quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017




     Jan Ribeiro

Mamulengueiro Zé Lopes é Patrimônio Vivo de Pernambuco

Reconhecimento do Governo do Estado vai facilitar a transmissão dos saberes do mestre, considerado um dos nomes mais representativos da tradição do mamulengo e um dos mais antigos em atuação.

 por Marina Suassuna


José Lopes da Silva Filho, conhecido como Mestre Zé Lopes, nasceu no dia 21 de outubro de 1950 na cidade de Glória do Goitá, Zona da Mata Norte de Pernambuco. O primeiro contato com a brincadeira do mamulengo foi aos 10 anos de idade. “Eu ia no mamulengo com minha mãe, ajudá-la a vender bolinhos e me apaixonei pelos bonecos. Eu era um garoto tímido e os bonecos tiraram essa timidez. Minha mãe dizia que ser mamulengueiro não era profissão. Ela queria que eu fosse engenheiro mecânico e eu já pensava: tem um mundo lá fora pra o mamulengo conquistar. E realmente teve e ainda tem”, diz o mestre, que agora é Patrimônio Vivo de Pernambuco.
Uma das formas de teatro popular mais genuinamente brasileira, o Mamulengo consiste na manipulação de bonecos de madeira com um notável senso de improvisação. A brincadeira tem uma estrutura própria, da qual fazem parte histórias, lendas, linguagens próprias, personagens fixos, pancadarias, música e dança. Inspiradas na literatura de cordel,  as histórias são repassadas de geração para geração, sem perder a comicidade.
Reconhecido como um dos mestres mais representativos da tradição do mamulengo e um dos mais antigos em atuação, Zé Lopes foi agraciado pelo Iphan com o Prêmio Teatro de Bonecos Popular do Nordeste - Mamulengo, Cassimiro Coco, Babau e João Redondo e, recentemente,  com o Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia.
Jan Ribeiro

