Mĩa fia, eu nun posso fazê nada... eu tamém tou preso... As cenas de maus-tratos repetiram-se na fazenda Pedras, do velho José Cabral. No caminho, os cangaceiros capturaram Jucundino Calasans, do engenho Recurso, e levaram-no como refém, juntamente com José Xavier de Andrade e Renato Sousa. Lampião tomou emprestado um automóvel e rumou para a cidade, com a cabroeira atrás, a cavalo. Pretendia entrar em Capela em grande estilo, como da vez anterior.
Chegando perto, na localidade Lá Vem Um, mandou parar o veículo, a fim de esperar os cangaceiros, e despachou um mensageiro, com a incumbência de informar às autoridades sua intenção de entrar pacificamente na cidade. Mandou dizer que estava com 50 homens – na verdade eram somente 18.
Os moradores entraram em pânico. Tinha-se notícia do que acontecera em Queimadas, logo após a passagem do bando por Capela no ano anterior. Encontravam-se em Capela uns soldados vindos de Vila Nova (atual Neópolis), em diligência relacionada com a Revolução de Outubro. Em Sergipe, a “revolução” era uma coisa mais ou menos fictícia, pois, a rigor, ninguém sabia do que se tratava, e não havia luta, apenas perseguição a adversários. O sossego da tropa acabou quando estourou a notícia de que Lampião estava para chegar. Apesar do apelo da população, o comandante contrapôs que estava ali para reprimir revoltosos, e não para lutar com cangaceiros. Num abrir e fechar de olhos, os milicos sumiram. Dois soldados do destacamento local estavam na casa do médico Odilon Machado.
Encorajados pelo major Honorino Leal e por um viajante comercial que estava de passagem por Capela, chamado Josias Mota, que dizia ser aposentado da Marinha, os soldados disseram que estavam dispostos a impedir a entrada dos cangaceiros, desde que contassem com o apoio dos civis. Josias e o major mandaram chamar todos os homens que tivessem armas em casa. Despacharam de volta o mensageiro: podia dizer a Lampião que se quisesse entrar, entrasse, mas seria recebido à bala. Lampião não se mostrou surpreso com a resposta e apenas disse: – Ah, entonce, se é assim qui quere... Félix Cabral, temendo o pior, prontificou-se a ir conversar com o intendente, com o delegado, com o padre. – Coroné, o sinhô vai mais nun vorta... – desconfiou Virgulino.
– Sou home de palava, Capitão! – respondeu Félix. – Se lhe digo qui vou e vorto, vou e vorto! – Apois vá. Mais fique sabeno, coroné: se o sinhô nun vortá, eu vou nas suas fazenda, mato seu gado e toco fogo nas suas cana, arraso tudo!... Félix Cabral montou no burro e foi à cidade. Quando começou a expor suas razões, Josias Mota nem quis ouvir o resto: – Seu Félix, o sinhô mi discurpe, mais o sinhô tá preso. Nun sabe qui é crime sê coitero? Félix se exaltou: – Eu, preso?! Quem você pensa qui é?! Vim só dá um recado, e já qui nun quere acordo, vou vortá e dizê a resposta!... – Ah, nun vai não... – Vou, eu dei mĩa palava qui vortava, e vou cumpri! – Cum bandido ninguém sustenta palava, seu Félix!
Enquanto isso, os boatos corriam soltos na cidade – o coronel Félix Cabral estava preso! Era coiteiro! Amigo de Lampião de longa data! Lampião ia invadir a cidade para soltar o amigo! Capela ia pegar fogo! O mundo ia se acabar! Àquela época era raro o homem que não tivesse uma arma. Todo fazendeiro tinha um ou vários rifles, revólveres, garruchas. Os pobres tinham pelo menos uma espingarda de caça. Naquele momento terrível, com a notícia de que a cidade estava cercada pelos cangaceiros, o medo virou coragem, até as mulheres se armaram. Josias Mota organizou a defesa. Pôs atiradores nos telhados e até na torre da igreja de Nossa Senhora da Purificação.
