JOÃO ABADE
Era um dos homens fortes do Belo Monte. Seus títulos, que frei João Evangelista do Monte Marciano ouviu mencionados pelos jagunços, bem o indicam. Chamavam-no “chefe do povo”, “comandante da rua”. Comandava a rua e o resto porque chefiava a Guarda Católica ou Companhia do Bom Jesus, organização armada, que cobria a segurança do Conselheiro e a defesa do povoado. Era amigo do outro homem forte, o negociante Antonio Vilanova. Ambos moravam em casas de telha, o que significava status. Abade, segundo disse Honório Vilanova, ia frequentemente à loja de Antonio, mesmo no tempo da guerra. Tudo indica ter havido sempre bom relacionamento entre os dois poderosos conselheiristas. O astuto comerciante e o poderoso clavinoteiro se entendiam bem. A aliança servia aos dois. Não corava o balcão de ombrear com o bacamarte.
Seu Abade, como era chamado, nascera na então vila de Tucano, Bahia. Descendia de boa família do pé da Serra, informou José Aras, no seu livro Sangue de Irmãos. Antonio Cerqueira Galo, em carta ao Barão de Jeremoabo, chefe político do nordeste baiano, garantiu que o “chefe do povo” era de Tucano. Conhecera-o menino, dava-se com seus familiares. Desmentiu, assim, uma notícia corrente no tempo da guerra, segundo a qual João Abade viera ao mundo em Ilhéus, fizera estudos, matara a noiva. Contou-nos Pedrão, que não morria de amores pelo “chefe”, como ocorrera seu primeiro crime. Foi na estrada Tucano- Itapicuru. Um homem estava surrando a própria mulher. A intervenção de Abade visava impedir a agressão. Terminou cometendo um assassínio. Processado, procurou o amparo do Santo Conselheiro. José Aras, porém, apresenta outra versão. Criara-se João Abade no lugar Buracos, município de Bom Conselho, tendo começado sua vida de cangaço sob a orientação de João Geraldo e David, famanazes do rifle na zona de Pombal. Tinha a cabeça roletada, como a de um frade, era valente, era alto, era dos lados de Natuba, das bandas do mar”, conforme descrição feita por Honório Vilanova.
Já se tornara pessoa destacada do séquito antes da chegada a Canudos. Dirigira, em maio de 1893, o primeiro choque dos jagunços com soldados da Polícia baiana. O bacharel Salomão de Souza Dantas, promotor público de Monte Santo, encontrou-o, nos dias que precederam ao embate de Masseté, em plena ação de chefia. A criação da Guarda Católica, fato sucedido após a ocupação da antiga fazenda do Vaza-Barris, veio fortalecer a posição do cabecilha. Tinha em suas mãos um grupo aguerrido, remunerado, obediente. Era respeitado e obedecido. José Travessia, sobrevivente da chacina de 1897, declarou a Odorico Tavares: “João Abade era um homem direito e com ele não havia moleza. Caiu no arraial, tinha que pegar no pau de fogo mesmo”.
Frei João Evangelista, no dia de sua malograda Santa Missão em Canudos, viu com os próprios olhos a capacidade aliciadora do sertanejo de Tucano. João Abade, usando um apito, convocava gente canudense, fazendo e desfazendo, lançando contra os capuchinhos da Piedade o povão do Belo Monte. Na fase da luta sangrenta, dirigiu o ataque contra o tenente Pires Ferreira, na refrega dita de Uauá. Prosseguiu comandando e combatendo. Seu nome é referido em várias oportunidades, inclusive, na peleja do Comboio. Somente a morte iria afastá-lo da chefia indiscutível dos fanatizados homens do Bom Jesus Conselheiro. José Aras noticia como se deu o desenlace. Foi atingido por um estilhaço no patamar de uma das igrejas, ao cruzar a praça na direção do Santuário, morada do Conselheiro. Vargas Llosa, porém, no romance que dedicou à guerra do fim do mundo, imaginou outro fim para o “chefe do povo”. Uma velhinha disse que os arcanjos subiram com ele pro céu.
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