Mestre Zé Lopes recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco das mãos do governador Paulo Câmara, em dezembro de 2016
Foi em 1962, aos 12 anos de idade, que ele criou o primeiro boneco: “Conheci vários mamulengueiros, mas não bonequeiros. Eu quis ser as duas coisas e tive que descobrir e entender a diferença entre eles por conta própria. Bonequeiro é quem produz, quem elabora os bonecos e o mamulengueiro é quem apresenta a brincadeira. Eu também apresento boneco dos outros, mas é melhor lidar com o seu filho. Pois já sabemos a personalidade dele, o peso, o cheiro, o suor. O boneco, quando você faz e sente que terminou, ele já é corpo e alma.  Foi uma dificuldade aprender a fazê-los, saber qual madeira usar, qual a tinta, como era que ele se vestia. Tive que descobrir sozinho e hoje eu tenho essa alegria e esse prazer de sentar e poder repassar.”
MAMULENGO TEATRO DO RISO
Foi também em 1962 que surgiu o primeiro grupo do qual participou, o Mamulengo São José, composto por 5 pessoas, incluindo dois tios de Zé Lopes. O grupo atuou até 1971, quando o mestre deixou Glória do Goitá e foi morar em São Paulo. Durante esse período longe de sua terra, exerceu outras profissões, mas não deixou de fazer os bonecos e contar as histórias do Mamulengo, pois sempre pensava em retornar à sua terra natal. ”Eu não conto que eu passei oito anos afastados da arte porque mamulengo é como bicicleta: aprendeu a andar, não desaprende mais. Foi importante pra mim ir pra São Paulo, trabalhei como metalúrgico e conheci várias outras áreas, mas nunca deixei de ser mamulengueiro. Eu não estava com os bonecos lá, mas continuava contando as histórias, as loas, ensinando e sendo mamulengueiro.”
Ao retornar para Pernambuco em 1982,  encontrou o Mamulengo esquecido. Muitos mestres tinham deixado de brincar por falta de apoio, inclusive o Mestre Zé de Vina, um dos mais antigos mestres mamulengueiros do Estado. Em Glória do Goitá, hoje reconhecida como “a capital do Mamulengo”, a brincadeira estava proibida por questões políticas. Depois de muita luta, conseguiu retomar seu grupo e mudou o nome para Mamulengo Teatro Riso. A estreia foi no dia 02 de dezembro de 1982, na festa do Levantamento da Bandeira de Nossa Senhora da Conceição.
A primeira formação do Mamulengo Teatro do Riso foi composta por amigos que
sempre acompanharam a história do Mamulengo. A brincadeira era como um complemento à renda familiar, pois não era possível viver exclusivamente dessa arte. Vários outros mamulengueiros tinham suas profissões, comumente ligadas à agricultura e faziam a brincadeira por amor. Vale a pena ressaltar que, naqueles tempos, a brincadeira não era valorizada e nem reconhecida como arte. Hoje, seus filhos Cirleide Nascimento (Cida Lopes), Larissa Nascimento e sua esposa, Marinês Tereza, são os integrantes do Mamulengo Teatro Riso. Todos eles aprenderam a brincadeira, a confecção de bonecos, montaram também seus próprios grupos e hoje se apresentam com o desejo maior de dar continuidade a esse trabalho, preservando sua tradição.
Ao longo desses 34 anos, o Mamulengo Teatro Riso já se apresentou e realizou oficinas em festivais em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Olinda, percorreu todo o território brasileiro com o SESI Bonecos do Mundo, além de ter representado o Brasil em países como Espanha, Portugal e Itália.
RECONHECIMENTO
Hoje, com seus 66 anos, Mestre Zé Lopes continua repassando os seus saberes e sua vivência como Mestre Mamulengueiro, ministrando oficinas de confecção e manipulação de bonecos em escolas, associações, festivais e museus pelo Brasil e pelo mundo, além de ser objeto de estudo de inúmeros pesquisadores da arte popular, tendo contribuído diretamente com o trabalho de estudiosos de diversas instituições. “Esse reconhecimento de Patrimônio Vivo chegou num momento muito bom da minha vida, foi muito importante pra eu continuar repassando a minha história.”
Zé Lopes percorreu quase todo o território brasileiro e alguns países da Europa disseminando a rica tradição do mamulengo.  ”Tive a chance de ir pra Portugal duas vezes, Espanha, Itália. Sou muito agradecido ao SESI, que me fez conhecer o Brasil inteiro e também à Fundarpe, que realizou o primeiro Encontro de Mamulengueiros, em 1985. Foi quando eu conheci outros bonecos e muitos mestres. Foi o pontapé inicial pra eu continuar nessa luta.”
Jan Ribeiro