Enquanto esperavam a volta de Félix Cabral, os cangaceiros esvaziaram o estoque de bebidas de uma bodega no Lá Vem Um. Como desconfiassem de veneno nas bebidas, o dono do boteco era obrigado a beber primeiro sempre que abria uma nova garrafa. Resultado: foi o primeiro a ficar bêbado.
E nada de Félix voltar. Lampião decidiu:
– Nóis vamo dá uns tiro, qui é pra eles nun dizê qui nóis saiu sem brigá, cum medo. Volta Seca e Pretão ficaram tomando conta dos cavalos e do automóvel, e os demais se dirigiram à cidade. Quando os cangaceiros apontaram, estourou a fuzilaria. Além dos tiros vindos da cidade, vinham também tiros da retaguarda, como se os moradores pretendessem cercar o bando. Atiravam até da torre da igreja.
Os cangaceiros espalharam-se em quatro grupos e começaram a atirar também. Seus alvos principais eram o fundo da casa de Antão Correia e o oitão da casa do médico Odilon Machado. Uma bala entrou ninguém sabe por onde e furou o piano, que Odilon tinha comprado por uma fortuna. Os reféns aproveitaram o pandemônio e fugiram. Já estava anoitecendo, e Lampião percebeu que aquele ataque não fazia sentido.
Dois cangaceiros estavam feridos: Gato e Beija-Flor. Para completar a confusão, os cangaceiros que tinham ficado na retaguarda tomando conta dos animais não reconheceram os companheiros e abriram fogo contra eles, sendo preciso pôr os chapéus na boca dos fuzis e levantá-los acima das ramagens para serem identificados. Os moradores ouviram um apito, e num segundo os cangaceiros sumiram.
Custava acreditar que o pesadelo havia passado. Adroaldo Campos (Dudu da Capela), o rábula da cidade, que andava de muletas por ser aleijado, pegou a corda do badalo do sino e anunciou as Ave-Marias. Nunca o povo de Capela agradeceu com tanto fervor o amparo de Nossa Senhora da Purificação."
Imagens pescadas no acervo de Junior Gomes - Sergipe em Fotos
Fonte: lampiaoaceso
terça-feira, 22 de outubro de 2019
O município de Abreu e Lima é um daqueles municípios de grande importância na formação histórica de Pernambuco. Foi ali, por exemplo, que Vasco Fernandes de Lucena, depois de receber terras do donatário Duarte Coelho, instalou em 1548, um engenho de açúcar, o Engenho Jaguaribe, que acabaria dando origem ao município. Foi também ali que, séculos depois, já na povoação de Maricota (posteriormente distrito de Abreu e Lima), aconteceu a primeira batalha sangrenta da Revolução Praieira, movimento anunciado em Olinda a 07 de novembro de 1848. Com isso, a localidade ficou conhecida como "O Berço da Revolução Praieira".
.
As terras do Engenho Jaguaribe foram empossadas em 07 de janeiro de 1660, pela ordem religiosa de São Bento. O frei Bento da Purificação tomou posse, em Jaguaribe, das terras prometidas por uma senhora chamada D. Inês de Oliveira. Nessa propriedade, entre a estrada Velha e a Praia de Maria Farina, os beneditinos construíram a capela de São Bento, atualmente em ruínas, tornando-se o mais importante ponto turístico da cidade. .
A economia de Abreu e Lima tem como base o comércio, com destaque para o setor de alimentação. O município é um importante centro de compras, com influência sobre os moradores das cidades de Goiana, Itamaracá, Igarassu e Itapissuma. No artesanato local, destacam-se a tapeçaria, crochê, colchas de fuxico, pintura em tela, esculturas em madeira e em barro. Alguém de Abreu e Lima por aqui?
.
