segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Foto: O casamento de Meirinha | #Gonzaga100

Tudo estava sob a meia luz do candeeiro: a noiva toda pronta, o pai, ansioso; na igreja, se remexiam as sombras desenhadas pela chama das velas. O caminho da casa para o altar era demasiado curto. Não havia caminho. Sair de casa era dar de cara com a Igreja de São João Batista. Mas o combinado era que o trajeto fosse feito com a energia elétrica ligada. Seria a primeira vez que a Fazenda Araripe veria as lâmpadas acesas. E justo no dia do casamento de Meirinha.

Leia aqui o quarto texto da série "Encontro com Luiz", especial da Secult-PE, assinado pelo repórter Chico Ludermir, em homenagem ao centenário de Gonzaga: http://bit.ly/Vyacui


 O CASAMENTO DE MEIRINHA

Tudo estava sob meia luz do candeeiro: a noiva toda pronta,o pai ,ancioso;na igreja,se remexiam as sombras desenhadas pela chama das velas. O caminho da casa para o altar era demasiado curto. Não havia caminho.Sair de casa era dar de cara com a igreja de São João Batista.Mas o combinado era que o trajeto fosse feito com  a energia elétrica ligada. Seria a primeira vez que a Fazenda Araripe veria lâmpadas acesas. E justo no dia do casamento de Meirinha.
Faltava somente uma autorização vinda de Serra Talhada para acionar a chave. E veio.Uma efusão em massa ecoou dentro da igreja,onde estavam aglomerados todos os moradores da região. Acenderam-se as luzes. Era a hora. Meirinha abraçou-se com o pai e adentrou naquele momento tão aguardado,ao som da marcha nupcial tocada na sanfona por Luiz Gonzaga ao lado de Dominguinhos. O Rei do Baião escolhera que este seria o presente para a conterrânea que ele vira crescer. O ano era emblemático 1968,que ficou marcado na cidade do Exu como o ano do centenário do Araripe. Depois do casamento,ainda houve duas semanas de festas que Meirinha e o marido Osmar não chegaram a ver,pois saíram em lua-de-mel.Mas,Luiz Gonzaga,o filho mais célebre da região,não só esteve presente como fez questão de levar música.
 Levou a composição  "Meu Araripe",que tocada até hoje como hino naquela terra. A letra singela fala dos "grandes" do lugar,como a heroína Barbara de Alencar e o Barão Gualter Martiniano Araripe. Dessa história lendária,Rosimeire guarda cada detalhe. Aliás,não só desta. Prestes a completar 70 anos,Meirinha sai puxando com naturalidade os fios de sua memória impressionante e compartilha,na sua forma bonita de contar. Com cada erre puxado,sertanejo,vai emaranhando as lembranças.Muitas delas divididas com Gonzaga. Trinta anos mais nova que o mestre Lua, Rosimeire Aires de Alencar,em verdade,faz parte da família dos donos da fazenda.Terra que passou do seu avô,Manoel Aires de Alencar(Coronel Manelaires,prefeito duas vezes da cidade do Exu),para o pai,Clóvis,e seus filhos. Mesmo morando longe,em Petrolina,Rosimeire e seus irmãos ainda mantêm casas ali. Seu Januário e Madrinha Santana eram "agregados",como se chamavam os trabalhadores que também moravam na fazenda. E todo mundo se tratava por compadre e comadre.Quando nasceu Meirinha,Gonzaga já tinha ganhado o mundo depois de ter perdido um amor. Ouvia falar do "parente" nos bates papos nas calçadas,muitas vezes ao lado de uma fogueira para acalentar o frio das noites do Sertão. "Gonzaga tinha ido embora,porque tinha arranjado uma namorada e os pais achavam que havia uma disparidade social. Não queriam que Gonzaga levasse avante o namoro com essa moça que se chamava Nazarena,diziam". E Meirinha escutou essa história muitas vezes. Foi só em meados de 1940 que tiveram noticias concretas de Luiz.Certa vez,chegou uma carta dele avisando que estava para assinar contrato com uma rádio no Rio de Janeiro,e que tocaria duas vezes por semana. Na casa dos Alencar,tinha um rádio de pilha que o compadre Clóvis movimentava os ponteiros todas as terças e quintas. O programa começava com um aboio e a gente logo identificava. O que ele cantava depois era a essência do ser humano daqui do Nordeste.Saudade,alegria,tristeza,fauna e flora,tudo isso Gonzaga cantou. E cantou despejando todo um sentimento de exílio ",conta Rosimeire. A primeira volta de Luiz Gonzaga pro Araripe aconteceu quando Meirinha era criança. A vontade que ela tinha era de ir pra casa de comadre Santana e não sair mais de lá. "Mamãe dizia: ' O pouco parece bom e o muito sempre aborrece ",lembra. Mas é que ele pegava a sanfona e aquilo deleitava a gente",justifica. A admiração de criança se mantém junto a recordações de uma vida inteira,com momentos bons e ruins. No tempo da "guerra do Exu",conflito entre as famílias Alencar,Sampaio e Saraiva,uma pessoa conhecida como Coronel Chico Romão arrebentou toda a casa de Rosimeire:portas,janelas .mesas ,camas.Levaram joias,dinheiro. " A sorte é que não tinha ninguém em casa,porque era tempo de levar o gado para serra(do Araripe)". Mas nessa passagem,eles pegaram Seu Januário e arrastaram pelo chão,o que desgostou muito Gonzaga e foi um dos principais motivos de ele ter levado toda a família para o Rio de Janeiro(como conta Joquinha Gonzaga). "Mas você sabe que não se transplanta uma árvore velha. Januário e Comadre Santana passavam uma temporada por lá,mas logo dava urgência de voltar",explica. Numa vinda de Minas Gerais,Luiz Gonzaga sofreu um acidente de carro que lhe cegou um olho e arrancou três dedos de sua mãe. Para se recuperar,o rei fez promessa para Nossa Senhora da Penha e daí veio uma de suas composições bonitas. " Isso tudo toca muito a gente,porque vivemos esses momentos. Os apuros da vida dele... "
A última lembrança marcante que Meirinha tem do amigo também vem em forma de canção. No dia do seu último show no Recife,quando Gonzaga tocou o " Xote ecológico",Rosimeire chorou por duas horas. " Eu não assimilei os problemas ecológicos naquele dia. Assimilei o problema de Gonzaga. Achei que quem tava morrendo,se acabando e que não podia respirar era ele. Eu pensava nele se acabando e a gente ficando sem ele. Dói,né ? Afinal de contas,ele foi um rei,mas um rei amigo,querido e estimado por todos nós."

Chico Ludermir

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