sexta-feira, 18 de março de 2016


                       Manoel Xudu Sobrinho

, Manoel Xudu, conforme Zé Marcolino, um cantador de versos fáceis, nasceu na cidade paraibana de São José do Pilar, aos 15 de março de 1932. Foi uma pessoa humilde, tratável e considerava todo cantador maior do que ele.
A análise descritiva da poesia Xuduziana é tão profunda, que nos surpreendemos sempre com a riqueza de detalhes dos seus versos. Parece que estamos vendo os quadros poéticos pintados pela genialidade de Xudu. Admirado pelos colegas de viola e por todos os amantes da arte do improviso, tinha como marca registrada a humildade, que o tornou maior ainda, tanto como poeta, quanto como homem honrado que era.
Da Antologia Ilustrada dos Cantadores colhemos as seguintes sextilhas:
Xudu cantava com determinado companheiro sobre as coisas sertanejas. O colega falando do comportamento do touro diante do perigo:
O touro fica de guarda
Só rodeando a malhada.
Xudu:
Uma novilha amojada
Ao se apartar do rebanho,
Quando volta, é com uma cria
Que é quase do seu tamanho;
Ela é quem lambe o bezerro,
Por não saber lhe dar banho.
Prosseguindo, o parceiro fala do porte avantajado dos animais de sua terra:
Não exagero o tamanho
Dos bichos do meu sertão:
Existe, lá, cada bode
Maior do que um caminhão,
Que o chifre encosta nas nuvens
E a barba arrasta no chão.
Xudu foi mais realista, exaltando os animais que sua terra cria:
Carneiro do meu sertão,
Na hora em que a orelha esquenta,
Dá marrada em baraúna
Que a casca fica cinzenta
E sente um gosto de sangue
Chegar à ponta da venta.
Estrofe de Xudu, que me foi passada pelo poeta Luís Homero, filho de Zé de Cazuza:
Vê-se o sertanejo moço
Com três meses de casado;
Antes de ir pro roçado,
Da mulher, beija o pescoço.
Ela lhe traz, no almoço,
Uma bandeja de angu,
A titela de um nhambu,
Depois lhe abraça e suspira.
O sertanejo admira
As manhãs do Pajeú.
Do livro Poetas Encantadores, de Zé de Cazuza, retiramos os seguintes versos do mestre Mané Xudu:
Na deixa de um parceiro de cantoria:
Eu gosto da claridade
Do olho do pirilampo
Xudu improvisou:
O meu amor pelo campo,
Cada vez mais, continua.
Eu não troco a claridade
Embaraçada, da lua
Pelas lâmpadas de mercúrio
Que clareiam aquela rua.
Outra deixa:
Pra tão longe a ave voa,
De volta, não erra o ninho.
Xudu arremata:
A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.
O genial Manoel Filó fala de sua admiração pelo repentista:
Com vate do teu tamanho,
Eu nunca tinha cantado.
Xudu retribui o sincero elogio:
Com você canto apertado
Que só cobra de cipó.
Que, com três dias de fome,
Tenta engolir um mocó,
De tanto forçar a boca,
Finda estourando o gogó.
Com Furiba, que lhe dá a deixa:
Cisca o pinto, no terreiro,
Numa manhã que serena.
Xudu:
Uma galinha pequena
Faz coisa que eu me comovo:
Fica na ponta das asas,
Para beliscar o ovo,
Quando vê que vem, sem força,
O bico do pinto novo.
Com Job Patriota cantando numa cidade do sertão, este referiu-se à diferença entre o povo sertanejo e o brejeiro:
Do sertanejo, o costume
Difere daquele povo.
Xudu:
Lá, brigam até por um ovo
Que acham na camarinha,
Já aqui, uma raposa,
Quando pega uma galinha,
Leva pra dentro da toca,
Cria a ninhada todinha.
Discorrendo sobre a natureza, o repentista nos brinda com mais esta obra-prima:
Tem coisa na natureza
Que olho e fico surpreso:
Uma nuvem carregada,
Se sustentar com o peso,
De dentro de um bolo d’água,
Saltar um corisco aceso.