Os bonecos do Mestre Zé Lopes percorreram quase todo o território brasileiro e alguns países da Europa
O seu trabalho também pode ser visto na minissérie global A Pedra do Reino, escrita por Ariano Suassuna e dirigida por Luiz Fernando Carvalho e no cinema, no filme Abril Despedaçado, de Walter Salles. “Ver o mamulengo na televisão, no teatro, sendo usado como objeto de pesquisa, entrando nas escolas, coisas que  antes eram ignoradas, me deixa feliz da vida. Pois o mamulengo não é só pra o pessoal lá do sítio ficar ouvindo as piadas dos bonecos, tomando um gole de cachaça.  O mamulengo faz pessoas de todas as idades riem. A criança vira adulto diante dos bonecos. Pois elas é que resolvem as confusões dos bonecos, então a criança já mostra uma capacidade de resolver problemas, isso é muito importante. A criança se sente responsável por aquele ato, por aquilo que ela viu. E o adulto se transforma numa criança, fica abobalhado”, reflete. 
Zé Lopes contribuiu, ainda, com a formação de muitos bonequeiros, entre eles Cida Lopes, Larissa Nascimento e Marinês Tereza, que fundaram o Mamulengo Alegria, atualmente em plena atividade. É responsável, ainda, por coordenar o Centro de Revitalização e o Memorial do Mamulengo, criado pelo Só Riso em Glória do Goitá.
A ALMA DA BRINCADEIRA
“O boneco quando chega, quer aparecer. O boneco tem muita malícia. Quer ver o mamulengo ficar arrasado? Se ninguém provocar o boneco. É uma brincadeira que o público tem que se meter”, explica o mestre. De acordo com o registro de alguns pesquisadores, atualmente o mamulengo pernambucano dispõe de 120 bonecos, todos provenientes da Zona da Mata, de Glória do Goitá e Vitória de Santo Antão.
Uma coisa muito importante do boneco é que ele tem a capacidade de explicar melhor. Quando participo de alguma campanha de saúde, ninguém vai ignorar a linguagem do boneco. É diferente de chegar um doutor ou uma doutora pra falar. Se ele fala sobre alguma coisa de grande responsabilidade, como a prevenção ao vírus da Aids, e dez pessoas escutam, daqui a pouco mais de cem sabem aquela história certinha e repassam tudo que o boneco falou. Porque as pessoas escutam o boneco, dão razão a ele. O boneco faz com que as pessoas gravem as informações. Tudo que ele fala fica perpetuado.
Para isso, Zé Lopes diz que o mamulengueiro não pode aperfeiçoar a linguagem, “senão o povo não entende o que ele quer dizer. Simão, por exemplo, é um personagem que chamava a mãe dele: ôôô mãããeee… Hoje ele já pega o celular pra discar pra mãe e assim a gente vai contando a história de Simão com um toque moderno, mas sem tirar a música tradicional. A gente não pode botar muito moderno, pra não tirar a essência,  o cheiro da historia do personagem.
Cultura PE.


BIG BROTHER BRASIL, UM PROGRAMA IMBECIL
Autor: Antonio Barreto, natural de Santa Bárbara-BA,
residente em Salvador.
Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.
Há muito tempo não vejo
Um programa tão ‘fuleiro’
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.
Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, ‘zé-ninguém’
Um escravo da ilusão.
Em frente à televisão
Lá está toda a família
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme ‘armadilha’.
Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.
O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.
Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.
Um país como Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação.
Respeite, Pedro Bienal
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Dar muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.
Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social
Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério – não banal.
Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.
A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os “heróis” protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.
Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já tornou-se imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.
Talvez haja objetivo
“professor”, Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.
Isso é um desserviço
Mal exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude.
É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos “belos” na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.
Se a intenção da Globo
É de nos “emburrecer”
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.
A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.
E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não deem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.
E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.
E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados
Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados.
A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.
Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.
Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores?
Barreto termina assim
Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal…
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal…
FIM
Salvador, 16 de janeiro de 2010

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017





Livro registra história das bandas de pífanos do sertão pernambucano

Financiado com recursos do Funcultura, do Governo de Pernambuco, publicação é fruto de profunda pesquisa que visa inscrever a tradição dos pífanos no Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, do Iphan


Visitas a dezoito municípios do Sertão do Moxotó, Pajeú e Central, entrevistas com integrantes de trinta bandas atuantes e também inativas, e o resultado está pronto: Pífanos do Sertão, o segundo volume da coleção de livros da Página 21, que tem trabalhado com o mapeamento das bandas de pífanos em Pernambuco. O lançamento ocorrerá com tarde de música e autógrafos, no próximo domingo (12), às 15 horas, no Cais do Sertão, no Bairro do Recife. Haverá um bate papo sobre a pesquisa e, ao final, show da Banda de Pífanos de Conceição das Crioulas (Salgueiro – PE), um dos grupos inseridos no mapeamento.
Divulgação/Página 21

