terça-feira, 27 de abril de 2021

ADALTON FERNANDES LOPES é um dos mais conhecidos e importantes ceramistas fluminenses. Ele nasceu em 12 de outubro de 1938 na cidade de Niterói-RJ, onde viveu até 2005, ano da sua morte. Durante sua vida Adalton exerceu várias profissões: foi pescador, soldado da Polícia Militar, motorista, trabalhou na Companhia Costeira do Ministério dos Transportes. Entretanto, sempre alimentou o desejo de dedicar-se inteiramente à modelagem do barro, que já fazia desde criança, por brincadeira e, depois de adulto, por prazer, nas horas vagas.
Adalton Fernandes Lopes. Foto autoria desconhecida Quando era menino, recolhia barro no quintal e ficava em casa fazendo pequenas figuras para se divertir: cavalos, bois e fazendas em miniatura. As peças não eram queimadas e rachavam depois de secar. Conforme ele mesmo conta, passou-se um bom tempo até que descobrisse o barro apropriado e conhecesse as técnicas que garantem a durabilidade das figuras modeladas. A descoberta foi um pouco ao acaso. Aposentado em 1964, Adalton comprou uma Kombi e fazia fretes. Certo dia, conversando no botequim, comentou com os amigos presentes que precisava saber qual o barro adequado para seus trabalhos, pois a habilidade de modelar ele já possuía. Um ceramista português - seu Júlio - ensinou-lhe então que o 'barro gordo', próprio para modelar, podia ser comprado nas cerâmicas em Niterói. A partir de então passou a ocupar todo seu tempo com a cerâmica, aperfeiçoando constantemente sua técnica aprendendo a tornar-se senhor do barro e a tratá-lo de diferentes maneiras. Adalton trabalhou com extenso e variado leque temático: da arte erótica à vida de Cristo, passando por vendedores ambulantes, cenas de namoro, casamento e parto. Obcecado pelo desejo de dar vida a seus personagens, criou engenhocas imensas, onde centenas de figuras articuladas movimentam-se animadamente. Seus bonecos são inconfundíveis e apresentam uma visão especial da vida urbana.
Adalton Fernandes Lopes, vassoureiro, cerâmica policromada. Reprodução fotográfica www.acasa.org
Adalton Fernandes Lopes, amolador de facas, cerâmica policromada. Reprodução fotográfica www.acasa.org
Adalton Fernandes Lopes, ambulante, cerâmica policromada. Reprodução fotográfica www.acasa.org O reconhecimento da arte de Adalton pode ser avaliado pela sua participação, em 2001, da mostra Un art populaire, em Paris, promovida pela Fondation Cartier, que adquiriu para seu acervo o trabalho exposto. O artista apresentou na ocasião uma montagem com o título Samba. Tratava-se da encenação, através de mais de 500 bonecos de argila, de um desfile de escola de samba no Carnaval da cidade do Rio de Janeiro. Os personagens se movimentavam, dançando e cantando, ao som de uma bateria da escola de samba com seus tradicionais instrumentos. Participavam do desfile passistas, ritmistas, mestre sala, porta bandeira e alas. Na arquibancada do Sambódomo a platéia vibrava com o espetáculo, canta e torce como num desfile na Sapucaí. Adalton fez outros trabalhos enfocando a dinâmica do movimento, com muitos coadjuvantes: Espetáculo circense, palhaço, trapezista etc se exibindo; Extração de ouro no garimpo da Serra Pelada, homens subindo nos barrancos carregando o cascalho; Foliões brincando o carnaval no estribo do bonde, homens fantasiados cantando e sambando; Banda de Música, músicos uniformizados portando seus instrumentos, e outras cenas desta natureza. Adalton Fernandes Lopes, conjunto de folia de reis, cerâmica policromada. Reprodução fotográfica www.acasa.org Na cidade do Rio de Janeiro-RJ inúmeras de suas obras podem ser vistas no Museu do Folclore Edson Carneiro e no Museu Casa do Pontal. (TRAVASSOS, Elisabeth. Adalton: Bonecos de barro, 1985). Adalton Fernandes Lopes, jogo-totó, cerâmica policromada. Acervo do Museu Casa do Pontal, Rio de Janeiro, RJ. Adalton Fernandes Lopes, conjunto de folia de reis, cerâmica policromada. Acervo do Museu de História e Artes do Rio de Janeiro Adalton Fernandes Lopes, Serra pelada, cerâmica policromada. Acervo do Museu Casa do Pontal, Rio de Janeiro, RJ. Adalton Fernandes Lopes, roda de pagode, cerâmica policromada. Acervo do Museu Casa do Pontal, Rio de Janeiro, RJ.

