quinta-feira, 21 de maio de 2015


Poeta João Sapateiro


João Silva Franco. Negro, quase dois metros de altura, teve a vida marcada pelo sobrenome postiço. Profissionalizou-se como sapateiro, remendando o couro, trocando o salto, pondo meia sola nos sapatos da população. Discreto, mas de boa conversa, o sapateiro exibia na sua oficina de trabalho, folhas de papel pautado, repletas de palavras escritas em letras de forma, fixadas nas paredes e nos poucos móveis do seu canto laboral. Eram trovas, pequenos e longos poemas, que surpreendiam a freguesia. João Silva Franco passou a ser conhecido como João Sapateiro, e reconhecido como o sapateiro poeta.
Vimos um pouco da biografia deste autor. Com isso pudemos refletir como este homem, sem condições (em se tratando de condições financeiras) conseguiu produzir tantas poesias em meio à correria da vida de trabalhador e chefe de família. Sendo, portanto, um vencedor, um exemplo de persistência, de amor a arte.
Pesquisando as expressões culturais de Sergipe, vimos que é de uma grandeza relevante, visto que somos o menor Estado da Federação. Pesquisamos e vimos a literatura folclórica, com seus versos, cordéis, cantoria de improviso, as lendas, os mitos, adivinhações, contos, nomes de famosos como Tobias Barreto, Silvio Romero, enfim, vários nomes, várias manifestações, mas de tudo que pesquisamos, nada, ou quase nada encontramos  para situar o nosso poeta João Sapateiro nessa cultura. Subtende-se que este modesto e brilhante poeta não foi reconhecido o suficiente para ter seu nome estampado em livros, situando-o como pertencente à cultura de elite ou popular. Restando o questionamento: Suas poesias são consideradas literatura? Lembrando que “literatura” é arte que tem por matéria prima a palavra, e utilizando-se de técnicas faz-se da palavra um instrumento poderoso na construção do que se pretende - recriar a realidade.
Separamos, para análise reflexiva, o poema abaixo, a fim de entendermos o fundamento das produções de João Sapateiro. Este que reproduziu em seus trabalhos, seus sentimentos, suas ideologias.  Sendo, portanto, um brilhante poeta, ainda que não reconhecido no meio literário.



Cântico
Aos Laranjeirenses

Minha terna  Laranjeiras,
Terra das lindas palmeiras,
Adoro tudo que é teu;
Admiro os belos prados,
E adoro os lindos trinados,
Das aves que Deus te deu.

O teu passado eu bendigo,
E adoro o “Bom gosto” amigo,
Aonde vou me banhar;
Adoro a meiga corrente
Que canta canção dolente
Andando em busca do mar.

Adoro a tua Matriz,
Aonde a velhinha feliz
Vai rezar o seu rosário;
Amo o teu belo Cruzeiro
Que lá no cimo do outeiro
Nos lembra o Monte Calvário.

Amo a tua marujada,
E adoro a Pedra Furada,
Que nos encanta e fascina!
Gosto da policromia
E da coreografia
Da Taieira de “Bilina”.

Amo os sinos  maviosos
E os teus jardins olorosos
Que te dão tanta beleza!
Amo as igrejas dos montes,
Amo as tuas velhas pontes
Que fazem lembrar Veneza.

Admiro o candomblé,
E o zabumba do José,
Torrentes de poesia!
Amo a face angustiada,
Da imagem cobiçada
Do Senhor da Pedra Fria.

Admiro a Matriana,
Aonde em fins de semana
O povo vai repousar;
E adoro o Barro Vermelho,
Que fez do rio um espelho
Onde vive a se mirar.

Eu gosto dos Penitentes
Que contritos, reverentes,
Rezam por todos do além.
-  E é com orgulho que falo
Na dança de São Gonçalo,
Que nos encanta e faz bem.


Eu adoro as procissões
Que povos de outros rincões
Não deixam de acompanhar;
E os teus velórios cantados
Que nos deixam encantados
Esquecidos de chorar.

Amo ao Samba de Tropelo,
Coco, Forró e Martelo,
Bacamarte e Batalhão;
E as tuas garotas belas,
Cantando trovas singelas
Nas rodas de São João.

Amo a vista deslumbrante,
E a brisa acariciante
Do morro de Bom Jesus;
O Serra-Velho, dioso,
E o mês de doloroso,
Que aos namorados seduz.

Adoro o teu céu de anil,
Amo o teu povo gentil,
Amo tudo que é de ti;
Eu amo os tamarindeiros
Eu amo os velhos coqueiros
Onde canta o bem-te-vi.

Admiro os Caboclinhos,
E os Negros do Rei  Raminho,
Lamentando o cativeiro;
E a cantoria bonita
Da turma de João de Pita,
No dia seis de janeiro.

Adoro os velhos sobrados,
Aonde em tempos passados
Se cultivava o lirismo;
E os bancos da Conceição,
Onde sentou-se a paixão
No tempo do romantismo.

Adoro a rua Direita,
Porque quanto mais se ajeita,
Fica bem mais sinuosa;
E o Alto do Xavier
Que mostra pra quem quiser,
O quanto és  majestosa!

Minh’alma também é louca
Por ti, cidade barroca,
Residência do saber;
Terra de João Ribeiro,
Meu amor é verdadeiro,
E te adoro até morrer!.

Percebe-se que o poema “Cântico aos Laranjeirenses” trata-se de um poema laudatório, que João, filho adotivo da cidade de laranjeiras, produziu enaltecendo sua terra querida.
João inicia os versos exaltando a terra de lindas palmeiras, com belos campos e aves mandadas por Deus. Ele fala da Igreja  Matriz com seu belo cruzeiro, que o faz lembrar o Monte Calvário, das manifestações artísticas – a taieira, o candomblé, a dança de São Gonçalo; expressa ainda seu  carinho pelo rio com seu  barro vermelho que vivia a mirar,  pelo povo daquela terra- povo gentil,  os prédios antigos com sua beleza lírica encravada em sua história. Enfim, João expressa em cada verso seu amor pela terra que o acolheu, e em gratidão o tornou um filho ilustre.
Finalizando este singelo trabalho, temos então o conhecimento de quecultura, ou manifestações artísticas, são inerentes à prática social, não havendo sociedade, portanto,  que não às manifeste. Sendo, portanto, um elemento necessário para a efetivação da  expressão humana.  E  que poesia é uma arte literária em forma de versos que tem como objetivo expressar e evocar sensações, emoções. Conhecemos, ainda, um pouco deste ilustre sergipano - João Silva Franco - que com sua arte compôs muitos poemas em meio à sua rotina de sapateiro, utilizando-se da arte para expressa-se e manifestar seus mais profundos desejos e pensamentos acerca de diversos temas. Podemos então concluir que este sergipano, adotado por uma cidade rica em cultura, soube aproveitar cada elemento a ele oferecido transformando em arte e revelando-se através de suas poesias. Podemos, então, responder ao questionamento proposto anteriormente: Suas poesias são consideradas texto poético? Ou apenas um trovador que compunha ao exercer seu ofício de sapateiro?

As poesias de João são consideradas parte da cultura popular sergipana. Embora não tenha se tornado um nome famoso entre os nomes de literários como Silvio Romero, Tobias Barreto, Hermes Fontes, sua poesia  é de grande importância para a consolidação de nossa cultura. A exemplo desse reconhecimento lembremos que seu nome foi o escolhido para  estampar o I Prêmio de Poesia Popular João Sapateiro em 2009.


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