domingo, 20 de abril de 2014







SERÁ QUE CHICO SCIENCE FICOU SABENDO ?


" Jomard Muniz de Brito e Ariano Suassuna: a tensa corda da cultura em Pernambuco gerando diálogos e o que o novo sempre pôde sugerir na vida e na arte, em se tratando de saídas e caminhos apontados para o futuro, mais que escuro: aquela luzinha brilhando dentro da casa da gente, dentro da cabeça da gente, para muitas outras possibilidades de clarão, onde e quando a indústria cultural pôde ou não funçar com suas pinças quase sempre cheirando a merda. Anos 70, 80, 90, até dias de hoje: a rosa dos ventos do Alceu Valença, Lula Côrtes, Zé Ramalho, Ivinho, Israel Semente, Geraldo Azevedo, entre outros, a partir de algumas provocações de um certo cidadão, fotógrafo paulista, chamado Paulo Klein que baixou naquele momento nas casas e nas vidas dessa galera que prontamente atendeu ao chamado radical e festivo de época para a experimentação, para as profusões de exercícios criativos em música, poesia, artes plásticas, cinema, etc eram momentos, atos e atitudes manifestas, manifestos que traziam muito do que Pernambuco sempre legou para a cultura nordestina e brasileira. Quando Alceu Valença e sua Banda Batalha Cerrada aportaram no Festival "Abertura" da Rede Globo em 1975 com a música "Vou Danado prá Catende"(em cima do poema de Ascenso Ferreira) o fizeram como sementes dessa micro revolução plantada por essas viagens e carícias, fruto de uma vontade geral, ampla e irrestrita de acender o novo, de novo, pelas ruas, mangues, tocas, favelas e mansões daquele período tão carente de novidades ( e ainda hoje). Importante saber: Raul Córdula, Chico Pereira, Carlos Aranha, Marcus Vinícius de Andrade, Celso Marconi, Jomard Muniz de Brito e tantas outras cabeças paraibanas e pernambucanas já antenadas, também estavam presentes nessa festa desde os anos 60, época em que o manifesto tropicalista foi elaborado, discutido e assinado em Recife por essa geração que não arredou o pé e tem segurado a onda até hoje. Não foi à toa que no início dos anos 70, mesmo com todo o movimento armorial, quintetos violados e bandas de pau e corda procurando reler o regional pelo regional, o regional para os salões da elite, o regional como um mero artifício do cão que quer morder o próprio rabo, novos produtos foram surgindo na vida cultural de Pernambuco oriundos dessa viagem para o novo: livros e discos alternativos que foram levando aquela geração para a extrema criatividade, para uma eterna mocidade, para um radicalismo cangaceiro, de um conteúdo fundado mais na senzala do que na Casa Grande, mais no terreiro do que na Igreja, e principalmente na soma da viola caipira de Ivinho e Zé Ramalho com a guitarra enlouquecida de Robertinho de Recife e o tricórdio de Lula Côrtes, sim Lula Côrtes e Kátia Mesel, a dupla dinâmica que forneceu a base de muita coisa que veio a acontecer por aqueles dias de loucura criativa e boemia roqueira. E daí, dessa genealogia comportamental, que vem um livro fundamental: o livro das transformações, livro-objeto, projeto, projétil, processo que seria a ponta de lança de um tipo de literatura que iria além da palavra, que ousaria chegar à invenção de um novo procedimento, até chegar à Bienal Internacional de Arte e ser reconhecido como um marco do "livro como obra de arte" do nordeste ainda dos coronéis. (Anos depois, década de 90, Fortaleza retomaria essa idéia de um projeto mais arrojado como suporte contemporâneo de sua literatura através da revista Arraiá Pajéurbe, busca e nova procura para um reposicionar o nordeste nessa atualidade cultural em curso). Em Pernambuco, naquela época, havia muita coisa no ar. Inclusive helicópteros, aviões e discos voadores poéticos , deuses e demônios poéticos participando dessa festa cuja repercussão tem seu eco revigorado no movimento manguebeat dos anos 90, luz de Josué de Castro como um outro provocador de situações sociológicas novas para Pernambuco e para o mundo. (A geopolítica da fome com guitarras e tambores, anunciando um novo Carnaval para essa década culturalmente tão feliz), Chico Science e Nação Zumbi: a refumaça da comunicação como trombeta dos índios de paletó e gravata da pós-modernidade, e tudo ou quase tudo (polêmicas à parte) , começando com a simplicidade do conjunto The Jets (erguendo-se aí a ponte sonora das guitarras e vozes "Jovem Guarda" de Reginaldo Rossi, Fernando Filizola e outros) nos anos 60 em Recife, anunciando a tempestade sorridente do que viria mais tarde. E o que o Livro das Transformações tem a ver com essas coisas ? Este livro foi um manifesto contra a mesmice cultura, fincando um outro procedimento e rasgando os papéis de uma poesia e de uma arte de gabinete que até então estivera interessada apenas em se comportar direitinho para poder fazer parte das academias de letras e suplementos literários das províncias. E é claro que a transformação não estava se dando apenas nas letras, mas também nas imagens e na música, profusão de tanto "sentir" e "agir" ao novo que até hoje, quando relido e revisto e remanuseado, provoca aquela mesma sensação da primeira vez em que foi projetado e discutido nos círculos de inteligência do Brasil. "

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