Outras Palavras fortalece a relação entre escolas e patrimônios do estado
Na 10² Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, projeto foi realizado no EREM Antonio Correia de Oliveira Andrade, no município de Condado.
Marcus Iglesias
Uma das melhores formas de contar e preservar a história de um povo, sem dúvidas, é através dos seus patrimônios. É por essa razão que o projeto Outras Palavras tem a preocupação de construir com as escolas públicas de Pernambuco uma relação com Patrimônios Vivos do estado, proporcionando que os jovens alunos tenham um contato direto com sua identidade e com mestres da cultura popular. Na última sexta-feira (18), dentro da programação da 10ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, o projeto da Secult-PE e Fundarpe realizou uma edição especial voltada para o tema na EREM Antonio Correia de Oliveira Andrade, no município de Condado, Mata Norte de Pernambuco. A ocasião contou com a presença da jornalista e pesquisadora Maria Alice Amorim, especialista no assunto, além do cordelista José Costa Leite, e da Banda Musical Curica – os dois últimos detentores do título de Patrimônios pernambucanos.
“O Outras Palavras não existe apenas porque a Secretaria de Cultura e Fundarpe têm como objetivo promover a integração entre a cultura e a educação. O que de fato move este projeto é nosso desejo de garantir à juventude o acesso aos bens culturais que, regra geral, não existe nas escolas públicas. A iniciativa vem sendo tocada por uma equipe que acredita que é possível intervir na realidade para transformá-la e contribuir para que os estudantes possam aguçar seu senso crítico. Ontem, por exemplo, , eleitos pelo Conselho de Preservação Cultural do estado, e é um orgulho saber que em Pernambuco temos tanta gente que faz a sua cultura ser difundida e fortalecida há décadas. Isso precisa ser trazido para dentro do ambiente escolar”, explicou Antonieta Trindade, gestora da ação e vice-presidente da Fundarpe.
De 2015 pra cá, o Outras Palavras já promoveu 42 edições, que atingiram mais de 300 escolas e 7 mil estudantes pelo estado, e dais quais mais de 30 tiveram a presença de Patrimônios Vivos do estado. Participaram mestres, mestras e grupos como Lia de Itamaracá, Mestre Galo Preto, Maracatu Leão Coroado, Maestro Duda, Troça Cariri Olindense, Dedé Monteiro, Orquestra Capa Bode, José Costa Leite, Lula Vassoureiro, Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu, Caboclinho Sete Flechas, Banda Musical Curica, Mestre Zé Lopes e Clube de Boneco Seu Malaquias – alguns já marcaram presença mais de uma vez.
O debate desta vez começou com depoimentos da jornalista e pesquisadora Maria Alice Amorim, responsável pela criação do , que conversou detalhadamente com os jovens sobre como foi o processo de apuração para a realização de suas obras, boa parte delas voltadas para a pesquisa na área cultural. Ela contou que nos anos 80 frequentava bastante a Mata Norte para realizar pesquisas sobre os Maracatus de Baque Virado e Baque Solto – considerados atualmente Patrimônios Culturais Imateriais do Brasil. Nesse período, esteve muito próxima de grupos e mestres da cultura popular local, e imersa naquele universo teve a ideia de escrever sobre o assunto.
Durante sua fala, o aluno Bruno Roberto, do 3º ano, aproveitou para perguntar como surgiu a primeira obra da autora. “Foi sobre a poesia improvisada dos mestres de maracatu rural. Eu gosto muito de ir a campo, fazer as entrevistas e manter uma relação próxima para que o trabalho possa ficar mais rico. No final das contas são pessoas, e a gente estabelece relações interpessoais, e isso é o mais importante. Esse livro teve uma ótima aceitação e eu fiquei muito feliz porque não havia até então algo tão aprofundado sobre o assunto”, disse a pesquisadora.
O professor Paulo Henrique, da EREM Antonio Correia de Oliveira Andrade, quis saber de Maria Alice Amorim qual o sentimento que ela tem em colaborar na difusão das riquezas da cultura pernambucana. “A formação da opinião neste sentido é um papel importante, e eu modestamente considero que contribuo de alguma maneira, mas só isso. Nossa cultura tem uma dinâmica própria e sempre em processo de readaptação e permanência no nosso meio, mas considero importante sim este trabalho de divulgar e semear. Porém, é bom destacar que o mais importante são os mestres e grupos que são os protagonistas dessa história”.
