domingo, 9 de março de 2014


                       
         DIDI  PARACATU

Toda biografia, deve ser incompleta pra ser boa, pois ao escreve-la a vida segue caminho a trote, fazendo-se impossível prender-se o tempo na gaiola do tudo dizer. Vida não fica mansa, dócil, quietinha.

Resumindo, quero que nasci prosador, imaginador de mundos, queredor de coisas que a correria dos dias faz deixarem esquecidas no canto das lembranças.

Me dá certeza de ter que contar nos modos de um cantador, das entranhas e raízes do meu lugar, Paracatu, seu cerrado, seus agrestes e bichos matreiros, das chuvas que vão ficando alheias, da pobreza rica do matuto, seus termos, mil histórias e outras tantas estórias.

Nasci Adailton Silva,em no dia 6 de maio de 1955, em Paracatu,Minas Gerais, infância no bairro Santana, que tomo de empréstimo a muitas canções. Bairro de negros, um quase quilombo, com muita beleza e que só se deixa ler a quem for de lá ,ou se achegar bem pertinho, pra um café de coador. Viver no Santana era viver no berço dos sorrisos amigos, das mil alegrias que eram capazes de engolir tristezas, que teimassem em por a cara de fora, nas gretas das meias folhas das janelas de lá

Filho de criação de Sr. Honório e dona Lúcia, amado mais, por não ter sido e querido sempre da parentela outra, doadora das vertentes musicais, por certo, e feliz, de toda banda!

Nos primeiros lampejos musicais, lembro-me de Fofó, gravado nas lembranças da infância, executando comigo ao colo, com maestria impecável, choros de Pixinquinha, Valdir Azevedo, Jacó do Bandolim, Luiz Americano e outros, que mais tarde, adulto, ao ouvi-los, não me foram estranhos ao registro da memória.

Coisa de não se esquecer, foi o meu pai Honório, executando em um violão com cordas de aço - não existiam as de nylon - assentado no "rabo" do fogão a lenha, com seus sabidos poucos acordes, mas firmes e harmoniosos, e minha mãe, bem perto a ele, entoando canções em duo de terças - hoje sei -, de canções de Cascatinha e Inhana, coisas que nem querendo, se furtam do recordar.

Depois, os belos hinos dos corais, quartetos, orgãos e solistas na Igreja Presbiteriana, me apresentando a Bach, Handel, Felix Mendelsohn, Beethoven, onde adolescente, as lágrimas me vieram ao ouvir o "Largo" da Ópera "Xerxes" de Handel, pelo tenor Otávio Pinheiro e em outros momentos, os solos do baixo profundo de Lucas Silva, meu irmão, com d.Ester Tillmam ao órgão, momentos que me elevaram ao céu, de onde não quis mais sair, mesmo aqui. Mais tarde, lá toquei violão, dirigi corais, formei quartetos e outros grupos, tudo com uma alegria que só Deus e a música proporcionam.

O mundo se abria, mesmo no limitado universo provinciano. Vieram o ver e o ouvir, a banda Euterpe e Lira Paracatuense, com seus magistrais dobrados, e os desfiles de 7 de setembro, onde os alunos do Colégio Estadual daqui, passaram, ao ritmo da fanfarra, assobiando o tema do filme "A ponte do rio Kwai", um deslumbre que foi desenhando as ricas nuanções de uma musicalidade iniciante. Os LPs, trazidos de Brasilia-DF por Davi Barbosa, que inovavam os gostos musicais e nos apresentavam a Baden Powell, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Tom Jobim e tantos outros.

As sanfonas toscas nas danças de quadrilhas no Santana, as rodas de música com Mazin e João César, a guitarra gestual de Tassim, os improvisos de Picolé, um músico andarilho que por aqui passou, sem contar os tantos Festivais da Canção, ricos celeiros por onde desfilavam os melhores representantes de nossa música brasileira de então, e que incentivaram o unir do violão solista, pelo qual sempre primei, às letras que descobri compor.

Depois, pelas conspirações maravilhosas do destino sabido por Deus, de férias em Belo Horizonte-MG, visitando a loja de instrumentos "Musical Strambi" tive o privilégio de ter sido adotado, mais uma vez, musicalmente, pelo grande maestro, arranjador e violonista Nelson Piló, de quem guardo um chorinho inédito até hoje, dedicado a mim, com quem, numa maratona de necessidade, aprendi ler música em uma semana, tempo que dispunha antes de retornar a Paracatu, ao fim das férias, o que fiz, mas já com um pacote de partituras musicais, generosamente doadas e escolhidas por ele, com o compromisso de retornar no outro ano, -o que foi cumprido-, com todas "na ponta dos dedos".

Nesse esticar das cordas do violão, dei de avançar nos estudos e ingressei na primeira turma da recém inaugurada e primeira cadeira de violão clássico no Brasil, na UFMG, criada pelo professor José Lucena Vaz, e aí, vieram ao acervo das lidas musicais, Villa Lobos, novamente J.S.Bach, Leo Brower, Abel Carlevaro, Guerra Peixe, as Masterclass de violão com Amilcar Inda, Noé Lourenço, as maravilhosas aulas de composição com Mário Ficarelli, as bisbilhotagens no coral Ars Nova, com o maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca, profundo na arte coral e generoso com quem queria aprender. Os cursos de férias na Fundação Musical, canto com Eladio Peres e tantos!

De quebra, os saraus musicais na casa da Tia Nilda, onde desfilavam, toda noite, na voz de todos e em especial de "G"e Helena esta, belíssima mezo-soprano, samba, bossa, chorinho e canções, ali, num terreiro de piçarra, vizinho ao Morro do Chapéu, que recebia minhas visitas para tocar Garoto, Baden Powell, Dilermando Reis, Armando Neves e outros e ouvir incontáveis choros nos dedos professores do negro Trisquê ao violão com outros cobras, tais como Luiz, irmão e Helena e o Sr. Balbino, perito no repertório de Luiz Bonfá.

Dessas lembranças tantas e andanças outras, resto eu, minhas cantorias, meu violão, sem alarde, no querer de aprendedor. Um disco, que é pertinente a esta biografia,"Quintal das memórias" primeiro trabalho gravado no Zen Estúdio, em Brasilia DF, produzido por Tarzan Leão, um Hino a Paracatu e ao Santana Esporte Clube, e novos trabalhos que serão lançados brevemente, permitindo Deus. 
Ocupo com muita honra a Cadeira 29 da Academia de Letras do Noroeste de Minas, que por tramas do existir, tem como patrono o magistral inventor do Sertão: Guimarães Rosa.

Me alegra, citado em generosos escritores nossos tais como, Oliveira Melo, Zeca Ulhoa, Tarzan Leão e outros, que ao fazê-lo, expõem mais que a mim e sim, o lustro de minha terra e minha gente, assinalando aos contemporãneos, e tecendo cada um, com suas agulhas de escrever, memórias de se guardar na tulha.

Assim, como biografia para ser boa deve ser incompleta, sinal de que se vive e inda se quer fazer,

Fico,

Didi

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