Cordel e repente
O DESAFIO DA PACA CARA, DE CEGO ADERALDO
Outro dia alguém me perguntou a diferença entre cordel e repente. Respondi, sem pensar muito, que o cordel é a poesia popular que se caracterizou como tal pelo fato de ser publicada em folhetos, enquanto o repente é a poesia feita pelos cantadores, os quais geralmente recebem da platéia um tema, chamado MOTE, e o desenvolvem na hora. Também é muito comum os repentistas fazerem desafios, nos quais cada um exalta suas qualidades e depreciam o colega.
Um desafio famoso é aquele que teria ocorrido entre o Cego Aderaldo e Zé Pretinho, quando Aderaldo deixa difícil a situação de Zé Pretinho com o trava língua da “Paca Cara”. Vejamos um trecho:
Um desafio famoso é aquele que teria ocorrido entre o Cego Aderaldo e Zé Pretinho, quando Aderaldo deixa difícil a situação de Zé Pretinho com o trava língua da “Paca Cara”. Vejamos um trecho:
Zé Pretinho (P.)
— Eu vou mudar de toada,
Pra uma que mete medo
— Nunca encontrei cantador
Que desmanchasse este enredo:
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!
Cego Aderaldo (C.).
— Zé Preto, esse teu enredo
Te serve de zombaria!
Tu hoje cegas de raiva
E o Diabo será teu guia
— É um dia,é um dedo, é um dado,
É um dado, é um dedo, é um dia!
P.
— Cego, respondeste bem,
Como quem fosse estudado!
Eu também, da minha parte,
Canto versos aprumado
— É um dado, é um dia, é um dedo,
É um dedo, é um dia, é um dado!
C.
— Vamos lá, seu Zé Pretinho,
Porque eu já perdi o medo:
Sou bravo como um leão,
Sou forte como um penedo
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!
P.
— Cego, agora puxa uma
Das tuas belas toadas,
Para ver se essas moças
Dão algumas gargalhadas
— Quase todo o povo ri,
Só as moças 'tão caladas!
C.
— Amigo José Pretinho,
Eu nem sei o que será
De você depois da luta
— Você vencido já está!
Quem a paca cara compra
Paca cara pagará!
P.
— Cego, eu estou apertado,
Que só um pinto no ovo!
Estás cantando aprumado
E satisfazendo o povo
— Mas esse tema da paca,
Por favor, diga de novo!
C.
— Disse uma vez, digo dez
— No cantar não tenho pompa!
Presentemente, não acho
Quem o meu mapa me rompa
— Paca cara pagará,
Quem a paca cara compra!
P.
— Cego, teu peito é de aço
— Foi bom ferreiro que fez
— Pensei que cego não tinha
No verso tal rapidez!
Cego, se não é maçada,
Repete a paca outra vez!
C.
— Arre! Que tanta pergunta
Desse preto capivara!
Não há quem cuspa pra cima,
Que não lhe caia na cara
— Quem a paca cara compra
Pagará a paca cara!
P.
— Agora, cego, me ouça:
Cantarei a paca já
— Tema assim é um borrego
No bico de um carcará!
Quem a caca cara compra,
Caca caca cacará!
Eis aí um desafio, feito no Repente, que, salvo engano, depois foi publicado em cordel.
Eis aí um desafio, feito no Repente, que, salvo engano, depois foi publicado em cordel.
O fato que as duas expressões da poesia popular - cordel e repente - têm muito em comum, usando muitas vezes as mesmas formas, com decassílabos ou sextilhas, e abordando toda espécie de assuntos. Sem contar que às vezes o cordel é feito em tal velocidade, que é quase um repente.
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