terça-feira, 17 de março de 2015






            De Tombos e Tombamento.

Maiakovski era mestre mamulengueiro. Tanto que disse: melhor morrer de vodca que de tédio. Ginu talvez dissesse diferente: melhor morrer de aguardente que de enfado. Fantoche de Petersburgo ou Mamulengo de Pernambuco, a experiência do boneco popular é radical. Sua irreverência, seu humor afiado em pedra de amolar faca, seu anarquismo no melhor sentido, sua incapacidade de ser politicamente correto, sua fixação em transgredir todas as leis (inclusive a da gravidade) são o seu maior patrimônio. Antítese do homem cordial, o boneco popular é do “paudório no lombório”. De paulada em paulada, ele tomba. De cachaça em cachaça, ele tomba. De rabo de saia em rabo de saia, ele tomba. Para levantar de novo só por teimosia. Só para cumprir com vício, como disse Mestre Zé de Vina.

Na última quinta-feira, 5 de março de 2015, o Teatro de Bonecos Popular do Nordeste foi tombado pelo Iphan. Infame? Brincaria o finado Chico de Daniel. Porque é assim que o João Redondo agradece. É assim que agradecem o casimira-coco, o babau, o briguela, o mamulengo. Fazendo graça. Bagunçando o presépio até virar presepada. Logo, logo, a alegria pelo reconhecimento de Patrimônio Cultural do Brasil vai rodar as empanadas.

Tiridá: Tu visse, Benedito? Agora a gente é patrimônio imaterial. Eu trocava por uma casa.
Benedito: Iapôis. A gente agora é protegido do Iphan. Arrumaram um nome novo pro capeta, foi?
Simão: Rapai, cachaça derruba um cabra. Tombaram a gente.

Tem jeito melhor de celebrar que no próprio brincar? Em 11 anos de Bonecos do Mundo, as melhores coisas que vivi no festival foram nas barracas dos mamulengos. Com eles, aprendi que nada é tão importante que não possa virar pilhéria. Aprendi a virar a dor pelo avesso e descobrir que o tecido é de chita. A rir de quase tudo e gargalhar de mim mesma. Sem ser hiperbólica, isso salva uma pessoa. Ginu, Boca Rica, Solon e Chico de Daniel salvaram muita gente. Saúba, Zé Lopes, Zé de Vina, Tonho de Pombos, Valdeck de Guaranhuns e Chico Simões continuam salvando. Eh, pauperê! Parece que o Brasil começou a reconhecer isso. Vou até abrir uma cachacinha.

P.S.: Por favor, Iphan. Já que o nosso boneco popular está sob sua proteção, exija que os corretores ortográficos deixem de considerar mamulengo um erro e parem de substituir automaticamente por mameluco. Além de ser uma preconceituosa ignorância, é enlouquecedor.


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