A banda de Conceição das Crioulas (Salgueiro) anima o lançamento da publicação
Em 144 páginas, Pífanos do Sertão revela aspectos sociais, econômicos e culturais que envolvem as bandas de pífanos sertanejas, detalhando a importância da religiosidade em suas funções, as peculiaridades sonoras de cada uma e a labuta que empreendem para se manterem vivas. O livro, amplamente ilustrado, traz ainda um apêndice com partituras de benditos, marchas e baiões de grande difusão entre os grupos sertanejos.
O livro teve organização de Rafael Coelho, textos de Eduardo Monteiro, artigos de Amaro Filho, Caca Malaquias e José Cláudio Lino, fotos de Claudia Moraes, transcrição de partituras por Caca Malaquias e diagramação de Vladimir Barros. Tanto este quanto o primeiro da série (Pífanos do Agreste) foram realizados a partir de extensas pesquisas de campo, com acompanhamento e metodologia aplicada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Pelo método, são visitados todos os grupos ativos – aqueles que mantêm apresentações com certa regularidade – assim como pessoas de grupos que já foram atuantes, mas que ainda guardam a memória da tradição pifeira.
O projeto faz parte do esforço para que as bandas de pífanos obtenham o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, com o título de Patrimônio Imaterial do Brasil, concedido pelo Ministério da Cultura/Iphan. A luta pela salvaguarda vem sendo empreendida por pifeiros e pesquisadores de todo o Brasil desde a realização do II Encontro de Bandas de Pífanos (Tocando Pífanos), realizado pela Página 21, em Olinda, no ano de 2010.
Mas antes mesmo disso, ao longo dos últimos dez anos, a produtora vem dedicando seus esforços em projetos de valorização desta tradição. Entre eles, destacam-se: Pífanos na escola (fabrico do instrumento e aula espetáculo), Pífanos e Mamulengos (circulação das duas expressões), Eu Toco Pife (circulação de shows com bandas de pífanos), Pífanos na Mata (circulação na zona da mata de PE), Tocando Pífanos (encontro internacional de bandas de pífanos), além da produção de CDs, pesquisas e mapeamentos das bandas de pífanos de Pernambuco (em andamento).
Divulgação/Página21

O mestre Antônio de Carnaíbas sendo entrevistado por Amaro Filho, Eduardo Monteiro e Cacá Malaquias
A série de livros, idealizada e executada pela produtora, começou em 2015, com o lançamento de Pífanos do Agreste, que mostrou a história passada e presente dos grupos de pífanos de cidades agrestinas pernambucanas. “Boa parte dessas ações foram incentivadas pelo Funcultura, não seria possível chegarmos aonde chegamos e onde queremos chegar sem o apoio do poder público, quer seja no nível nacional, estadual ou municipal”, pontua Amaro. Ele agora tenta viabilizar outra publicação, que mapeará os pífanos pelos outros sertões: Itaparica, Araripe e São Francisco.
O produtor confirma que todas essas ações passaram a objetivar a feitura de um dossiê bastante substancioso acerca do tema. O pedido oficial já foi feito. Durante o projeto Tocando Pífanos, ocorrido em Olinda, em outubro de 2015, o mestre Sebastião Biano (96 anos e tocando pife), entregou a documentação ao Gerente da Representação do Iphan, em Olinda, Fernando Augusto. “Todo o processo está agora em Brasília, e estamos finalizando o dossiê técnico (INRC – Inventário nacional de referências culturais) com os formulários da pesquisa. É um período longo, cerca de 18 meses para a análise do pedido, mas estamos preparados e unidos em torno desse propósito”, relata Amaro.


                                          PINTO DO MONTEIRO

Severino Lourenço da Silva Pinto foi um poeta superlativo. Astuta raposa, cobra das mais venenosas. O seu poder de criação e a velocidade de raciocínio muitas vezes faziam as palavras tropeçarem umas nas outras, não pelo verso quebrado, absolutamente, mas quase engolindo sílabas, dada a ligeireza dos versos despejados em turbilhão. Autor de versos contundentes, tudo nele transpirava grandiosidade. Foi um gênio da cantoria.


