segunda-feira, 9 de janeiro de 2017






               Fogo da Abóbora – 88 anos

               Por Rubens Antonio


A 07 de Janeiro de 1929 travou-se o combate de Abóbora, povoado de Juazeiro, BA, lembrado pela morte de Mergulhão, (foto) cujo nome real era Antonio Juvenal da Silva, mas que aparece citado também, na literatura sobre o Cangaço como Antônio Rosa. Da visita ao local pode colher alguns depoimentos e bater algumas fotos.
Antecipando algo do material, observo que a povoação está muito mudada, em relação ao contexto de então, mas há muitos elementos reconhecíveis e outros identificáveis através de testemunha ainda viva dos eventos.
Sabemos que o fogo se deu quando a volante chegou e os cangaceiros dançavam em uma casa, num forró.
A causa do forró, na verdade, era alheia aos cangaceiros. Era festejo local pela construção de uma nova “armação” para a feira do povoado, que, na verdade, não passava de uma arranjo descontínuo e desordenado de casas mais esparsas.
O cemitério local foi o sítio de maior destaque, onde morreram os dois policiais, soldados José Rodrigues e Manoel Nascimento.
Segundo a autópsia:
“José Rodrigues, com um ferimento com orificio de entrada na região dorsal superior e orifício de saída sobre o mamillo direito; Manoel Nascimento com três tiros; um que penetrava entre a 6ª e a 7ª lombar, com destruição das anças intestinais e orifício de saida sobre a crista illiaca com fractura; outro na região anterior direita do thorax e outro na região cervical esquerda.”
Na imagem acima vemos com o número “1” o sítio em que se situava o antigo cemitério. Ele foi eliminado com a reurbanização. As lápides foram retiradas, mas os restos ficaram no local. Aí, portanto, “sob a rua”, é que estão os restos dos soldados.
Em “2” temos o local das casas em que dançavam os cangaceiros.
Em “3” estão algumas lajes rochosas bem baixas, mas que “apadrinharam” bem os cangaceiros durante o tiroteio.
Em “4” está a sepultura, perdida, em um quintal de casa, uma propriedade particular, do cangaceiro Mergulhão. Segundo depoimentos do dono do terreno e de um outro senhor, havia apenas algumas pedras e uma cruz de madeira, que ficou velha e caiu, sem ser substituída
Tira-gostos:
“BUM! PÁ! PÁ! Foi papoco pá peste! E isso de que a puliça abriu a cova do cangacêru é mintira! Só tiraram os mininu da puliça mesmu e trabaiaru e colocaru di vorta… O cangacêru mexeram nele não! Ficou a cova lá fechadinha!”
“Aquele Calais! Êta cabra faladô! Mas nas ora dos papôco, mais dispois, ô cabra pra corrê! Faladô prezepêru… mas covarde que nem só ele mesmu!”
“E no tiroteio que teve lá adipsois? Na curva? Foi anos depois… Eu ainda lembro da curva… O Azulão era uma peste muito bom de pontaria… Acertô bem na testa da burra… ô pontaria do cão!”
“Sabe o que eu achei ingraçado? Adispois de muitos anos, aqui, pra fazê esta rua nova, sabe quem trabaiô? o Bem-ti-vi… que foi também cangacêru… Trabaiô pra fazer a terraplenagi… Era muito sorridente… Simpático… Foi até lá.. Oiô a sepultura do Merguião… Falou nada não… Só ficou quietu oiano…”
Os detalhes do evento consegui lá mesmo em Abóboras a partir do relatório do tenente Othoniel.
Sobre as descrições dos cadáveres, a partir do exame do legista Anísio Teixeira.
Edilson dos Santos, proprietário do terreno, aponta a localização da sepultura do cangaceiro Mergulhão.
O esquema que fiz acima é uma indicação relativamente precisa…Posteriormente publicaremos outros depoimentos; Tomei dois, porque agregavam praticamente tudo o que os outros diziam…
São o do senhor “Joãozinho”, que presenciou o fogo… está quase cego, mas enxergando o suficiente para, acompanhado do filho, me conduzir e indicar o sítio do cemitério… e o Manoel, que é um jovem que herdou o terreno onde foi sepultado Mergulhão…


Rochedo em que Lampião e Ezequiel se apadrinharam para disparar contra a volante, que se encontrava no Povoado de Abóboras. A posição da volante era aproximadamente a da caixa d’água vista ao longe, entrincheirada no antigo cemitério.
João Alves Guimarães apontando localização da entrada do antigo cemitério. As pedras diante dos seus pés são do antigo portal.
A terraplenagem e a pavimentação foi feita somente com a retirada das lápides. Portanto, o restos dos sepultos ainda estão aí. Próximo à quina branca que se vê à esquerda estão sepultados os restos de um dos soldados mortos no tiroteio. Seguindo-se em frente, em direção à rua, encontram-se os restos do outro soldado.




Monumento em praça de Abóbora
Detalhe
Uma coisa é interessante nas abordagens de campo..
Olhando Abóboras… e andando… localizando os pontos em que se abrigaram os cangaceiros e a volante… percebi o seguinte… A distância entre o cemitério.. e onde Ponto Fino e Lampião estavam, disparando contra eles, é de cerca de 150 a 180 metros… Acertar alguém desta distância é braba…
Luiz Pedro estava disparando deitado em um descampado a cerca de 100 a 120 metros … Era o que estava menos protegido.
Os outros dois cangaceiros envolvidos, Mergulhão e Corisco, partiram de cerca de 150 metros, em movimento diagonal, até chegarem ao cemitério. Ali, na quina, Mergulhão recebeu o tiro que o derrubou. O tiro seccionou seu húmero e rasgou as veias e artérias do braço, causando a hemorragia que o matou.
Os dois policiais vitimados fatalmente, conforme o depoimento do seu João, foram atingidos quando tentavam pular o muro do cemitério e usá-lo como entrincheiramento… por disparos vindos de Lampião e/ou Ezequiel, daquela distância toda… 150 a 180 metros… Imaginem só… O cemitério tinha muro de madeirado, só tendo em pedra o portal.
Praticamente todos os volantes… além dos dois mortos… mais seis praças, um sargento e o tenente, foram baleados. Entraram em fuga.
O estudo de campo mostra que Mergulhão foi morrer a cerca de 180 a 200 metros de onde foi alvejado…
Foi enterrado praticamente no local em que tombou.
  1. Ele chegou a ser ajudado por dois cangaceiros que o carregaram, e foi assim que os habitantes o viram ser levado e adentrar a caatinga… mas, como visto na distância, não conseguiram ir muito longe…
Quem o encontrou, ainda agonizando, foi um viajante que vinha chegando a Abóboras. O cangaceiro parece ter tentado se esconder atrás de um amontoado de xique-xiques… Olhou o viajante e disse:
– Quem está falando aqui é homem…
Tirou do bolso um canivete e estendeu para o viajante… e expirou.
Abraços!
Rubens Antonio é Professor e palestrante sobre História Geológica da Bahia, Antropologia, Geologia, Epistemologia, Metodologia do Trabalho Científico, História da Ciência.
CRÉDITOS: Artigo pescado na comunidade “Cangaço, discussão Técnica” de compadre Ronnyeri.
*Foto de Mergulhão cortesia de Ivanildo Silveira.

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