segunda-feira, 26 de agosto de 2013



                                               

Adoro andar de bicicleta. Mas neste dia deixei minha eguinha na garagem e resolvi caminhar da minha casa, no Leblon, até o Arpoador e voltar. Enquanto retornava pelo calçadão, ia cantarolando as belezas do Rio: “Eu te procuro no Leblon, Copacabana / vejo velas de umbanda / um buquê jogado ao mar”.

Ao passar em frente ao Posto 9, cantei: “Andar andar / nas ruas do Rio de Janeiro / dezembro abril / a todo mundo eu dou psiu / perguntando por meu bem /ainda resta um assobio / um desejo, nada além”.

Ao me aproximar do Jardim de Alah, lembrei de uma canção que compus há muitos anos, logo que cheguei na Cidade Maravilhosa: “Era verão na cidade de São Sebastião / do meu Rio de Janeiro / fevereiro se rendia / se entregando por inteiro / seu azul seu mormaço a março que é mês do desejo..”.

Parei numa barraca de coco e fiquei contemplando o pôr-do-sol dourado e divino que desmaiava junto ao Morro Dois Irmãos. O sol caiu lentamente enquanto a lua surgia no céu. Em silêncio, quando somente as imagens sem música povoavam a minha mente, caminhei até o final do Leblon. Passei por manifestantes acampados que protestavam contra Cabral.

Sigo em frente e olho para os lados antes de atravessar a pista. No lado esquerdo, carros retidos diante do sinal fechado. Olho para o outro lado, não vejo ninguém. Coloco o pé na ciclovia e, num susto, vejo aproximar-se de mim o vulto de um ciclista todo vestido de preto, numa velocidade inacreditável. Joguei o corpo para trás, mas senti que o guidon se chocara contra minha mão esquerda. Urrei de dor.

Ainda tive tempo de escutar alguém que passava gritar para o desastrado ciclista: “Filho-da-Puta!”, enquanto o sujeito desaparecia a toda velocidade pela infinita ciclovia. Não havia mais som ou imagem. Fui direto para uma clínica e obtive o diagnóstico: fratura na mão esquerda, quatro semanas sem tocar violão. Tive de adiar meu show acústico no Teatro Oi Casagrande, que estava marcado para o fim do mês (e passou para o dia 17 de setembro).

No dia seguinte, desafiando a mim mesmo, saio para caminhar com um braço imobilizado e pendurado na tipoia. Muitos param para me perguntar o que acontecera com minha mão e relato pacientemente o ocorrido. Um gari da prefeitura se aproxima, cantando “Anunciação”. Quando explico o acidente, o gari resume, com sabedoria: “ciclovia não é pista de corrida”. Andar, andar nas ruas do Rio. Desviando dos buracos nas calçadas de pedrinhas portuguesas e de ciclistas inconsequentes. O direito de um termina quando começa o do outro.

ALCEU VALENÇA

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