A data de seu nascimento é incerta. Mas numa entrevista concedida a Djair de Almeida Freire, em 11/04/1983, na casa do poeta, ele revelou sua idade. Eis os principais trechos:

"Meu nome é Severino Lourenço da Silva Pinto Monteiro, nasci em 1895, a 21 de novembro, a uma da madrugada, assim dizia minha mãe. Batizei-me a primeiro de janeiro de 1896, pelo padre Manoel Ramos , na Vila de Monteiro. Nasci na rua, mas morava em Carnaubinha. Com sete anos de idade, em 1903, fui para a Fazenda Feijão. Saí de lá em 1916, 30 de junho. Meus avós eram da Itália. Quando chegaram por aqui se misturaram com sangue de português. Esse Monteiro é parente dos Brito, eu sou parente dos Brito".

Essa figura legendária, que atendia pelo nome de Pinto do Monteiro correu muito trecho pelo Brasil afora. Filho de um tropeiro com uma doméstica, Pinto experimentou muitas profissões, antes de se dedicar inteiramente à viola. A primeira foi de vaqueiro. Foi soldado de polícia, guarda de serviço contra a malária, auxiliar de enfermeiro, vendedor de cuscuz no Recife. "Depois larguei os cuscuz e ficava cantando na calçada do mercado de São José", declarara o próprio Pinto, certa vez. Recordava outra vez que, ao cantar como estreante, alguém o alertou: "Se você continuar, vai cantar de assombrar o mundo". E assombrou.

Ele tinha 25 anos quando começou a cantar. Foram seus mestres de cantoria Saturnino Mandu, de Poções (PE), Manoel Clementino, de Sumé (PB), e José de Lima em companhia de quem foi para o Recife onde cantou com muitos repentistas daquele Estado.

Em 1940, já tendo adquirido bastante experiência como cantador e mestre em cantoria, viajou para o Amazonas, onde até 1946 exerceu as funções de guarda do serviço contra a malária, ora em Porto Velho, ora em Guajaramirim, ora em Boa Vista. Quando voltou veio morar no Ceará. E em 1947 muda-se para Caruaru (PE). Depois mudou-se para Sertânea (PE), mais perto de Monteiro.

A característica marcante da cantoria de Pinto foi a naturalidade e rapidez de improviso. Cognominado "A Cascavel do Repente", Pinto era ágil, certeiro, veloz, e também venenoso e mortífero, deixando muitas vezes o oponente mudo e sem resposta. Numa ocasião, foi convidado a assistir a uma cantoria, em que um dos repentistas era Patativa, poeta ruim, cuja viola era toda enfeitada de fitas coloridas, Alguém pediu ao dono da casa que deixasse Pinto cantar. "Com a gente, não, não, só se for sozinho", defendeu-se a dupla. Pinto ficou em pé, no meio da sala, e disse:

Eu não sei como se ouve
Cantor como Patativa
Toda pronúncia é errada
Toda rima é negativa
A viola só tem fita
Mas a cantiga é merda viva".

A troca de "amabilidades" com qualquer que fosse o cantador era uma constante. Se o adversário era ruim, apertava o cerco. Se, por outra, era um do porte de Lourival Batista, a disputa fervia. Destemido, lutou contra cangaceiros, quando era da polícia. Mas, não chegou a lutar contra Lampião, pois somente quando estava no Acre, no serviço contra a malária, é que o famoso sertanejo entrou no cangaço.

A Cascavel do Monteiro esguio, estatura mediana, teve quatro mulheres. Nenhum filho, ao menos oficialmente. Aprendeu a ler e a escrever, já adulto, o que foi suficiente para aprimorar conhecimentos de história e geografia gerais, história antiga, história do Brasil. Gostava de escrever poemas e cartas aos amigos. Era um assombro de agilidade e insolência. Malcriado como sempre, acabava com o violeiro nas primeiras linhas.

