quarta-feira, 13 de agosto de 2014

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A luneta do tempo, de Alceu Valença, estreia em Gramado. Confira fotos e entrevistaMusical, com falas rimadas, demorou 15 anos para ficar pronto e deve ser exibido em sessão especial no Recife ainda neste ano




Hermila Guedes e Irandhir Santos estão no elenco. Fotos: Antônio Melcop/Divulgação
Hermila Guedes e Irandhir Santos estão no elenco. Fotos: Antônio Melcop/Divulgação
Cordel, tragédia, humor, traição, cangaço, circo e o sonho de um dos principais músicos pernambucanos de levar uma história para as telas. Após 15 anos de dedicação - não integralmente, porque Alceu Valença está sempre envolvido em múltiplos projetos -, A luneta do tempo finalmente será exibido ao público, na disputa por um Kikitos do 42º Festival de Cinema de Gramado, hoje à noite.

O musical tem todas as falas rimadas, com influências da cultura popular nordestina no enredo, na linguagem e no cenário. No elenco, os premiados atores pernambucanos Irandhir Santos e Hermila Guedes, mas também músicos estreantes no cinema, como Charles Teony e o sanfoneiro Ari de Arimateia. “Quando eu li o roteiro, achei lindo. Me senti desafiada por ser um musical e por ter de quebrar a rima sem deixar de lado a poesia”, conta Hermila. “Com relação à direção, acho que ele se saiu super bem”, arremata.

Obcecado pelo projeto, Alceu tinha decoradas todas as falas - modificadas várias vezes, até no set de filmagens. “Se eu achasse que determinada passagem ficaria melhor de uma maneira diferente do que estava no roteiro, imediatamente inventava novos diálogos ou até mesmo cenas inteiras”, recorda. Todas as passagens foram previamente gravadas em estúdio, para que ele pudesse avaliar o ritmo. 

A luneta do tempo deve estrear no início de 2015, mas uma sessão especial no Recife deve ocorrer ainda neste ano. Em agosto, chega às lojas o CD Valencianas: Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto, gravado em apresentação ao vivo, em 2012, com o grupo mineiro. Entre uma música e outra, pode surgir outro longa: “Tenho algumas ideias e projetos, muitas pessoas têm insistido para que eu faça um novo filme. Me senti inteiramente à vontade como diretor de cinema e adoraria repetir a experiência”. Fica a cargo do tempo. Ou da luneta.

QUEM É QUEM?

Passe o mouse por cima das imagens para saber quem são os personagens de A luneta e o tempo



ENTREVISTA// ALCEU VALENÇA

Quem estará na exibição em Gramado?

Além de mim, estão minha mulher e coprodutora do filme, Yanê Montenegro, meus filhos Ceceu e Rafael, meu sobrinho Bernardo Valença, que também atuam na Luneta. Além deles, o diretor de fotografia, Luis Abramo; o diretor de arte, Moacyr Gramacho; o produtor Tuinho Schwarcz, da Focus Filmes; o coordenador de produção Arthur Peixoto; o preparador de atores Bruno Costa. Também está aqui o ator e cantor Charles Teony, que interpreta Antero Filho na película.

Todas as falas do filme são rimadas, com referências da poesia popular e da literatura de cordel. Como você acha que isso será recebido?
O roteiro da Luneta é todo rimado, com boa parte dos versos em decassílabos, como se fosse um grande cordel. É claro que na dinâmica dos diálogos o poema se dilui, não há nada recitado ou metrificado demais, para que os diálogos acontecem com naturalidade. Já na parte em que Lampião e Maria Bonita estão no paraíso há uma preocupação maior em manter a métrica da poesia, uma vez que esta situação cênica é narrada pelo cordelista Severino Castilho, vivido por Tito Livio. Espero que seja bem recebido. É um método, no mínimo, original.


O enredo de A luneta do tempo é bem complexo, com vários personagens. Você modificou ao longo dos anos?
Modifiquei várias vezes ao longo dos anos. Há personagens que surgiram e logo depois desapareceram, mas que permanecem em minha mente (risos). Durante a realização do roteiro, havia vezes em que eu acordava no meio da noite com alguma inspiração para este ou aquele personagem. Eu dizia para Yanê: eles estão conversando comigo! Me levantava, pegava o computador e ia retrabalhar o roteiro. A rigor, modifiquei algo da estrutura e dos diálogos até mesmo no set. Se eu achasse que determinada passagem ficaria melhor de uma maneira diferente do que estava no roteiro, imediatamente inventava novos diálogos ou até mesmo cenas inteiras. A princípio, a equipe de cinema estranhava. Estão acostumados com uma hierarquia rígida, onde o roteiro é uma espécie de livro sagrado. Mas eu modificava quando achava por bem e o pessoal foi entrando na minha.

