Lenice Queiroga



     Lenice Queiroga/site Vernacular Renascença

Mestre João Elias Espíndola vive no município de Poção, considerada a capital da Renascença
por Marina Suassuna
Há mais de 70 anos, o Estado de Pernambuco é pioneiro na confecção de renda renascença, sendo o maior polo produtivo no Brasil, chegando, inclusive, a exportar esse tipo de artesanato.Um dos nomes mais atuantes por trás desse legado é o do Mestre João Elias Espíndola, intitulado Patrimônio Vivo do Estado no dia 22 de dezembro de 2017, aos 83 anos. Nascido no dia 4 de março de 1933 no Sítio Candeeiro, no município de Poção, Agreste do Estado, Seu João Elias cresceu naquela que é considerada a Capital da Renascença. A cidade de Poção foi assim nomeada no dia 22 de agosto de 2011, pelo então governador Eduardo Campos, através da lei Nº 14.365 de mesma data. Foi na dita capital que teve início a primeira escola e núcleo produtivo da renda renascença em Pernambuco.
Responsável por uma das rendas renascenças mais autorais e requintadas do Nordeste e do Brasil, Seu João Elias trabalhou durante 60 anos de forma autônoma, projetando o nosso Estado de forma grandiosa no Exterior. Uma de suas clientes comprava a sua renda e o representava em inúmeros eventos no Brasil e nas Feiras Internacionais, sobretudo em Portugal e na Alemanha. Além de ter contribuído durante toda a sua vida para a tradição da renda renascença, ele continua repassando sua herança têxtil para as suas sobrinhas.
Lenice Queiroga

O estilo autoral do Mestre está presente tanto nas rendas atuais como nas de 20 e 30 anos atrás
Vale salientar que o ensino e a produção da renda renascença se desenvolveram pela própria iniciativa e necessidade de sobrevivência das famílias de agricultores-rendeiras, tornando-se uma tradição familiar e transformando Poção, Pesqueira e diversas outras cidade e zonas rurais de Pernambuco em produtores deste artesanato. Os pais de Seu João Elias eram agricultores e tiveram 11 filhos. Aos 19 anos, ele aprendeu a técnica de rendar em Poção, com seu primo João Batista, depois de se recuperar de um acidente de caminhão que sofreu em Minas Gerais. Seu estilo autoral está presente tanto nas rendas atuais como nas de vinte e trinta anos atrás.
Jan Ribeiro

Recebendo o título de Patrimônio Vivo no Palácio das Princesas, em dezembro de 2016
De acordo com a pesquisadora Lenice Queiroga, a renda produzida por Seu João Elias é a mais preciosa do Agreste Pernambucano, do Brasil e do mundo. “A partir da linha, agulha e lacê, surgem das mãos do mestre João Elias Espíndola minúsculos pontos que compõem a sua poética-têxtil-vernacular“, escreveu Lenice, autora do livro Lagarta Richelieu e do site Vernacular Renascença. Ambos os projetos foram aprovados no Funcultura e contém registros do trabalho do Mestre João Elias.
O principal aspecto da poética-têxtil de Seu João Elias é o “ponto lagarta”, que se tornou uma espécie de marca registrada de seu trabalho. “Esse ponto fui eu mesmo que inventei, tipo uma lagartinha, fui fazendo…aí ficou bonitinho. Todas as peças que eu faço eu gosto de botar uma lagartinha bem feitinha. Muitos eu aprendi pela minha cabeça mesmo, sem ninguém me ensinar, como o pontinho de pipoca bem redondinho, bem feitinho“, conta o artesão.
Além da importância estética, o trabalho do Mestre é  notável por se tratar de um homem que enfrentou enormes preconceitos na época que começou a rendar. “Eu mesmo nunca trabalhei escondido pra seu ninguém. É porque um dia eu fui vender um trabalho na rua e uma mulher disse: oxente, um homem em renascença? Eu disse: muito bem, é melhor eu trabalhar do que roubar, né? Adorava rendar… porque era meu trabalho a agricultura e a renascença. Ave Maria… é tanto do modelo. Estava na moda… gola, punho, blusa, camiseta, pano de… Chama-se jogo de mesa, caminho de mesa, gravata para homem eu já fiz. Porque só achava bonito minha renda, eu ia vender trabalho dos outros, eles não queriam, só queriam se fosse eu que fizesse“, declarou o mestre rendeiro  no livro Lagarta Richelieu.
Lenice Queiroga

Ponto lagarta é a marca registrada da renda produzida por Seu João Elias Espíndola
Ao longo dos anos, o Mestre João Elias ganhou pouquíssimo dinheiro com seus preciosíssimos figurinos-renda, tendo sempre uma vida bastante humilde financeiramente. Ficou também com sequelas em uma das pernas, por ter se dedicado intensamente à confecção da renda. Daqui por diante, com o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, Seu João Elias tem garantidos o reconhecimento, a valorização e a salvaguarda de seus pontos e da técnica da renda renascença (que já está com a tradição rompida), facilitando a transmissão de saberes têxteis aos jovens e de projetos e parcerias de sustentabilidade com vários empreendedores do mundo.