Marina Russel/Divulgação
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A fachada do Hotel Central foi revitalizada recentemente com recursos do Governo do Estado de Pernambuco, por meio do Funcultura
O Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC) aprovou por unanimidade, nesta quinta-feira (23), o tombamento do edifício do Hotel Central, localizado no centro do Recife (Av. Manoel Borba, 209 – Boa Vista, Recife – PE).
O prédio, que teve sua fachada revitalizada recentemente com recursos do Governo do Estado de Pernambuco, por meio do Funcultura, foi inaugurado em 31 de outubro de 1928, com 80 quartos e 6 apartamentos de luxo, todos eles com telefone, um bar, uma barbearia, uma perfumaria, um salão para senhoras, um restaurante no oitavo pavimento bem como um terraço, na cobertura, de onde se tinha um grande panorama da cidade, graças à sua altura de 35,74m. O Hotel Central teve diversos hóspedes ilustres, como Getúlio Vargas, Orson Welles, Carmen Miranda e até mesmo a tripulação do Graf Zeppelin, nas vezes em que passou pelo Recife. Por ser o local mais alto da cidade, durante muitos anos, nas noites de Réveillon, eram realizadas queimas de fogos de artifício no terraço da cobertura.
Em seu parecer, o conselheiro Rodrigo Cantarelli destacou, com base no exame elaborado pelo corpo técnico da Gerência de Preservação do Patrimônio Cultural da Fundarpe, que o Hotel Central “foi a primeira construção do gênero de grande porte em Pernambuco e foi palco, durante décadas, de um sem número de eventos sociais, envolvendo não só a sociedade recifense, mas de todo o Estado, que de alguma maneira possuem ligações afetivas com o lugar”.
Além disso, o relator destacou que, embora o prédio já “esteja inserido numa área de preservação municipal, a Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural – ZEPH-08 – Boa Vista, desde 1980, a quadra fronteiriça ao Hotel Central, segundo a mais recente legislação aprovada pela Prefeitura do Recife, possui índices urbanísticos altíssimos que poderiam permitir construções que causem interferência na ambiência e na visibilidade do bem em questão”.
Para Cantarelli, o tombamento, além da importância cultural para cidade, reconhece que o edifício do Hotel Central é um marco inegável da verticalização em Pernambuco, uma vez “que inaugurou um novo padrão para a verticalização das cidades pernambucanas que, adaptado pelo mercado imobiliário, se repete até hoje pelas principais cidades do Estado, e que só foi possível de ser realizado graças à adoção do concreto armado associado ao uso de elevadores, provavelmente um dos primeiros instalados na cidade”.
HISTÓRICO - A construção do edifício do Hotel Central se deu a partir de uma iniciativa do empresário greco-suíço Constantin Aristide Sfezzo, que chegou ao Recife em abril de 1922, após uma curta temporada morando na cidade do Rio de Janeiro. Sfezzo logo se inseriu na sociedade pernambucana e, pouco tempo depois de se instalar na capital, casou-se com Judith Adele von Sohsten, filha do rico, porém já falido, comerciante Julius von Sohsten.
Ao final da década de 1920, Constantin Sfezzo, buscando novos investimentos para o seu capital, resolveu construir um prédio de apartamentos para aluguel, especialmente os estrangeiros que estavam se mudando para a cidade naquele momento. Desejando desde o princípio construir um edifício alto, no qual poderia explorar o terreno de forma mais lucrativa, Sfezzo não conseguiu apoio da municipalidade naquele momento, situação somente contornada após um encontro com o urbanista francês Alfred Agache, que, naquele momento, estava visitando ao Recife a convite do Governador Estácio Coimbra.
Embora essa ideia inicial de Sfezzo tenha sido a construção de um edifícios de apartamentos para aluguel, após uma proposta do comerciante George Kyrillos, Sfezzo resolveu transformar o empreendimento num hotel de luxo para atender não somente aos visitantes de fora da cidade, mas também à própria sociedade recifense. Kyrillos, cidadão de origem libanesa, já era dono de um hotel na cidade, o Palace Hotel, inaugurado na praça Maciel Pinheiro em 1925, e também proprietário de lojas de materiais elétricos e sanitários, anunciadas na época como a mais moderna e luxuosa de todo o norte do Brasil.