Levar ate o município de Condado o poeta da região José Costa Leite é simbólico por proporcionar aos estudantes a oportunidade de conhecerem um mestre que mora tão perto deles – praticamente a alguns quarteirões de distância, na Rua Júlio Correia, 223, onde também funciona o atelier do mestre. Com mais de 90 anos, Costa Leite mantém a mente afiada e o ofício de cordelista. Segundo ele, ainda escreve um por dia pra não perder o costume nem enferrujar.
Quando criança, numa época que a educação era de ainda mais difícil acesso, não teve condições de frequentar a escola e aprendeu a ler graças à literatura de cordel. “Eu ia até a Feira de Itabaiana e ficava ouvindo os cantadores cantando versos sobre Lampião. Depois eu lia os cordeis que eles usavam para cantar, e assim fui aprendendo a ler também. Foi quando comprei meu primeiro livrinho, e passei a prestar mais atenção nas palavras cantadas e escritas. Não demorou pra eu escrever meus primeiros versos”.Era então amor à primeira vista. Desde 1947, de acordo com as contas do próprio José Costa Leite, que ele vende cordéis mundo afora – alguns considerados clássicos como A carta misteriosa do Padre Cícero Romão e O dicionário do amor e os dez mandamentos.
“O que mais vende, não tem jeito, é o hilariante. E eu tenho o dom de fazer as pessoas rirem. Para a criançada, a gente procura um enredo diferente, com fábulas”, revela José Costa Leita, que reclama da queda na venda dos livros nos últimos anos e diz que só tem conseguido levar o trabalho adiante graças ao incentivo que ganha como Patrimônio Vivo do estado. Apesar da falta de recursos, não mede elogios aos ofício que defende. “O cordel educa, ensina, diverte. Tem gente que pensa que ele não é arte e trata como uma coisa inferior. Algo como esse verso que diz: ‘Conheci um fazendeiro / que vivia endinheirado / tinha cem léguas de terra / dez mil cabeça de gado / findou com duas sacolas / na feira pedindo esmola / de tanto vender fiado’. Pode ver que tendo métrica, não falha”, comentou ele, que tem a vantagem, como cordelista, de saber fazer o cordel, a xilogravura e ainda cantar. “Eu faço tudo, só não tenho a quem vender”, brinca aos risos, pra diversão da garotada.
Após a conversa, foi a vez da Banda Musical Curica ocupar o salão da escola e realizar sua apresentação, e antes de começarem era visível a cara de curiosidade no rosto dos estudantes, empolgados com o que aconteceria na sua escola. Fundada em 1848 com o nome é um dos grandes patrimônios de Goiana. Sempre marca presença em solenidades cívicas e religiosas e conta com 60 a 70 músicos jovens com idades que variam entre nove e 18 anos. Por lá, passaram músicos como o Maestro Duda e Maestro Guedes Peixoto.
Segundo Edson Júnior, presidente da Sociedade Musical Curica e trompetista da banda, o título de Patrimônio Vivo é de fundamental importância porque é através deste incentivo, que não é apenas financeiro, mas também de ações, que a banda se mantém reconhecida e atuante no estado. “Aproveito para também fazer um convite e chamar a todos a visitarem nossa sede na cidade de Goiana, na Rua 5 de Maio, onde acontecem atividades de formação musical de segunda a sábado”.
O grupo atualmente conta com a regência do Maestro Everton, oriundo da escola de música da Curica. A apresentação foi marcada pelas músicas tradicionais da banda, que de acordo com registro históricos chegou a tocar para o Imperador Dom Pedro II, em 6 de dezembro de 1859. Além desrtas canções, a apresentação animadíssima contou no seu repertório com vários clássicos da música pernambucana e nacional, como Como Dois Animais (Alceu Valença) e Do seu lado (Jota Quest), que fizeram a garotada entrar no clima e se divertir bastante. No clima da valorização dos bens culturais pernambucanos, a Curica finalizou com os frevos Cabelo de Fogo e Voltei Recife – Desde 2011, o Frevo tem o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, dado pela Unesco.
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