Cantando em Caruaru, com Aristo José dos Santos, ouviu a estrofe que assim terminava: "moço comigo é na faca / velho comigo é no pau". Respondeu:

Mas eu sou como lacrau
Que do lixo se aproxima
Vivendo da umidade
Se alimentando do clima
Pra ver se um besta assim
Chega e bota o pé em cima.

Se provocado não tinha papas na língua nem conveniências. E o contendor era obrigado a recuar porque, com sua peculiar fertilidade de versejar, era capaz de fazer uma segunda sextilha antes que o outro se refizesse do choque da primeira resposta. Cantando uma vez com Joaquim Vitorino, este caiu na asneira de fazer referências às lapadas de cana de um primo seu. Pinto então fez esta sextilha, causando um certo desconforto no companheiro:
Você bebe até veneno!
Seu pai é bom troaqueiro,
Manoel, um ébrio afoito
Vive apanhando em Monteiro!
Quem tem uma corja desta
Não fala de cachaceiro.

A cantoria é uma manifestação muito criativa. E cantar de improviso requer muita agilidade de pensamento. E Pinto tinha tudo isso. Ele atravessou décadas cantando. Conheceu uma centena de repentistas, duelando com muitos deles. Desafiou grandes cantadores, como Lourival Batista, Dimas Batista, Pedro Amorim, Rogaciano Leite, Heleno Pinto (seu irmão), Antônio Marinho e muitos outros. "Eu assisti Pinto no auge, com Louro. Várias vezes. Nunca consegui saber qual dos dois estava na frente. No mínimo, era um empate", relembra Raimundo Patriota. E acrescenta: "Seguir o estilo de Pinto era muito difícil. Era um estilo muito pessoal. Muitos tentaram, mas não conseguiram". A verdade é que o nome de Pinto tomou-se um marco no universo da poesia improvisada do Nordeste. Diz-se que foi o maior.

Certa vez, ao ser perguntado sobre os maiores repentistas, Pinto não titubeou: "Foi o sogro e o genro" (referindo-se a Antonio Marinho e Lourival Batista). Com Job Patriota, foi mais direto: "Do meu tamanho mesmo, só Louro e Antônio Marinho. O resto é assim do seu tamanho". Quanto a Rogaciano Leite, considerado discípulo da Cascavel, Pinto coloca-o no rol dos grandes, chamando-o de "monstro".

João Furiba cantou muito com Pinto e não tinha medo de apanhar. No Festival de Violeiros de Olinda, em 1984, Furiba homenageou o mestre, presente ao acontecimento. "Seu verso hoje é açude / que abarrota a represa / rio que não perde a água / planta que possui beleza / gênio que desdobra o mundo / por conta da natureza".

Não se sabe, ao certo, com que idade Pinto morreu. Uns dizem que ele era de 1895, outros, de 1896. O próprio dizia que nasceu ora em 2 de novembro de 1896, ora em 21 de novembro de 1895. Afirma-se que morreu com mais de cem anos. Testemunhos dizem que era mais novo do que Antônio Marinho apenas dois anos. Conforme esse dado, Pinto teria morrido aos 101 anos, uma vez que Marinho é de 1887. Já velhinho, carregava um pandeiro para acompanhá-lo nos improvisos, alegando que "o volume é mais pequeno / e o pacote é mais maneiro".

Para alegria dos admiradores, Pinto deixou sua voz registrada em dois LP's — Pinto do Monteiro: Vida, Poesia e Verdade, produzido pela Fundação Joaquim Nabuco, e Pinto de Monteiro e Zé Pequeno: acelerando as asas do juízo, selo independente. Há, ainda, sua imagem e voz em inúmeras fitas de vídeo, Super-8, cassete, cinema. Deve haver, também, registro de muitos dos festivais dos quais participou, no Recife, São Paulo, João Pessoa, Fortaleza, Caruaru, Limoeiro, Petrolina, Campina Grande, entre outros.