Glosando nos motes:
Chapéu de couro, o retrato
Do vaqueiro do sertão.
É uma bola de ouro
Pra todo humilde vaqueiro,
Que ganha do fazendeiro,
Um belo chapéu de couro.
Conduz aquele tesouro
À noite, para o colchão;
Para, na escuridão,
Não ser roído do rato.
Chapéu de couro, o retrato
Do vaqueiro do sertão.
Salta fogo das nuvens de momento,
Cai a chuva na terra, o trovão zoa.
Quando Deus, que é juiz pra todo jugo,
Molha as terras sedentas e vermelhas,
O corisco por cima abala as telhas,
Cai a água, me molho e me enxugo.
Vê-se um sapo escanchado num sabugo,
Como um cabra remando uma canoa...
Sai cortando as maretas da lagoa,
Chega os braços parecem um cata-vento.
Salta fogo das nuvens de momento,
Cai a chuva na terra, o trovão zoa.
É, bonito, é saudoso, é natural
O cenário do campo sertanejo.
No sertão, todo dia, bem cedinho
Vê-se um galo descendo do poleiro,
Um cabrito berrando no chiqueiro,
No terreiro, fuçando, um bacorinho.
Um preá sai torcendo o seu focinho,
Como um cego tocando realejo;
Na cozinha, uma velha espreme o queijo,
Um bezerro pulando no curral.
O retrato do corpo natural
É a veste do homem sertanejo.
Um bueiro, mal feito, fumegando,
Representa o sertão de antigamente.
Um ferreiro suado numa tenda,
Agarrado no cabo da marreta,
Consertando algum dente da carreta
Que quebrou e precisa duma emenda;
Um crioulo no pé duma moenda,
Já um pouco queimado de aguardente;
O bagaço espirrando pela frente
E uma bica de caldo derramando,
Um bueiro, mal feito, fumegando,
Representa o sertão de antigamente.
De acordo com o livro Mané Xudu – O Imortal do Repente (Halley S.A.Gráfica e Editora,1996 – Teresina/PI), do poeta e escritor Pedro Ribeiro, seguem as seguintes estrofes do gênio:
O extraordinário repentista assim externa sua própria maneira de versejar:
O meu verso é como a foice
De um brejeiro cortar cana.
Sendo de cima pra baixo,
Tanto corta, como abana,
Sendo de baixo pra cima,
Voa do cabo e se dana.
Xudu e Diniz Vitorino pelejavam, quando este lhe dá a deixa:
Ponho sebo no cocão
Para o carro não cantar.
Remexendo nas cavernas do juízo, Xudu dispara:
E o boi tristonho a puxar
O carro pela rodagem,
De tanta fome e de sede,
Chega a lhe faltar coragem,
Se vendo a listra de lágrimas
Correr na cara selvagem.
Numa cantoria com Sebastião da Silva, em Timbaúba/PE, o grande repentista observa um detalhe somente conhecido pelo sertanejo:
Botei espora nos pés,
Pulei em cima do bicho,
Entrei na mata fechada
Coberta de carrapicho,
Dando manobra na sela,
Chega rangia o rabicho.
Notável observador da natureza, onde suas estrofes são retratos da paisagística sertaneja, Xudu refere-se à vaca leiteira:
São quatro peitos roliços
Que, unidos, fazem cama.
Todos quatro são furados
E o leite não se derrama,
Mas sai com facilidade
Depois que o bezerro mama.
Outras estrofes extraordinárias desse repentista admirável:
O ligeiro mangangá
Passa, nos ares, zumbindo;
As abelhas do cortiço
Estão entrando e saindo,
Que, de perto, a gente pensa
Que o pau está se bolindo.
A raposa arrepiada
Se aproxima do poleiro,
Espera que as galinhas
Pulem no meio do terreiro;
A que primeiro descer,
É a que morre primeiro.
Feliz está o vaqueiro
Ordenhando a vacaria;
Já bebeu o leite quente,
Comeu da coalhada fria
E quando sai para o campo,
Canta, aboia e assovia.
O ‘imortal do repente’ faleceu no ano de 1985, em Salgado de São Félix, onde residia




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