As terras do Engenho Jaguaribe foram empossadas em 07 de janeiro de 1660, pela ordem religiosa de São Bento. O frei Bento da Purificação tomou posse, em Jaguaribe, das terras prometidas por uma senhora chamada D. Inês de Oliveira. Nessa propriedade, entre a estrada Velha e a Praia de Maria Farina, os beneditinos construíram a capela de São Bento, atualmente em ruínas, tornando-se o mais importante ponto turístico da cidade. .
A economia de Abreu e Lima tem como base o comércio, com destaque para o setor de alimentação. O município é um importante centro de compras, com influência sobre os moradores das cidades de Goiana, Itamaracá, Igarassu e Itapissuma. No artesanato local, destacam-se a tapeçaria, crochê, colchas de fuxico, pintura em tela, esculturas em madeira e em barro. Alguém de Abreu e Lima por aqui?
quinta-feira, 17 de outubro de 2019
Maria Júlia do Nascimento, Dona Sana, a mais conhecida rainha dos maracatus recifenses.Dona Santa nasceu no bairro da Boa Vista, no Recife, em 25 de março de 1877, filha e neta de africanos, tinha no sangue o "baque virado" do maracatu. Dona Santa foi rainha do Maracatu Elefante durante dezesseis anos, período em que a agremiação teve seu maior destaque. Figura tradicional e muito respeitada, reinou durante muitos carnavais recifenses e foi tema de estudos de vários pesquisadores, como por exemplo, a norte-americana Katarina Real. A matriarca dos maracatus de baque virado, faleceu no Recife, em 1962, aos 85 anos. É impossível falar da cultura pernambucana, sobretudo, o carnaval, sem recorrer a Dona Santa como referência. Um das únicas rainhas coradas na igreja do Rosário dos Homens Pretos, é o nosso espelho neste dia, no Dia do Nordestino.
quarta-feira, 16 de outubro de 2019
9º Encontro da Cultura Popular da Mata Norte homenageia Mestre Aicão
Fundador do Maracatu Leão Coroado, em 1986, Mestre Aição também é um dos fundadores da Associação dos Maracatus de Baque Solto
O 9º Encontro da Cultura Popular da Mata Norte fez uma homenagem ao Mestre Aicão, fundado do Maracatu Leão Coroado, que celebra seus 33 anos de fundação. O grupo recebe no seu terreiro, em Araçoiaba, o Maracatu de Baque Solto mais antigo, o Cambindinha de Araçoiaba, fundado em 1914. O evento é uma realização da Associação dos Maracatus de Baque Solto de Pernambuco (AMBS/PE), com o apoio do Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria Estadual de Cultura e da Fundarpe.
“Mestre Aicão é uma figura importante na Cultura Popular, na Cultura do Terreiro. Mestre Aicão é um mestre de Cavalo Marinho. É um grande líder dentro do Maracatu de Baque Solto e luta há muitos anos para manter essa cultura no terreiro dele”, comenta Manoelzinho Salustiano, presidente da AMBS/PE.
Mestre Aicão começou a brincar Maracatu de Baque Solto quando tinha doze anos. Foi um dos maracatuzeiros que atendeu os apelos de Mestre Salu para fundar a Associação dos Maracatus de Baque Solto com o objetivo de evitar que a brincadeira acabasse. Em 1986, fundou o Maracatu Leão Coroado.
terça-feira, 15 de outubro de 2019
A MORTE E A MORTE DE DELMIRO GOUVEIA
Publicado no Diário de Pernambuco em 10/10/2017
Por: Vandeck Santiago
Por: Vandeck Santiago
Hoje faz cem anos da morte de um nordestino que sonhou com um Nordeste industrializado e desenvolvido. Na luta para concretizar o seu sonho, enfrentou oligarquias estaduais, brigou com empresa estrangeira, agrediu a golpes de bengala o político mais poderoso de Pernambuco na época (Rosa e Silva, em 1899), desafiou coronéis da região e abriu uma fábrica no Sertão alagoano que transformava camponeses e ex-flagelados da seca em operários, e os tratava como cidadãos. Não podia acabar bem. Por volta das 21h de 10 de outubro de 1917, quando lia jornais na varanda de casa, foi morto a tiros de rifles, disparados por pistoleiros. Nunca se descobriu o mandante, ou mandantes, do crime.
