Sobre não ver os maracatus retardados... com seus estandartes no ar
Desta vez ninguém vai me procurar na “última chamada”. Não escutarei a sinfonia dos cintos que se desatam simultânea e ansiosamente no primeiro brecar do avião. E no lugar da minha bagagem, apenas o silêncio de uma esteira vazia, naquele vácuo entre os passageiros que já foram e os que estão chegando. E você, meu amor, vai plainar para cima e para baixo pelas ladeiras de Olinda, achando novas paixões e perdendo antigos amores de cinco minutos atrás ao som das furiosas orquestras de metais.
Sem ladeiras para escalar – sendo você a mais íngreme de todas elas – tentarei me resignar com a vida real. Dos prazos, catracas e sinais fechados. Uma rotina de pontuações firmes, sem reticências ou aquela palavra que parou de ser falada no meio do caminho porque teus beijos interromperam meu fluxo de pensamento. Mas sem você, sem fluxo. E sem me interromper de beijos, você me rompe.
Lá longe, experimentando pela primeira vez uma combinação barata de vodca com leite condensado, canela e guaraná em pó, tudo transpira em você. A língua. O doce. Vontade, sexo e purpurina vão escorregando no suor e na saliva. O frevo te embala e te aninha, mas você é tão dele quanto é de todo mundo. Braços abertos sobre os Quatro Cantos. A vida em estado de suspensão, sem tempo ou qualquer interesse de olhar para baixo.
Segurando tua mão – só para que depois você possa se soltar – eu podia te ensinar o Carnaval. Mas estou certa e intranquila que outros farão isso por mim. Muito rápido, você saberá cantar os mais populares refrãos, reconhecerá intuitivamente o valor que tem o Hino do Elefante, entenderá que toda fantasia é estado de espírito e perceberá que Aquecimento Global de verdade só mesmo ali em frente ao MAC de Olinda. E haja arte contemporânea.
Será uma percepção apreendida, o que é completamente diferente daquela herdada. Pessoas te apresentarão os pesos sem medidas do delírio, coisa que quem nasceu pernambucano já carrega no sangue.
Por isso mesmo, teu Carnaval será ainda melhor que o de todo o resto da multidão. Teus olhos cor-de-rosa, amarelo, azul, verde e vermelho vão enxergar tudo pela primeira vez e os amores que encontrasse, no fim, serão apenas um souvenir de viagem. E como eu gostaria de estar dentro de uma dessas embalagens.
Mas não, exilada, respiro o ar que se proíbe no nome: condicionado. Ninguém ao redor entende a angústia de não poder estar no meio da multidão e por mais que se tente explicar, fica muito difícil dimensionar essa ausência para quem processa tudo como um evento para ser visto e não vivido. O espetáculo de assentos marcados na tela da TV, ah vá.
Mas olha só, Carnaval não se degusta, se bebe mesmo. Do mesmo jeito que ele não se namora. Carnaval se ama. Até o último gole, até a última ponta.
A impaciência me consome. As fotos dos amigos que lá estão me corroem. E claro que eles fazem questão de documentar tudo, as fantasias, a maquiagem borrada, as prévias e os durantes (mas certamente nunca os depois). Entrar nas redes sociais se torna um exercício masoquista. Indócil, termino esquecendo de dar bom dia. As ruas fazem barulhos de ruas, nem de longe se escuta um frevo, um maracatu, um bloquinho lírico, um apito que seja. As ruas daqui são inocentes. Elas não sabem de nada.
Entre uma tarefa e outra nesse ar condicionado, subordinado e subjugado, te imagino. E de todas as formas que te dou, só uma é constante: teu sorriso. Aberto, lindo, mais que demais. Um sorriso Caetano, cantando calado aquele frevo axé.
Mas deixe estar. Ano que vem não perco, mentalizo novamente. E você, que já não será mais você, vai esbarrar comigo pela primeira vez. E terá olhos cor de caju maduro, embebido de vodca e açúcar. Vamos cair pelos cantos, colar a pele, fazer juras apaixonadas tendo o sol como testemunha e a lua como cúmplice. E claro, em algum momento, nos perderemos. E acharemos outros. Você, vocês.
É que se, de perto, o Carnaval é a exaltação da vida atravessada pela fantasia, de longe ele é sempre a possibilidade de fantasiar. Com você, meu amor, seja lá quem for.
Escrito por Carol Almeida.
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