O local escolhido para a construção do hotel foi um terreno na esquina das ruas Manoel Borba e Gervásio Pires, no bairro da Boa Vista, onde anteriormente existia uma caixa d’água pertencente à antiga Companhia do Beberibe, destinada ao abastecimento d’água dos bairros centrais do Recife. Segundo consta no Exame Técnico realizado pela Fundarpe, tal reservatório ainda existe no subsolo do atual edifício. Após superados os obstáculos iniciais dados pela prefeitura do Recife, no dia 16 de outubro de 1927 o Diário de Pernambuco noticiou o início da construção daquele que viria a ser o primeiro arranha-céus da cidade, que, a época, só possuía edifícios com no máximo quatro pavimentos de altura, utilizando uma tecnologia de ponta: o concreto armado.
A mesma notícia do Diário também nos indica que a autoria do projeto foi do arquiteto italiano Giácomo Palumbo, formado pela Escola de Belas Artes de Paris e radicado no Recife desde 1918, sendo ele o responsável pelo traço de vários edifícios públicos e privados ao longo da década de 1920, como o da Faculdade de Medicina, o Hospital do Centenário e o Palácio da Justiça, bem como um sem número de palacetes e mansões, a exemplo da pertencente ao usineiro João da Costa Azevedo, na esquina da Avenida Conselheiro Rosa e Silva com a Rua Amélia. A construção do prédio ficou a cargo da firma Brandão & Magalhães, também bastante conhecida na cidade, tanto pela construção de edifícios de luxo como pela realização de obras públicas de destaque, a exemplo da restauração realizada na Igreja da Madre Deus, em 1930.
O projeto elaborado por Palumbo está filiado ao movimento conhecido na arquitetura como Ecletismo, do qual ele foi um dos principais expoentes no Estado de Pernambuco. O Ecletismo na arquitetura é caracterizado pela profusão de elementos ornamentais, e o uso de um vocabulário ornamental oriundo dos mais diversos estilos e momentos da história da arquitetura. No Recife esse estilo, que já se fazia presente desde finais do Século XIX, se popularizou com a Reforma do Bairro do Recife, iniciada em fins da década de 1910. Naquele momento, foram edificadas por toda a cidade diversas construções que se tornaram referência para a história da arquitetura brasileira, como, por exemplo, o prédio da Faculdade de Direito do Recife, de autoria do arquiteto francês Gustave Varin, inaugurado em 1912.
No projeto para o Hotel Central, Palumbo tratou a fachada à semelhança de uma coluna, dando destaque a sua base e ao seu coroamento, onde estavam os usos mais nobres e destacados, usando uma decoração mais comedida nos andares intermediários, correspondentes, na planta, ao quartos. No primeiro e no último pavimentos os vãos são tratados com janelas em arco pleno, ao contrário dos pavimentos intermediários que possuem janelas retangulares. Ainda é importante destacar que no pavimento térreo o edifício recebeu um acabamento rusticado, do tipo almofadado, à semelhança de alguns até hoje encontrados no Bairro do Recife e que o próprio Palumbo usou no seu projeto para o Palácio da Justiça. Esse tipo de composição, está ligado ao próprio surgimento da tipologia do arranha-céus moderno, criado a partir da Escola de Chicago, no final do século XIX.
Com o desejo de construir o primeiro hotel de luxo da cidade, Sfezzo não poupou esforços, seja na contratação da equipe responsável pelo projeto e construção do edifício, seja nos materiais e mobiliário utilizados para acabamentos e ornamentação da construção. As notícias de época destacam a presença de um grande lustre de cristal do saguão de entrada e salões envidraçados, além de mordomias bastante modernas, como água encanada e uma central telefônica que atendida a todos os quartos. Lamentavelmente, com a decadência enfrentada pelo hotel a partir de meados da década de 1950, muito desse mobiliário e acabamentos refinados foram perdidos, restando, nos quartos, bem poucos móveis e alguns painéis de azulejos nos banheiros. Tais azulejos, de gosto marcadamente Art Nouveau são de procedência alemã, produzidos na cidade de Gota, estado da Turíngia, pela empresa Porzellan und Fayencenfabrik Fritz Pfeffer, que funcionou entre os anos de 1882 e 1934 e que, a época da construção do Hotel Central, tinha como principal designer de produtos o artista Arnold Viegelmann.