Delmiro Gouveia — este era o seu nome — morreu cedo (tinha apenas 54 anos), mas deixou em torno de si uma série de imagens míticas, como a de pioneiro do desenvolvimento do Nordeste, de mártir da luta contra o imperialismo e de pobretão (órfão de pai e mãe, ex-vendedor de passagens em trem) que fizera fortuna graças ao próprio esforço.
Nasceu em 1863, em Ipu, interior do Ceará. Perdeu o pai aos 5 anos. Sua mãe migrou para Pernambuco, trabalhou como empregada doméstica e morreu pouco tempo depois. Ele tinha 15 anos. Nenhum lugar do mundo é bom para um órfão de pai e mãe, nessa idade — muito menos o Recife da segunda metade do século 19. Mas Delmiro Gouveia contrariou o destino esperado para alguém na situação dele. A história registra um dos seus empregos — o de cobrador de trem. Mais tarde, a origem humilde seria alvo de zombaria dos seus adversários ricos.
Nas suas viagens ao interior, teve o seu faro empreendedor despertado para produtos típicos da região, peles e couros de bode, cabra, carneiro. Tornou-se comerciante desses produtos, e conseguiu chamar a atenção de uma firma americana, com quem fez sociedade, passando a exportar os couros dos bichos para Europa e Estados Unidos, onde eram itens cobiçados. Saía de cena o órfão pobre de Jó, e entrava “o empresário jovem, elegante e charmoso que despontava no mundo dos negócios”, segundo expressão da professora da USP Telma de Barros Correia, autora de uma das muitas obras que narram a vida de Delmiro (Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão, lançado em 1998, pela Editora Papirus).
Em 1899, aos 36 anos, ele inaugura o Mercado do Derby — se o leitor, ao ler este nome, imaginou (com todo respeito) carnes, moscas, frutas e caldo de cana espalhado por todo o recinto, permita-me dizer que está completamente enganado. O de Delmiro reunia um centro de comércio, hotel, velódromo e parque de diversões. Sim, nele se comercializava alimentos, mas também itens sofisticados, tecidos, calçados, louças, jornais, livros. Sua concepção o aproximava “do conceito do shopping center atual”, e quem diz isso não é um pernambucano bairrista, e sim a professora da USP, Telma Correia. Há também outro testemunho insuspeito de bairrismo — o da escritora americana Marie Robinson Wright, que o descreveu no livro The New Brazil (1890): “(...) Um dos melhores hotéis da América do Sul, o Hotel do [Mercado] do Derby é um dos maiores estabelecimentos do seu tipo, no Brasil, e está equipado para os amplos negócios que diariamente são nele realizados”.
Nos conflitos entre Delmiro e governantes locais, o Mercado acabou pagando o pato: foi incendiado pela polícia, em 1890. Três anos depois, Delmiro mudou-se para Alagoas. Comprou uma fazenda no Sertão alagoano, no povoado de Pedra (atual município de Delmiro Gouveia, a 300 km de Maceió). Lá idealiza a construção de uma fábrica de linhas de costura — não havia nenhuma no Brasil. Para isso precisava antes de energia elétrica. Em 1913 ele implanta uma usina hidrelétrica próxima à Cachoeira de Paulo Afonso (BA) — e daí sai a energia para a fábrica em Pedra.
No auge do funcionamento, a fábrica tinha 2.000 funcionários, submetidos a jornada de 8 horas de trabalho e com creches para os filhos. O empreendimento tinha outra experiência inovadora: uma vila operária, formada de casas de alvenaria. A comunidade vivia sob rígidos códigos de higiene (as ruas e as casas tinham de estar sempre limpas; era proibido cuspir na rua) e conduta (quem “mexesse” com as mulheres operárias, era “punido” com o casamento obrigatório). Cuidava-se também do lazer dos trabalhadores: havia sessões de cinema, bailes, pista de patinação, campo de futebol e parque de diversões.
