domingo, 4 de novembro de 2012


Ceguinhas de Campina Grande




"A   PESSOA É PARA O QUE NASCE "




Esmolando por  décadas vida a fora, pela  agonia e alegria das feiras livres de pequenas cidades e  arruados ,sobre o sol inclemente dos sertões,elas levaram  sua música e sua arte mambembe aos  também necessitados e pobres mortais do semi-árido nordestino. Elas  não  conhecem o alegre coloridos das feiras,  limitações que as  levaram a mergulhar  num mundo de sonoridades, e assim enchergaram a arte que ajuda a sobreviver.  São três vozes,três Marias e  três canzás,num ritimado coco de embolar. Maria das Neves(Maroca),Maria Regina(poroca) e Maria Francisca da Conceição(Indaiá). Elas já nasceram cegas,em Campina Grande,na região da Chapada da Borborema, na Paraíba. A vida nunca foi fácil para elas. Para sobreviver,sua mãe fazia artesanato,seu Pai  trabalhava como mão-de-obra temporária  para os grandes proprietário de terras e as três muito cedo foram cantar nas feiras e portas de igrejas em troca de esmolas. Quando seu pai morreu,vitima do alcoolismo,o talento das cantoras cegas passou a ser a única fonte de renda da família. Houve um tempo em que as esmolas arrecadadas pelas três irmãs tinha que sustentar 14 pessoas,entre irmãos,sobrinhos ,a Mãe e o novo marido,que violentou uma das enteadas. Maria das Neves(Maroca), a única que casou,teve dois maridos e ficou viúva dos dois. O último deles foi assassinado a facadas. A filha de Maroca ficou em poder de uma tia distante que se recusava a devolvê-la. Quando o cineasta Carioca Roberto Berliner as conheceu, em 1997,elas viviam praticamente sós,numa casinha em Campina Grande e não cantavam. Elas nem tinham mais os seus ganzás,espécie de chocalho de metal  hermético cheio de areia,instrumento que marca o ritmo de sua cantoria e que sem o qual  elas não se sentem a vontade para cantar. Fascinado pelo trio,Berliner providenciou a compra de novos ganzás e as pôs de volta ao antigo oficio. Ele filmou as três cantando e contando sua história, o que foi exibido num pequeno programa de TV. Em 1998,ele transformou esse material num curta-metragem chamado " A pessoa é para o que Nasce,"  sentença que elas não se cansam de dizer. O filme ganhou diversos prêmios no Brasil e exterior,em festivais de curtas-metragens. Elas já haviam aparecido no "Programa Legal ",de Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães,mas a repercussão não tinha sido tão grande quanto a do curta. Através do filme, a música das três irmãs cegas chegou até os ouvidos de Gilberto Gil e Naná Vasconcelos,que as convidaram a se apresentar no festival de música  PERCPLAN.Foi a primeira vez que elas receberam um cachê para cantar. Mais tarde, elas fariam a sua primeira turnê. Em 2004,depois de passar  sete anos acompanhando as cantoras,filmando sua vida conforme os parcos recursos permitiam,Berliner  concluiu um documentário de longa-metragem sobre elas. O filme,que também se chama " A pessoa é para o que nasce," levou as três irmãs a Brasilia,onde elas  receberam a Ordem do Mérito Cultural. No 15° Cine Ceará,o filme ganhou o prêmio principal do festival.Em 2005,o longa fez uma bela carreira nos cinemas do país. E agora elas são respeitadas como artistas e seres humanos,com direito a aparição em novela global no horário nobre. A vida delas nunca mais foi a mesma,participaram do programa "Som da Rua" da TVE e de  diversos festivais de cunho cultural pelo país.

William Veras de Queiroz  -2010 D.C  -  Santo Antonio do Salgueiro-Pernambuco.

OBS -Matéria publicada  no bLoG soL vERmeLHo em 31 de julho de 2010 


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