quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Foto: http://www.gonzaga100.com/especial/

Esse é o especial que fiz pela Secretaria de Cultura. É uma homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga. Como não sei fazer biografia, nem sou especialista em música, fiz o que sei melhor. Escutei com carinho essas cinco pessoas. E narrei, com todo cuidado o que ouvi. 

Encontro com Luiz

A história de um se faz com a de muitos. Raimunda, Joquinha, João, Meirinha, Dijesuis, Dominguinhos e Priscila são alguns dos nomes que ajudam a dar sentido a uma vida chamada Luiz. Se é no outro que nossa existência se amplia, se prolonga, ganha significado, então estes encontros entre Gonzaga e seus conterrâneos, compadres, comadres e conhecidos, narrados aqui pelo repórter Chico Ludermir, só alumiam a ideia de que um mito também se constrói com vidas comuns. No caso de Gonzagão, isso parece ser ainda mais verdade, já que sua existência passa pela ideia de um Nordeste tão próximo da gente. Que a leitura do especial “Encontro com Luiz” leve você, então, pra bem junto dele, como são estes narradores achados por Chico.

Olívia Mindêlo (editora)



 A SORTE DE RAIMUNDA


Em 1912,na noite de 13 de dezembro,dia de Santa Luzia,caiu uma estrela que clareiou o quarto de Madrinha Santana.  A mulher que tinha acabado de parir ficou com o fato na memória. Era sinal de que seu menino teria sorte na vida. O nascido ganhou o nome de Luiz,como tantos que vêm ao mundo no dia santo,e cresceu numa vida tipicamente sertaneja da primeira metade do século 20. Vida igualzinha à de Raimunda Souza,narradora desta história com ares de realismo fantástico. Aos 77 anos,Raimunda ainda mora na Fazenda Araripe,no Exu,onde durante boa parte da vida viveu Januário e Santana,além do próprio Luiz Gonzaga,filho do casal. " Deus deu uma boa sorte a ele. E graças a Deus a vida dele foi boa ", conta a senhora baixinho,como que em segredo. O tom de sussurro revela muito: uma voz fraquinha,cansada,própria da idade; uma vergonha casada com humildade que quase impediu que ela subisse o olhar;uma calma dos que vivem na zonal rural da pequena Exu,silenciosa,tranquila; e até um pesar por não ter tido a mesma sorte. Raimunda  nasceu na Fazenda Águas Belas,administrada por Sincinato Sete,que também era dono da Araripr. Naquele regime hibrido,Seu Sincinato era,ao mesmo tempo,patrão e parente. Ele era o chefe,mas da família também ", explica. De lá, ela se mudou para Monte Belo até que chegou à casa  em frente à de seu Januário e Santana. Viveu a vida inteira da agricultura:roça das terras dos outros,plantando e colhendo milho,feijão,algodão e no duro trabalho de fazer corda de caroá. Hoje em dia, aposentada,é a cuidadora da igreja da fazenda da qual ela mostra a chave,toda orgulhosa. 


"Eu nem sabia que tinha esse pessoal por aqui", começa ela  se justificando,se referindo à reportagem. " Eu moro ali do lado do armazém", aponta,sinalizando que vive também na frente de uma rosa,para onde Luiz Gonzaga voltou em 1946,depois de 16 anos distante de casa.
Por morar ali, a senhora lembra com riqueza de detalhes do seu conterrâneo mais célebre.
" Recordo de tudo como se eu estivesse vendo ", assegura,ao mesmo tempo em que revela seu parentesco com o Rei do Baião. Januário era primo legítimo de Manuel Jerônimo,pai dela.
"Eu digo que sou prima não é pra juntar,não. É porque ele me considerava mesmo. E não é nada demais, "  afirma quase com medo de ser desacreditada. Além disso,Júlia,mãe de Raimunda,e Luiz Gonzaga eram compadres. " Vocês não sabem não,nas na época de São João,tem essa história de um tomar outro por compadre enquanto a fogueira tá queimando ",explica,bem explicado,falando da tradição de batismo nos festejos juninos. No dia em que Luiz Gonzaga voltou pro Exu,episódio relatado na gravação da música " Respeita Januário ", Raimunda estava na roça,apanhando feijão. " Minha filha,se arrume pra ir pro Araripe que compadre Gonzaga chegou", disse Júlia pra filha.Quando as duas chegaram na Fazenda Araripe,Luiz Gonzaga estava sentado numa cadeira de Bodocó,tocando.Quando ele viu Júlia,foi logo se animando: " Comadre Júlia ! Comadre Júlia ",e começaram a palestrar,como se diz por lá. Essa é a lembrança de Raimunda. De um Luiz Gonzaga feliz de ter voltado depois de um longo tempo longe da terra natal.  E chegava cheio de novidades. Desde que saiu,já tinha servido às forças armadas,no Ceará,e depois feito fama no Rio de Janeiro. " Em frente aquela casinha rosa,eu o vi tocando durante muito tempo.Ele era novo e eu achava ele bonito ", conta com um sorriso tímido.
Casa onde morou a família de Januário - Fazenda  Caiçara(Araripe) Exu- Pernambuco


Por Chico Ludermir


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