As inovações de Delmiro Gouveia para o Nordeste morreram com ele, na tocaia. “E o que se vê, em 1917, naquele tenebroso 10 de outubro”, diz o historiador pernambucano Frederico Pernambucano de Mello, que cunhou a melhor definição sobre o assassinato dele, “é nada menos que a morte do futuro pelas piores energias do passado”.
Foto: Arquivo/DP
* O texto acima retrata única e exclusivamente a opinião do autor.
domingo, 13 de outubro de 2019
Arquiteto, como Fausto Nilo, o piauiense Antônio Brandão, que assina suas obras apenas como Brandão, poeta e letrista, deu contribuições decisivas para a consolidação estética e musical do Pessoal do Ceará. A escritura de algumas das mais emblemáticas letras de canções do grupo passou por seu caderno tais como: "Beco dos Baleiros", "Estrada de Santana", "Pé de Sonho", "Além do Cansaço", "Frio da Serra" (para músicas de Petrúcio Maia); "Esquecimento", "Beleza", "Dois Querer" (para músicas de Raimundo Fagner); "Vaila", "Classificaram", "Amor de Estalo", "Duas Velas", "É Cara de Pau" (para músicas de Ednardo), entre tantas outras. "Beleza", a letra acima é a quarta faixa do álbum homônimo de Fagner e uma peça de rara mestria no universo lírico da MPB. Entre outras por amalgamar um tema universal e abstrato com uma referência tão expressamente local (e bela) como a lamparina.
Vagar sem remissão é também parte da questão: Brandão
[s/i/c]
Beleza
Beleza só se tem
quando se acende a lamparina,
iluminando a alma
se entende a própria sina.
E quando se vê o arame
que amarra toda gente
pendendo das estacas
sob um sol indiferente.
Beleza, só depois
de uma sangria desatada,
aberta na ferida
dos perigos do amor.
E quando se afasta
a sombra triste do remorso
que faz olhar pra dentro
para enfrentar a dor.
Repara este silêncio
que se estende da janela,
repassa o teu passado
e come o lixo que ele encerra.
Vagar sem remissão
é também parte da questão,
juntar estas migalhas
para refazer o pão.
Não é da natureza
que ele surge confeitado,
mas é desta tristeza,
deste adubo de rancor.
Beleza é o temporal
que suja e corta uma visão,
esmaga qualquer sonho
com um grito de pavor.
sexta-feira, 11 de outubro de 2019
JUAZEIRO
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de setembro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.184
MUSEU DO HORTO |
Em Juazeiro do Norte, existe um monumento construído em homenagem ao padre Cícero Romão Batista. A estátua está locali zada na Colina do Horto onde há uma pequena igreja e um museu. Foi esculpida por Armando Lacerda em 1969. O engenheiro responsável pelos cálculos de engenharia da base da estátua foi Rômulo Ayres Montenegro. Antes, projetada com sete metros, foi redimensionada para 27 metros de altura. Padre Cícero nasceu no dia 24 de março de 1844 (no Crato), e faleceu em 20 de julho de 1934, com 90 anos de idade. Foi escolhido o “Cearense do Século”, em março de 2001. Em julho de 2012 foi eleito um dos 100 maiores brasileiros de todos os tempos. Juazeiro ganha milhões de visitantes durante o ano todo com o movimento da religiosidade.
A paisagem vista do Horto para os arredores, não deixa de ser bonita, embora os pontos procurados fiquem muito distantes. Muita gente, apesar de ser dia comum, comércio ambulante de pequi e do seu óleo, chamava atenção. Dificilmente o romeiro não trás óleo de pequi do Juazeiro. Comprovadamente bom contra pancada e torcicolo. O movimento é continuado entre a estátua, à igreja e o museu. Várias pessoas circulando de joelhos o sopé da imagem, pagando promessas difíceis alcançadas. Ao deixarmos o Horto, chuva forte começa e arrasta uma das pontes da região.
