sábado, 9 de novembro de 2013



   ENCONTRO DE REISADOS DE CARAIBAS



O distrito de Caraíbas, em Arcoverde, parece pertencer a outro tempo. Com cerca de 1.200 habitantes, todo mundo se conhece e quase todo mundo é parente ou compadre. As poucas ruas confluem para a igreja matriz e em frente a ela, uma praça reúne as crianças agitadas com seus pais e avós.
Nesse lugarzinho – e o diminutivo é pelo tamanho e pelo carinho, só –, Horácio Gomes da Silva, Paulo Pereira Cruz e outros da velha guarda da cidade mantêm bem viva uma tradição rara que herdaram. Nascidos ali, desde muito cedo fazem parte do reisado. Tão cedo que não sabem nem precisar quando. Não por acaso Caraíbas foi escolhida para sediar, esta sexta-feira, o Encontro de Reisados do Festival Pernambuco Nação Cultural do Sertão do Moxotó e receber um dos poucos outros reisados existentes: o do Mestre Gonzaga, de Garanhuns.
O encontro começou espontaneamente bem antes das apresentações. Na casa de Severina da Silva, ou “Sivinha”, como todo mundo chama, aos poucos foram chegando Seu Paulo, Horácio, Dona Cacilda, Dona Laura. Sentaram no terraço e contaram histórias de antigamente. De quando o Mateu, figura presente em muitas expressões populares pernambucanas, saía pelas ruas com seu chicote, avisando a todo mundo que ia ter reisado. E aí o povo fechava as portas esperando que os mestres fossem na frente de suas casas pedir, cantando, para que abrissem seus lares.

Com todo mundo reunido, as peças – como são chamadas as músicas – iam vindo na lembrança e sendo puxadas por Paulo Cruz. As mulheres de vozes agudas acompanhavam num coro, que casava perfeitamente, demonstrando a sintonia dos mais de 50 anos de convívio. Enquanto cantavam a religião, a agricultura e a Segunda Guerra mundial, veio vindo Cícero Lourenço com passinho miúdo. “Demorou três peças para chegar”, brincou Mestre Horácio. Aos 88 anos, Seu Cícero é o mais velho do grupo e já está se despedindo da brincadeira. Com sua bengala na mão, Ciço ainda tenta puxar uma peça…
Quando chegou Mestre Gonzaga, de Garanhuns, foi uma alegria só. “Eu tenho cantado uma peça de vocês”, avisa, já puxando “Entrei na casa de uma donzela e peguei para ela seis buquês de rosa. Três brancas, três amarelas, seis rosas belas tão danadas de cheirosa”. Quando Mestre Horácio retribuiu, dizendo que também cantava uma deles, Gonzaga mostrou o braço arrepiado.
Já se sentia o friozinho da noite quando saiu à rua o reisado vindo de Garanhuns. Com figurino todo em azul e vermelho, rei, rainha e embaixadoras desceram da escola chamando as pessoas para virem às janelas, como se fazia antes. Encontraram na frente da igreja iluminada um centena de moradores animados e durante uma hora fizeram bonito, ao som da viola de Senival Teixeira. Violeiro desde os 9 anos, Senival já tocou em seis reisados diferentes desde os 9 anos, e é considerado a alma do reisado de sua cidade.
Uma das nove embaixadoras, Dona Carminha, animadíssima, cativou a plateia que gritava, em coro, seu nome. Aos 78 anos, distribuiu abraços quando terminou apresentação. Mestre Gonzaga era só sorriso. “Fomos muito bem recebidos. Estou muito emocionado”, contou mais uma vez mostrando o braço arrepiado.

Tão logo os garanhuenses cantaram sua música de despedida, os anfitriões já começaram a cantar “Boa noite senhor e senhora, eu cheguei agora, me preste atenção. Caraíba nós somos reisado, saindo pra fora somos campeão”. Com zabumba, triângulo, viola, pandeiro e sanfona, e uma dança bem ensaiada, se apresentaram para a sua cidade. Ao lado, as crianças pequenas davam uma demonstração de que lá o reisado continuará pelas próximas gerações. Naquele momento tudo o que contaram na roda estava personificado e vivo.


Chico Ludermir (texto) | Roberta Guimarães (fotos)*

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