quinta-feira, 14 de novembro de 2013
João Limoeiro
Quando tinha 17 anos, no início dos anos 1960, João Antônio resolveu sair de Limoeiro pra morar no Recife. Foi trabalhar em uma fábrica. Numa sexta-feira qualquer, foi do trabalho pro Largo da Feira de Santo Amaro e viu a ciranda de Dona Duda tocando. Achou bonito, ficou lá a noite inteira, admirado e admirando. No sábado, resolveu ir ao Pátio de São Pedro ver a Ciranda Imperial da Bomba do Hemetério. Nesse dia o Zé, na época seu vizinho – que já o ouvia “cantando avulso no quintal” e dizia que “Esse camarada se for cantar, canta” – chamou João pra subir no coreto e se apresentar com a ciranda.
– Tu vai? – perguntou Zé.
– Oxe, eu vou – respondeu João.
E foi assim destemido, de supetão, subir no palco. Nesse mesmo dia, o menino João Antônio, saído de Limoeiro, virou artista. Conta que um senhor chamado Geraldo, locutor da Rádio Relógio, o olhou e perguntou: “Tu mora em que cidade?”. Ele respondeu que era do interior, da cidade de Limoeiro. “Pois então vai ser João Limoeiro e a Ciranda Imperial!”, e batizou ali mesmo aquele que viria a ser um dos mais conhecidos cirandeiros de Pernambuco.
Logo depois conheceu Antônio Baracho, “o maior cirandeiro do mundo!”. João Limoeiro diz isso num gesto amplo e conta que ele enxergou logo seu talento, lhe ensinando como tocar “em festa de verão, festa de São João, festa de Carnaval…”. E é assim que essa história começa, desaguando em 1981, quando lança seu primeiro disco de vinil e funda a Ciranda Brasileira de Carpina, que o acompanha até hoje, com seus 11 discos e 40 anos de carreira.
Antes disso, ele me conta que sua vida “era bater no canequinho, tocar berimbau, embolada, ciranda de engenho, maracatu…”. E segue assim, me explicando, na forma de uma lista interminável, a história da sua infância e de como começou a ter contato com a cultura popular antes da mudança pro Recife. A vida era fora de casa, correndo pelas ruas de Limoeiro. Tinha o irmão mais velho que frequentava uma ciranda de engenho, mas ninguém da família era artista. Mestre João se fez sozinho.
O cirandeiro tem um sorriso largo, que poucas vezes escapa do seu rosto. “Eu sou um artista popular, e artista popular não pode ser antipático, chato. Tem que tomar bicada com o povo, pagar bicada”, e ri mais uma vez. Traz na cabeça um chapéu branco com uma faixa marrom que o circula de um lado a outro. Ele diz que é seu estilo, e que já o copiam por aí: “Antes, nenhum cirandeiro usava chapéu. Depois de mim, um bocado por aí já usa”. Mas não se abala com os imitadores, que “vão pro palco e não têm minha mímica, meu gingado. Pra acompanhar meu batuque não tem jeito, não”. Na hora de tirar fotos com os instrumentos também mostra seu gesto característico: um dedo levantado acima da cabeça, no final da ciranda.”É minha marca registrada. Quando faço isso é porque a apresentação chegou ao fim”.
Depois de tirar fotos ao lado dos instrumentos, Mestre João Limoeiro tira o chapéu, encosta na parede ao meu lado, e confessa que anda preocupado. Ainda canta quatro, cinco noites e não cansa, mas se preocupa com a idade e com o futuro: “João Limoeiro pode ir, mas a ciranda brasileira fica”. Ele diz que anda pensando em anunciar no seu programa de rádio na Nova Carpina FM que está buscando um sucessor, alguém jovem. “Vou divulgar pra ver se crio essa pessoa”.
O ritmo da Mata Norte
João Limoeiro conta que inventou esse estilo de ciranda moderno, que além dos tradicionais tarol, surdo e ganzá, ainda tem dois tambores, trompete e muitas vezes dançarinos no palco fazendo coreografia . O estilo mais tradicional se chama ciranda de engenho, mais acelerado, quase sem acompanhamento de músicos, muito popular no interior nos anos 1950. “Era um pau, um candeeiro aceso no meio do engenho e o povo em volta”, explica o cirandeiro.
Na cozinha da casa de seu João, em cima de um armário branco suspenso na parede, estão expostos os seus troféus. São cinco, dispostos cuidadosamente do maior para o menor. Mas ele conta que, na verdade, já ganhou onze: dez de campeão e um de vice. Na ciranda tem competição, na qual se avaliam rima, oração, melodia e ritmo. Os grupos apresentam músicas ensaiadas do repertório e improvisos.
“E como é esse improviso?”, pergunto. Seu João faz cara de quem foi desafiado, se remexe na cadeira, endireitando a coluna, e me pergunta: “Como é o seu nome mesmo?”. “É Julya”. Clotilde, sua esposa há 35 anos, sorri da minha ansiedade na cadeira ao lado. E do pulmão do mestre João sai um canto lindo, rimado, um afago:
“Julya, Julya, Julya / Pessoa criteriosa / Uma figura amorosa / Admiro o jeito dela Justa, simples, santa e bela / Admiro seu sucesso / Eu trouxe um colar de verso pra dar de presente a ela”. E emenda nos versos que usa pra provocar os rivais das outras cirandas, nas competições: “Na minha mão você chia O seu terno bate fofo / O seu pistón cria mofo / Acabo seu ABC / Canto pra você roer / Lhe mato daqui pra ali / Toda vez que venho aqui / Faço vergonha a você.”
Nesse momento, é fácil entender por que os mestres de cultura popular que trabalham com a palavra, mesmo que com canções, são chamados de poetas. Seu João Limoeiro, em poucos minutos, fez poesia no terraço de casa. Os versos fluem como que por mágica. O olhar não se perde buscando uma palavra, a cadência não titubeia. É tudo preciso, certeiro. E termina dizendo com seu sorriso perene: “Ciranda é minha vida, é alegria, é verso. Se hoje eu tenho um lenço pra enxurgar o bigode, se eu tenho uma casa, um carro, foi a ciranda que me deu. Eu me orgulho até de dizer que sou cirandeiro”.
João Limoeiro se apresenta neste sábado (31/3), às 20h, no Encontro de Cultura Popular, na cidade de Buenos Aires, como parte da programação do Festival Pernambuco Nação Cultural 2012 – Mata Norte. Também se reúnem no local o Tupi Guarany, o Maracatu de Baque Solto Leão Mimoso de Buenos Aires e o Grupo de Coco de Roda. Ainda no sábado, o festival sedia um Encontro de Cirandeiros, às 21h, em Chã de Alegria (em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário), com a participação de Mestre Biu Passinho de Itaquintinga, Mestre Edmilson de Tracunhaém e Mestre Carlos Antônio de Itaquitinga.
Por Julya Vasconcelos Foto Costa Neto
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