Na cidade, uma das ruas estreitas do comércio parece um formigueiro de tanta gente. Defronte a Igreja de Nossa Senhora das Dores, amontoado de roupa vendido a preço ínfimo e inacreditável. Vários ourives no pátio vendendo ouro à moda antiga. Missa de hora em hora e padres galegos empurrando livretos de cordéis na venta dos presentes. Comércio de santo quase de graça, sem sentimento religioso nenhum. Cada quintal uma pequena indústria e o território inteiro cheio de histórias e misticismo.
Chega uma chuva forte de repente e a praça central se esvazia. Ninguém sabe onde entraram os ourives. A chuva prolonga-se pela noite adentro. Notícia de morte em enxurrada. Juntam-se os panos, micro-ônibus lotado de mercadorias deixando o Juazeiro.
A chuva vem terminar em Poço das Trincheiras, Alagoas.
Fonte: Mendes & Mendes
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
Aqui, em Pernambuco, o amor pela cultura começa desde muito cedo, logo na infância. O que dizer desse grupo? Conhecem? Esse é Coco Kpoerê, da Cidade Tabajara em Olinda. Formado pelo Mestre Ulisses, através do projeto social Lua de São Jorge, o Kpoerê, que significa capoeira criança, já se apresenta em vários ciclos festivos do estado e em festas da comunidade. Quem ainda não viu, precisa conhecer. É a nossa cultura sendo propagada desde muito cedo e a certeza que nossos bens estarão preservados. Parabéns, Mestre Ulisses! Parabéns, crianças! Agora corre no YouTube, procura o Kpoerê e se emociona com a gente! Viva o Coco! Viva Pernambuco! .
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
O local onde hoje fica o município de Igarassu era habitado por índios Caetés. Porém, em 1535, o donatário Duarte Coelho desembarcou no local para tomar posse de sua capitania, doada pela Coroa Portuguesa, travando um combate com os índios. Por ordem de Duarte Coelho, foi instalado um marco de pedra, servindo de ponto divisório entre as capitanias de Pernambuco e de Itamaracá, dando início ao processo de colonização no Brasil. Em 1537, foi fundada a Vila de Igarassu, cujo nome significa "canoa grande". O município é considerado o primeiro núcleo de povoamento do país. O passado de Igarassu é marcado pela sua participação em lutas libertárias, como a Revolução Praieira, quando as tropas do coronel Manoel Pereira de Morais ficaram instaladas no Convento de Santo Antônio, construído em 1588 pelos Franciscanos. Hoje, no local, funciona o Museu Pinacoteca, que guarda um dos acervos mais representativos sobre a fase colonial brasileira.
domingo, 6 de outubro de 2019
Desde os 12 anos de idade, o baiano de Crisópolis, João Batista Oliveira, soma diversos talentos artísticos, como atuar, contar histórias, cantar e tocar violão. Mais conhecido como João Bá, o violeiro transmite, através de suas músicas e histórias, a voz do sertanejo que se preocupa com a natureza e respeita a terra com humildade e simplicidade.
Como violeiro, João começou a participar de shows e festivais em 1966, como o Festival da TV Tupi, no qual teve uma de suas músicas, Facho de Fogo, como destaque do evento. A canção foi composta em parceria com Vidal França. Seu primeiro disco,Carrancas trouxe diversas participações especiais, como Hermeto Paschoal e Osvaldinho Acordeom. Sua discografia é composta também por Carrancas II, Ação dos Bacuraus Cantantes e Pica Pau Amarelo.
João já soma mais de 200 composições musicais e, através de seus trabalhos, se tornou um artista de grande peso na cultura popular brasileira. Teve seus trabalhos usados na trilha sonora de documentários como Entre o Mar e o Sertão, de 2007, sobre Glauber Rocha, e Nas Terras do bem-virá, de Alexandre Rampezzo.
Três músicas do disco Pica Pau Amarelo foram inseridas na coletânea italiana Aruanã, sendo que a faixa Bicho-da-seda também foi usada no documentário Sindicato Operário Bolonha-Itália. Entre outras participações, João Bá também subiu ao palco do Conexão Vivo em 2009, como convidado do grupo Lavadeiras de Almenara.