Entre o argumento e a finalização, foi mais de uma década de produção. Por quê? Em que o tempo contribuiu para o resultado? Está do jeito que queria?
Comecei a escrever logo depois da morte de meu pai, em 1999, quando passei uns dias na fazenda Riachão, próxima a São Bento do Una, onde nasci e fui criado. As referências da minha infância – cordelistas, aboiadores, cegos de feira, cantadores, emboladores – vieram muito fortes à minha mente e eu escrevia obstinadamente o que a princípio era um poema de cordel. Foi o cineasta Walter Carvalho quem me sugeriu que aquele poema poderia virar o roteiro de um filme. Quando percebi, havia tanto material que o roteiro seria inevitavelmente uma espécie de épico, com ações passadas em diferentes gerações. Para mim, o tempo é três. Vivemos presente, passado e futuro simultaneamente. Este pensamento acabou por influenciar a própria mágica da Luneta do Tempo. Fiz o filme exatamente do jeito que eu queria. 

Você é famoso pelo perfeccionismo enquanto músico e compositor. Isso se refletiu no filme? Você foi um diretor muito exigente?
Fui exigente na medida em que eu sabia - ou ia descobrindo - o que resultado que eu queria ver na tela. Desenvolvi um método próprio, em que eu gravava o áudio de todos os diálogos em estúdio, depois chamava os atores para que colocassem suas vozes em lugar da minha. Era uma maneira de eles fixarem os diálogos, mas também uma forma de eles compreenderem a métrica e a dinâmica que eu queria. Afinal, o filme é também um musical, o que exige certa habilidade rítmica. Não abri mão disso.

Como foi trabalhar com tantos músicos na atuação? Como foi o processo de recrutamento? E dirigir seu filho, como foi?
Muitas vezes eu transformei músicos em atores – como no caso de Ari de Arimateia, Tito Lívio, Khrystall e Charles Teony. Noutras, cheguei a transformar atores em cantores, como aconteceu com Irandhir, que cantarola um trecho de canção. E há também casos em que o personagem é vivido por intérpretes que são ao mesmo tempo atores e músicos. Como Helder Vasconcelos, que vive Mateus Encrenqueiro, e meu filho Ceceu, que é baterista e ator profissional, no papel do circense Nagib Mazola. Quanto a mim, posso dizer que, além de cantor, sou ator e diretor de cinema. O recrutamento dos músicos e atores foi um processo instigante. Eu escolhia aquele que se adequasse melhor aos personagens, independentemente de serem atores ou cantores. Às vezes eu trocava alguém de papel. Teony, por exemplo, chegou a viver Antero Tenente, depois achei que ele se encaixaria melhor como Antero Filho. Bahia também foi Antero Tenente antes de ganhar o papel de Severo Brilhante. Antero acabou ficando com o ator paraibano Servilio Holanda.

Você é um apaixonado pelo cinema? Ao que gosta de assistir? Quais os últimos filmes que viu e indica?
Descobri o cinema ainda na infância, no tempo em que havia dois cinemas (e cinco grupos de teatro!) em São Bento, à época com pouco mais de cinco mil habitantes. Ali eu assisti a filmes de Carlitos, clássicos de Hollywood e experiências cinematográficas desenvolvidas pelos habitantes da cidade. Na adolescência, no Recife, costumava frequentar o cinema São Luiz, onde assistia a filmes da Nouvelle Vague francesa e do neo-realismo italiano. A Nouvele Vague me apresentou a Jean Paul Belmondo, que se parecia muito comigo fisicamente. Eu costumava assistir a Acossado, de Godard, e depois saía do cinema e acendia um cigarro enquanto passava o polegar sobre os lábios, como Belmondo fazia em cena. Eu era muito tímido e aquele gesto era uma espécie de libertação pra mim. Atualmente, gosto muito dos filmes pernambucanos. A geração de Claudio Assis, Lirio Ferreira, Paulo Caldas, Marcelo Gomes e Kleber Mendonça Filho é extraordinária. Se for para citar títulos, Amarelo MangaCinema, Aspirinas e Urubus eO som ao redor estão entre os meus favoritos.

Quando o público recifense deve ver o filme? Quando deve estrear em circuito comercial?
Estamos negociando a distribuição, mas provavelmente o filme entra em circuito no início de 2015. Ainda pretendemos percorrer o circuito de festivais no Brasil e no exterior antes de lança-lo comercialmente. Mas pretendemos fazer uma sessão especial no Recife, ainda este ano!

Você disse que não descarta a possibilidade de outro filme. Já tem algum argumento?
Tenho algumas ideias de argumento, mas ainda não sei se voltarei a dirigir. Me dedico muito intensamente a tudo o que faço e não suportaria levar mais 14 anos para elaborar um roteiro (risos). Mas quem sabe?

Neste ano, além do filme, sairá do papel o CD com a Orquestra Ouro Preto. Sei que você é um homem de múltiplos projetos. Em quais está trabalhando?
Estou lançando o CD / DVD Valencianas, onde me apresento ao lado da Orquestra Ouro Preto. Pretendo levar o concerto a Recife, mais ainda não temos data definida. Em janeiro, faremos uma série de concertos em Portugal, para lançar o DVD por lá. No inicio do ano lancei o disco Amigo da Arte, dedicado ao carnaval pernambucano, e agora quero fazer um DVD ao vivo com meu show atual de forró. Tem ainda um documentário sobre a minha carreira até os anos 70. Filmamos uma parte em Paris, onde vivi em 1979, e agora precisamos dar continuidade. E tenho minha agenda de shows. São cerca de oitenta por ano, no Brasil e no exterior.

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