sábado, 8 de abril de 2017

O povo forjado nos versos: poesia é tradição em São José do Egito




A cidade tem pouco mais de 30 mil habitantes, que carregam a poesia no sobrenome

O conhecido Louro do Pajeú com sua viola - Créditos: Paulo Carvalho
O conhecido Louro do Pajeú com sua viola / Paulo Carvalho

“Ser poeta é saber não ser escravo
Da mesmice e do conservadorismo
Impedir de morrer na guilhotina
O boêmio cantor do iluminismo
E lutar até ver cair vencida
A esquadra do vil capitalismo””
Em Canto e Poesia
Capital nordestina da poesia popular. Não demora para logo pensarmos em São José do Egito, no Sertão do Pajeú. É assim que a cidade é conhecida desde muito tempo. Localizada a 402 km do Recife e com pouco mais de 30 mil habitantes, São José do Egito respira e exala os versos populares. Seus habitantes carregam a poesia como sobrenome e alguns dos seus expoentes são reconhecidos no Brasil todo. Antônio Marinho, Dimas, Otacílio, Lourival Batista, Mário Gomes, Cancão e tantos outros.
A lenda é que há muito tempo uma viola foi enterrada no leito do Rio Pajeú e quem bebe dessa água vira poeta. A história diz que a sonoridade do baião de viola chegou no período da colonização portuguesa e tem influência dos mouros e muçulmanos. A tradição é passada de geração para geração por dentro das famílias, no cotidiano da cidade. Bia Marinho, poetisa e cantadora, neta de Antônio Marinho e filha de Lourival Batista, segue fazendo as rimas. Hoje morando no Recife, faz da sua arte o seu ofício e diz que não tinha como não ser assim. “Nasci na poesia. Para mim, ela existiu sempre. Minha família toda é de poeta. Então a poesia sempre esteve presente. Desde as cantigas de ninar que eu ouvia eram particulares”, conta.
Com os três filhos de Bia Marinho não foi diferente. Greg, Antônio e Miguel Marinho formam o grupo Em Canto e Poesia e mantêm pulsante a poesia popular. Antônio Marinho, assim como a mãe, lembra do seu começo nesse caminho. “Isso é minha vida. Eu já nasci inserido num meio da poesia tanto pela cidade quanto pela minha família. A poesia é meu meio de vida. Tudo que andei foi a poesia me levando, no lastro de resistência construído pelos que me antecederam. Nessa perseguição do belo. O sotaque, o cheiro, a cor do Sertão do Pajeú é que faz dessa poesia particular”, explica Antônio.
Bia explica que a cidade toda cultiva essa tradição. “Todas as famílias têm um poeta. E mesmo que não tenha alguém que escreva, tem alguém que declama ou está envolvido de alguma forma. Em algumas escolas particulares e da rede municipal, a poesia está inserida no contexto escolar. As crianças aprendem o que é a sextilha e a quadra. É um linguajar fácil e atrativo para elas. E essa tradição não vai morrer. A gente cuida de preservar”, explica a cantadora.
O poder público municipal, no entanto, não tem projetos estruturados de fomento e manutenção dessa arte, como explica Antônio: “Nunca tivemos uma política pública voltada para criar uma cadeia e fomentar a tradição. E, mesmo assim, a tradição continua forte. Toda força disso é mérito do povo. Não houve nenhuma gestão municipal que fomentasse uma cadeia produtora e criativa, na qual os protagonistas fossem os artistas. O poder público municipal sempre negligenciou a poesia”.
Apesar desse contexto, festas populares são realizadas para reverenciar a poesia nordestina. A festa mais tradicional é que acontece nos dias 4, 5 e 6 de janeiro. “A Festa de Louro, como é conhecida, é para comemorar o aniversário de Lourival Batista. Sempre comemorávamos na frente de casa e a festa foi crescendo. Como cai em outra data importante, o Dia de Reis, aproveitamos e fazemos uma grande festa com cantoria e muita história. Vem poeta e cantador do Brasil inteiro para recitar e comer o Baião de Dois, que é o prato servido na festa”, afirma Bia.

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