Além da carreira de músico, João não poderia deixar seu talento como ator, trabalhando com teatro, televisão e cinema. O violeiro já participou de alguns programas na TV Cultura, como Cercanias de Canudos e Casa dos Cantadores, em 1985, além do programa Casa de Farinha, gravado especialmente para uma televisão francesa. Como ator e compositor de trilha sonora, João Bá também fez parte do elenco do filme Lampião, de meados dos anos 80.
sexta-feira, 4 de outubro de 2019
Morre aos 87 anos o cantor e compositor João Bá
Por Carolina Barbosa
Eis que, aos 87, o mar lavou os pés do menino João Bá pela última vez numa quinta-feira, 3 de outubro, no ano da graça de 2019, quando os bacuraus cantaram mais alto que nunca. E hoje se despede das gentes esse cantador do Brasil de dentro, baiano quase mineiro que escolheu a nossa Caldas como céu de seu último voo.
Às 17h30, segue seu cortejo rumo ao sol, partindo do velório da Santa Casa de Caldas, onde seu corpo dorme desde as 8 da manhã deste 4 de outubro, dia em que celebramos Francisco de Assis, conversador de animais e amigo da natureza, mais um pra cantar os pequeninos.
Nosso Cavaleiro Macunaíma agora pode se juntar ao São Francisco, o rio, ao Araguaia, à Pedra Branca, brincar de pega-pega com as ondas do seu mar de menino. Deixa em oito discos sua poesia eterna. Seu passamento é encanto.
João Bá
Com informações da biografia do cantor, disponível no site http://www.encontroteca.com.br/grupo/180/joao-ba.
Com informações da biografia do cantor, disponível no site http://www.encontroteca.com.br/grupo/180/joao-ba.
Em julho de 2019, o cantador João Bá, acompanhado pelo violeiro João Arruda, participou do projeto Composição Ferroviária, em Poços de Caldas. Nascido a 01/09/1932 na cidade de Crisópolis, Bahia, João Batista Oliveira – João Bá – reunia diversos talentos artísticos, como atuar, contar histórias, cantar e tocar violão.
Como violeiro, João começou a participar de shows e festivais em 1966, como o Festival da TV Tupi, no qual teve uma de suas músicas, Facho de Fogo, como destaque do evento. A canção foi composta em parceria com Vidal França. Seu primeiro disco, Carrancas trouxe diversas participações especiais, como Hermeto Paschoal e Osvaldinho Acordeom. Sua discografia é composta também por Carrancas II, Ação dos Bacuraus Cantantes e Pica Pau Amarelo.
Soma mais de 200 composições musicais. Teve seus trabalhos usados na trilha sonora de documentários como Entre o Mar e o Sertão, de 2007, sobre Glauber Rocha, e Nas Terras do bem-virá, de Alexandre Rampezzo.
Três músicas do disco Pica Pau Amarelo foram inseridas na coletânea italiana Aruanã, sendo que a faixa Bicho-da-seda também foi usada no documentário Sindicato Operário Bolonha-Itália. Entre outras participações, João Bá também subiu ao palco do Conexão Vivo em 2009, como convidado do grupo Lavadeiras de Almenara.
quinta-feira, 3 de outubro de 2019
CACIQUE SOTERO
José Maria dos Santos,Aratuba,este é o nome de branco do Cacique Sotero,hoje com 75 anos,cresceu em meio às matas,acompanhando os pais desde pequeno nas caçadas e nos trabalhos agricolas.
Tem trabalhado na agricultura familiar de subsistência por toda a sua vida,dedicando-se também âs lutas dos movimentos sociais e polulares desde a década de 1960,especialmente como liderança indigena. É o idealizador do Museu dos Kanindé, o primeiro museu indigena do Ceará e segundo do Brasil, reinterpretando os saberes e técnicas herdados dos seus ancestrais.
Assinar:
Postagens (Atom)