domingo, 25 de abril de 2021

COM 123 ANOS DE EXISTÊNCIA,TRIBO INDIGENA CARIJÓS É A QUE MAIS OSTENTA TITULOS DO CARNAVAL DO RECIFE Por Michelle de Assumpção O caboclo Carijós é uma entidade bastante respeitada e celebrada na Jurema Sagrada, religião de matriz indígena e afro-brasileira, muito comum em terreiros do Nordeste do país. Entre seus feitos de proteção e de cura, está também o de ser o eixo espiritual fundante de uma manifestação cultural que, praticada nas ruas, tem como função primordial enaltecer a própria tradição religiosa que lhe criou. Trata-se do Caboclinho, expressão cultural composta por grupos de caboclos vestidos com roupas e cocares de penas, que saem às ruas num ritual marcado pela dança e música do Perré. Tambores, pífanos, gaitas de taboca e ganzá compõe a percussão.
Entre os caboclinhos de Pernambuco, é famosa a história de um certo estivador, de nome Antônio da Costa, que costumava incorporar, nas sessões de Jurema que participava, o Caboclo Carijós. Um certo dia, recebeu da entidade a orientação de formar um grupo, para que saíssem a festejar essa cultura pelas ruas do Recife, durante o Carnaval. E assim, nascia, em 1897, a Tribo Indígena Carijós, ou Tribo Carijós do Recife. O Caboclo Carijós, patrono da agremiação, está representado no estandarte da agremiação, que contabiliza 123 carnavais. As cores oficiais são o verde e o vermelho, representando, respectivamente, a mata e a guerra. A agremiação ostenta o maior número de títulos de todos os caboclinhos do Recife. Foi Hexacampeão (1970 a 1975); Tricampeão (1980 a 1982); outra vez Hexacampeão (1987 a 1992); Bicampeão do grupo Especial (2017 a 2018). Em 2016, foi homenageado pelo 120º aniversário da agremiação, em sessão solene especial na Câmara Municipal do Recife. Ganhou ainda mais força, quando, no mesmo ano, a manifestação do Caboclinho passou a ser considerada “Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil”, título conferido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A Casa do Carnaval, no Pátio de São Pedro, convidou o grupo para expor seus elementos e tradições, evento que culminou com uma disputada roda de debates, intitulada: “Caboclinhos, a Tribo Carijós e a preservação das expressões culturais”. Jan RibeiroJan Ribeiro Localizada na Mangabeira, Caboclinho Carijós já tem terreno comprado para construção de uma nova sede O reconhecimento – em forma de premiações e títulos – só fazia crescer. Em 2017, o grupo foi escolhido para ser o homenageado oficial do Carnaval do Recife, e desfilou neste ano com 220 componentes. Em 2018, a Tribo Carijós foi contemplada na terceira edição do Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia, da Secretaria de Cultura do Estado e Fundarpe. Em 2019 conseguiu mais um importante título: o de Patrimônio Vivo de Pernambuco. O título garante aos seus contemplados uma bolsa, atualmente no valor de R$ 3.200 mil. Com este valor, o grupo consegue manter sua sede e organizar eventos ao longo do ano, como oficinas de figurino, dança e instrumentos.
SONHO COM CABOCLO – Desde a sua fundação, a Tribo Carijós teve seis presidentes. Depois do estivador Antônio da Costa, o mais famoso foi Jefferson Roberto Cosme dos Santos, que pegou o caboclinho em 2011, depois que a agremiação estava há 13 anos sem conseguir desfilar no Carnaval (mas não por isto, acabada). Também foi por meio de mensagem de uma entidade que Jeferson soube que deveria assumir o grupo. Ele conta que teve um sonho, no qual participava de um ritual religioso e, num dado momento, o caboclo aparecia e apontava o dedo para ele. Jan RibeiroJan Ribeiro Sob a gestão do Pai Jeferson, falecido em dezembro de 2018, Carijós se reergueu e conquistou títulos e homenagens Seu entendimento, a partir desse sonho, foi que deveria assumir o Carijós. Consultou o Pai Clóvis, seu tio e liderança espiritual dos caboclinhos, na comunidade da Mangabeira, no Recife, onde está a sede do Carijós. O homem confirmou a vontade da espiritualidade e, assim, Jeferson passou a liderar o grupo. Sua figura era imponente e despertava o respeito de todos. Jeferson aparecia sempre vestido com seu terno branco, uma guia com as cores da Tribo no pescoço, e um cocar, que considerava sagrado por isto não poderia ser tocado por ninguém. No final de 2018, Jeferson começou a sentir uma dor inexplicável na coxa. Foi para um