quarta-feira, 18 de setembro de 2013




                                                   Boi do Maranhão



A festa do boi no Nordeste era parte integrante dos reisados, mas por causa da força de sua manifestação tornou-se independente e, especificamente no Maranhão, apresenta-se como um dos maiores festejos brasileiros, alcançando uma beleza incomparável, observada nos trajes e na riqueza de elementos coreográficos e musicais. Parece que a folgança chegou ao Estado trazida pelos negros escravos oriundos da Bahia, que foram trabalhar com a pecuária no Piauí junto aos padres jesuítas. Inicialmente, a brincadeira negra foi perseguida e estigmatizada como imoral, tendo sobrevivido às perseguições dos soldados e chefes de polícia por teimosia dos brincantes, como são chamados seus participantes. Nas terras maranhenses, outros elementos regionais foram-lhe anexados, num processo que o diferenciou da brincadeira do bumba-meu-boi na região açucareira nordestina, apesar de manter o fio temático comum a todos os bois.
O boi, tradicionalmente, é considerado um festejo natalino, mas no Maranhão migrou para as festas juninas atraído pelo clima de festança, foguetes e fogueiras presentes no ciclo junino, onde se fixou principalmente entre os festejos que homenageiam São João e São Pedro, podendo prolongar-se até agosto. Ao findar os festejos natalinos, os grupos de bumba-boi, como são também chamados, iniciam as reuniões, que vão até 31 de abril, quando preparam os enredos e elaboram as novas músicas e coreografias. A partir de maio, começam os ensaios com cada personagem elaborando a sua performance em conjunto ou separadamente. Todo o “apreparo”, como dizem, é feito até 15 de junho. Contudo, o chamado ensaio-redondo, como se fosse a apresentação definitiva, pode ocorrer até o dia 23 do mesmo mês. As vésperas de São João, ocorre o batizado do boi, quando então todos irão se deslumbrar com o novo couro do boi, verdadeira obra de arte composta por vidrilhos, miçangas e desenhos inspirados no enredo escolhido para o ano.
Para o maranhense, o bumba-meu-boi representa a tríplice miscigenação de seu povo, pelo entrelaçamento das culturas branca, negra e indígena, verificada nos personagens presentes no auto, no qual se destacam o dono da fazenda, Pai Francisco, Catirina, vaqueiros ou caboclos de fitas, caboclo real ou de pena, índios, doutor ou pajé, padre, Dona Maria (esposa do amo), os cazumbás (mascarados, espécie de palhaços) e o miolo, responsável por guiar o boi. As variações de personagem ocorrem também por causa dos diferentes ritmos existentes no Maranhão. O que distingue esses sotaques, como são chamadas as músicas tocadas nos bois maranhenses, são os instrumentos musicais em destaque e a cadência do ritmo dada a cada tipo.
O boi-de-matraca apresenta entre seus instrumentos de percussão as matracas, dois pedaços de madeira de som rústico que, batidos freneticamente, produzem um barulho vibrante, juntamente com enormes pandeiros, tambores-onça e maracás. Outro estilo encontrado são os bois-de-zabumba, com tambores que possuem mais ou menos meio metro de altura, feitos de compensado, amparados por uma forquilha, que juntamente com pandeiros e maracás produzem um som característico e contagiante. Já os bois de orquestra são mais recentes e diferem completamente dos anteriores, utilizando um conjunto de instrumentos de sopro (saxofones, flautas, clarinetes), de cordas (banjos) e de percussão (bombo, tambores e maracás). Atualmente o boi de Pindaré tem marcado um estilo como uma variante do boi-de-matraca, pelo seu ritmo mais lento, com pandeiros menores e diferentes trajes, ressaltando-se os imensos chapéus cujas abas da frente são dobradas ao estilo dos cangaceiros.
Nos últimos tempos, a brincadeira ganhou motivos de sátiras a acontecimentos políticos, sociais ou económicos, apresentando de forma humorística fatos relacionados ao Brasil. Nesta maravilhosa expressão da cultura brasileira, repleta de histórias simplórias e de promessas, a brincadeira do bumba-meu-boi no Maranhão é, por excelência, popular. Nela, toda a comunidade se entrega, numa participação gratuita, apresentando uma festa feita pelo povo e para o povo.
Fonte: CÔRTES, Gustavo Pereira. Dança, Brasil!: festas e danças populares. Belo Horizonte: Leitura, 2000.

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