No I Congresso de Cantadores do Recife, organizado por Rogaciano Leite, em 1948, no teatro de Santa Isabel, Pinto do Monteiro foi o grande vencedor, juntamente com o piauiense Domingos Martins Fonseca. Em dezembro de 1970, foi ao Festival de Cinema de Guarujá, com Lourival Batista, Job Patriota, Pedro Amorim, José Nunes Filho. Teve participação em filmes, entre eles, Nordeste: Cordel, Repente, Canção, dirigido por Tânia Quaresma.
Certa vez, Pinto cantando com um outro seu colega, este elogiava o Sertão, terra do velho cantador, e terminou uma sextilha assim: "Não sei medir o tamanho / dessa gente sertaneja". Pinto pega na deixa e diz, com sua maneira autêntica de sertanejo puro e de versos fáceis:
Que eu esteja em casa ou não esteja
chegue, entre e arme a rede
coma se estiver com fome
beba se estiver com sede
se quiser se balançar
empurre o pé na parede.

De outra feita, numa dessas suas grandes e ferrenhas lutas, em seu desafio o parceiro termina uma sextilha assim: "quando eu for para o outro mundo / vou lhe promover a galo". Facilmente, Pinto jogou esta sátira:
Se eu gozar desse regalo
concedido pela providência
quando eu for pra o outro mundo
havendo esta transferência
você vem como galinha
para a mesma residência.

Pinto era um verdadeiro cantador de repente. Bem diferente dos que normalmente conhecemos, que seguem uma rotina. Ele não. Respondia ao que lhe perguntam e revidava conforme lhe feriam. Numa cantoria, seu colega querendo atacá-lo, disse: "Aqui nesta cantoria / eu quero deixá-lo rouco". Pinto, com sua inesgotável idéia, responde:
Cantar com quem canta pouco
é como viajar numa pista
com um carro faltando freios
o chofer faltando a vista
e um doido gritando dentro:
"atola o pé motorista".

Em toda cantoria há o momento dos elogios, em que o cantador faz uma exaltação ao ouvinte, para agradá-lo e a paga ser recompensável. Era uma delas, o velho Pinto elogiava um sujeito e tudo fazia para agradá-lo. O camarada foi se retirando e não pagou. Pinto notou que ele tinha uma verruga no rosto e imediatamente soltou a dele, com esta sextilha:
Eu não posso confiar
em cabra que tem verruga
cachorro de boca preta
terreno que não enxuga
comida que doido enjeita
e casa que cigano aluga.

Sua viola era sagrada. Tinha um ciúme danado dela. Quando ele próprio sentiu que já estava próximo da morte, pois se encontrava muito doente, fez a seguinte recomendação à sua mulher:
Velhinha, quando eu morrer
Conserve a minha viola
Bote ela numa sacola
E deixe o rato roer
Barata dentro viver
O morcego morando nela
O cupim comendo ela
E ela perdendo o valor
Só não deixe cantador
Bater mais nas cordas dela.

De 1988 até a morte, Pinto permaneceu em Monteiro. Já cego e paralítico, porém totalmente lúcido, entregou-se à morte por absoluta falta de opção, numa noite de domingo, 28 de outubro de 1990, após viver mais de nove décadas, pelo menos, e deixar seu nome inscrito nos anais da fama, como cantador dotado de muita agilidade mental e muita ironia.Seu derradeiro sonho era morrer em Pernambuco, próximo dos companheiros de viola. Não o realizou, mas garantiu que ficaria para semente, como, de fato, ficou, brotando na memória do improviso:
Quando os velhos morrem
Os que ficam cantam bem
Duda passou de Marinho
Por mim não passa ninguém.
Eu vou ficar pra semente
Prá séculos sem fim amém.


Fonte: Cultura Nordestina