hospital e ficou internado tomando antibióticos. Depois de vinte dias, apresentando melhoras mas não o suficiente para receber alta, ele desenvolveu uma trombose, depois uma embolia pulmonar que ocasionou uma parada cardiorrespiratória. Ninguém conseguia acreditar que um rapaz jovem, 29 anos, cheio de responsabilidades, planos e sonhos, havia partido assim tão rápido e sem explicação. “Eu nunca imaginei assumir a tribo de 123 anos, reativada por meu irmão após 11 anos sem estar nos carnavais do Recife. Ele que a levou ao pódio, sendo campeão do Carnaval por vários anos, na sua gestão dele. Eu estava com uma responsabilidade enorme. Farei de tudo para jamais essa chama que Jeferson deixou cair no esquecimento. Tanto o nome dele quanto da Tribo Carijós serão exaltados por mim. O Carijós era a vida dele”, diz Anderson dos Santos, irmão de Jeferson. Ele já presidia o maracatu Encanto da Alegria e só tinha mesmo a experiência administrativa e financeira, mas não sabia muito sobre os preceitos de um caboclinho, quando teve que assumir a agremiação. Jan RibeiroJan Ribeiro A cabocla Nanci confirmou que Anderson deveria dar continuidade ao legado do irmão, Pai Jeferson, na condução do Carijós Anderson não queria assumir, achava que um outro integrante do grupo é quem deveria ficar com a missão. Três meses depois de realizarem o Axexê –
cerimônia fúnebre do povo de terreiro – foram consultar a Jurema Sagrada para terem a resposta sobre a continuidade do trabalho com o Carijós. “A cabocla Nanci veio e disse que o desejo dele era que a Tribo permanecesse entre nós. Eu queria que Pedro assumisse a tribo. Ele já era da tribo. Mas a entidade me escolheu, e tive que aceitar e assumir. Não ia deixar o legado se acabar”, conta Anderson. Ele explica que, na prática, a administração do Carijós atualmente é um colegiado. Não quer ser chamado de presidente e, pela sua vontade, o último presidente da Tribo foi Jeferson. Jeferson faleceu sem ver ser realizado um dos seus sonhos, o de ver a Tribo Carijós se transformar em Patrimônio Vivo de Pernambuco. “A gente já tinha tentado três anos, e veio em 2019. É o que está ajudando a manter o grupo. Nossa sede é provisória, ao lado do terreiro, que era de Jeferson. Todo recurso da Tribo hoje o principal é o Patrimônio Vivo que capitaliza, seja para manter oficinas, dança, adereços, indumentárias, confecção de instrumentos. E outros recursos é captado por nós. Fazemos apresentações, como FIG em 2019. Depois do Carnaval, também participamos do projeto Outras Palavras. Esse ano aconteceu uma novidade, participamos do Festival de Dança do Recife. Nunca uma tribo de caboclinhos havia participado. Demonstramos como se dança o Perré, Tesoura e Cocá”, conta Anderson. Apesar da tristeza e incredulidade pela partida prematura de Jeferson, ele conta que o grupo está firme e disposto. No Carnaval de 2020, desfilou com cerca de 330 componentes. Algumas da Mangabeira, outros que vêm do Alto José do Pinho, Bomba do Hemetério, Água Fria, bairros por onde a Tribo Carijós já teve sede, no passado. Passado o Carnaval, Anderson planeja fazer o que o irmão sempre fazia: reunir os jovens da comunidade e praticar a transmissão dos saberes: ensinar a manusear e tocar os instrumentos que compõe o terno do Caboclinho; pegar corretamente no arco, confeccionar o figurino, saber a história da tribo, como surgiu e como vem se mantendo. “Uma vez no mês estamos indo numa escola da comunidade, nos reunimos com as crianças. Sempre quando tem festividades, também levamos a tribo para as escolas”, conta Anderson. Outro sonho de Jeferson pode estar perto de ser concretizado: construir a sede própria do grupo. Anderson conta que quando recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, a primeira coisa que fez foi ir contar ao irmão. Comprou flores e foi até seu túmulo, no cemitério de Casa Amarela, dar a notícia e conversar espiritualmente com o irmão. O terreno, que fica ao lado do terreiro de Jurema que protege o Carijós, já está comprado. É lá que será erguida a sede própria da Tribo Carijós do Recife, agora sob a proteção de mais um filho de sua linhagem. “Lá será guardado o cocar de Jeferson, o cocar tem o fundamento religioso dele, e ninguém poderá usar”, determina o irmão. TAGS:CABOCLINHOCULTURA POPULARPATRIMÔNIOS VIVOSTRIBO CARIJÓSTRIBO INDÍGENA CARIJÓS DO RECIFE< VOLTAR PARA HOME