wOODSTOCK cABRA dA pESTE!*
Em 1978, o lançamento de "Avohay" com Zé Ramalho (ex-'da Paraíba') consolidava a presença da moderna música nordestina no cenário musical brasileiro.
Antes dele, em 1972, Alceu Valença e Geraldo Azevedo já tinham se aventurado pelo centro do país em busca de espaço, gravando, com ajuda de Rogério Duprat, um raro álbum anunciando as novas sonoridades nordestinas, ainda ignoradas.
Em 1972, também chegava às lojas o primeiro álbum do Quinteto Violado que, apesar de trazer uma versão quase progressiva de "Asa Branca", ainda estava preso às formas musicais mais tradicionais da música da região.
Nesse meio tempo, Alceu Valença, com a trilha de "A Noite do Espantalho" (de Sérgio Ricardo), "Molhado de Suor" e, ainda, "Vivo", gravado ao vivo, em 1974, apontou as possibilidades mercadológicas daqueles novos sons.
"Vivo", especialmente, registro de shows realizados no Rio de Janeiro e em São Paulo, talvez tenha sido a primeira demonstração - para os ouvidos do centro do Brasil - do que estava sendo, ou já tinha sido, gestado em Recife naqueles primeiros anos da década de setenta.
Na mesma música, havia a linguagem poética nordestina, o instrumental típico da região, mas também um 'jeito rock and roll' de cantar, e a energia roqueira da época, principalmente por conta da guitarra do genial Ivinho.
Entre os anos de 1972 e 1974, a cidade de Recife, capital de Pernambuco, viveu grande agitação cultural, com destaque para a produção musical, que deixou raros e clássicos registros em vinil.
A raiz da produção musical recifense, estavam a influência da Jovem Guarda e da beatlemania, com seus diversos grupos locais, e, também, ou principalmente, a psicodelia original pós-Woodstock, e sua versão nacional, traduzida pelo tropicalismo.
Entre o final dos anos sessenta e o início dos anos setenta, Recife foi agitada por grupos como Os Ermitões, Os Bambinos, Os Moderatos (os três com participação de Robertinho de Recife), The Silver Jets (de Fernando Filizola, depois Quinteto Violado) e Os Selvagens (de Ivinho e Almir Oliveira, depois Ave Sangria), entre outros.
Zé Ramalho, por exemplo, também passou pela experiência, tocando com Os Quatro Loucos, em substituição a Vital Farias e, depois, nos The Gentlemans, que faziam a ponte João Pessoa-Recife.
No início dos setenta, foi a vez de grupos como Laboratório de Sons Estranhos (Aristides Guimarães), Arame Farpado (de Flávio Lira, depois Flaviola), Phetus (de Paulo Rafael, Lailson de Holanda e Zé da Flauta) e, o mais famoso, Tamarineira Village (de Marco Polo, Almir Ferreira, Paulo Rafael e Ivinho, entre outros), que deu origem ao Ave Sangria.
Além de centro cultural da região, a capital de Pernambuco era a sede da gravadora Rozemblit, que nos 70 fora uma espécie de porta-voz da produção alternativa nacional, gravando grupos de garagem como Beatniks, De Kalafe e A Turma, Os Baobás e artistas que se firmaram anos depois, como Zegê (Zé Geraldo).
Mas, a gravadora fundada em 1954 pelos irmãos José, Isaac e Adolfo Rozenblit cresceu e afirmou-se com a produção de música regional, especialmente o frevo, lançada ainda no tempo do 78rpm, no mercado regional.
Nos anos sessenta e setenta, a gravadora também ampliou seu cast com artistas da MPB, como Jorge Ben, e ainda passou a editar intérpretes e grupos estrangeiros, a maioria alternativos para a época, como os americanos Lovin' Spoonful, por exemplo.
Esse caldeirão de influência resultou em obras tão geniais quanto ainda desconhecidas, do que é maior expressão o álbum duplo Paêbirú, que reunia Lula Côrtes & Zé Ramalho, em uma viagem psicodélica inédita para os padrões musicais brasileiros.
Dividido em quatro partes - água, fogo, terra e ar - o som radicaliza todos os conceitos da psicodelia, fundindo guitarras distorcidas a la Hendrix com as cores, ritmos e alegorias regionais -como nem o tropicalismo ou os Mutantes com Rogério Duprat tinha ousado fazer.
São ainda dessa época, além de Paêbirú, os discos Satwa com Lula Côrtes & Lailson, No Sub Reino dos Metazoários com Marconi Notaro (que marcou a estréia de Zé Ramalho em disco), Flaviola e o Bando do Sol, com Flávio Lira (mais toda a turma, destacando Lula Côrtes, Paulo Rafael, Robertinho de Recife e Zé da Flauta) e, ainda, Ave Sangria, com o Ave Sangria.
Sobrepondo-se às dificuldades técnicas da época, a música contida nesses poucos mas fundamentais álbuns é mais do que um registro da cena de uma determinada região, mas a prova material da influência profunda e definitiva que aqueles sons produziram na música jovem nacional.
Todos clássicos, esses álbuns traduzem um dos momentos mais ricos, inventivos e alucinados da criação musical brasileira, tão desconhecido no país, quanto reverenciado por colecionadores em todo o mundo, que pagam pequenas fortunas pelos LPs originais.
Inéditos em CD, os álbuns vêm sendo resgatados pelo MP3, democratizando a acesso das novas gerações à informações essenciais para a compreensão da evolução global da moderna música brasileira.
DISCOGRAFIA SELECIONADA
Geraldo Azevedo & Alceu Valença, com Geraldo Azevedo e Alceu Valença (72)
No Sub Reino dos Metazoários, com Marconi Notaro (73)
Satwa, com Lula Côrtes & Lailson (73)
Paêbirú, com Lula Côrtes & Zé Ramalho (74)
Flaviola e o Bando do Sol, com Flaviola e o Bando do Sol (74)
Ave Sangria, com Ave Sangria (75)
Molhado de Suor, com Alceu Valença (75)
Vivo, com Alceu Valença (76)
Espelho Cristalino, com Alceu Valença (77)
Avohay, com Zé Ramalho (77)
Jardim de Infância, com Robertinho de Recife (78)
Ivinho ao Vivo (em Montreux), com Ivson Wanderley (Ivinho)
Bicho de 7 Cabeças, com Geraldo Azevedo (79)
Caruá, com Zé da Flauta e Paulo Rafael (80)
Rosa de Sangue, com Lula Côrtes (80, inédito)
O Gosto Novo da Vida, com Lula Côrtes (81)
Bom Shankar Bolenajh, com Lula Côrtes & Jarbas Mariz (1988)
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