terça-feira, 12 de maio de 2015



              O Labirinto e o Desmantelo, de Joao Paes de Lira


A psicodelia alemã da década de 1970, a literatura fantástica, a Estética do Sonho de Glauber Rocha e a relação do artista com a própria obra são algumas referências de O Labirinto e o Desmantelo, novo álbum do cantor e compositor pernambucano Lira (o Lirinha, ex-vocalista do Cordel do Fogo Encantado). O disco foi lançado através da Deezer, plataforma de disponibilização de música por streaming, semana passada e será liberado para download nos próximos dias.
O artista caminha por novos espaços musicais nesse novo trabalho. A escolha de instrumentos heterodoxos na música brasileira, como stand up drums, cravo e orgão (esses dois últimos mais comuns na música clássica) dão caracteríscticas peculiares aos arranjos e timbres das faixas. Ao mesmo tempo, a canção ganha lugar de destaque nas composições de Lira.
"Estou em um momento de muita paixão e entrega pela canção e suas possibilidades harmônicas. Isso se reflete no disco", revela o cantor.
Lira começou a trajetória artística aos doze anos como declamador de poesia, em Arcoverde, município no interior de Pernambuco. Aos vinte e um anos, saiu da cidade natal para morar em São Paulo com o conjunto cênico musical Cordel do Fogo Encantado.
O grupo existiu de 1997 a 2010 e ficou conhecido em diferentes lugares do Brasil ao unir elementos rítmicos nordestinos com discursos sobre o futuro e forte interpretação teatral.
Esse novo álbum é carregado de subjetividades reveladas ou ocultadas por metáforas, entremeadas por inusitadas referências a acontecimentos aparentemente sem relação de causalidade.
O artista conta que "o disco tem referência da literatura fantástica, na figura do labirinto, que é uma metáfora da existência. E o desmantelo é o devaneio, o sonho, o impossível, o desconcerto dessas paredes que compõem o labirinto. É o místico que se infiltra no racionalismo do labirinto".
A psicodelia da hinterlândia
Essa convergência de abordagens existenciais com uma racionalidade difusa ou inconstante resulta em uma arte psicodélica, na definição do próprio autor, ao propor uma experiência de fruição capaz de inquietar, deslocar ou melhor, desmantelar.
Mas a psicodelia da sua obra se constrói também por meio de referências da sua formação pessoal e musical e experiências vividas em Arcoverde, na expressão de Lira, uma "psicodelia da hinterlândia".
O discurso em primeira pessoa sinaliza a natureza intimista da obra. Em algumas faixas, como Desamar, Pra Fora da Terra e Ser, Lira se dirige diretamente a alguém, no entanto, não deixa evidente quem é esse interlocutor.
"Não é exatamente uma mulher. É esse destino do amor por outra pessoa, que está muito presente nas músicas. É um disco mais pessoal que o Lira (primeiro disco solo) e mais revelador dos meus anseios", diz.
Do disco Shifty Adventure (2012), o mais recente de John Cale (ex­integrante da banda The Velvet Underground), ao álbum Cantoria (de Elomar), Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai, passando pelos trabalhos de Naná Vasconcelos, as influências de Lira são vastas. Com esse último, inclusive, ele conta que passou a compreender o "não lugar" da música e a importância da universalização da obra do artista.
Com produção musical de Pupillo (Nação Zumbi), que também assina algumas composições em parceria com Lira, o álbum conta com a participação da cantora e compositora paulista Céu. Ela divide a autoria e a voz de Filtre­me e faz os backing vocals de outras seis músicas.
Concebido de forma colaborativa, o disco não possui uma banda base, a maior parte dos músicos varia a cada faixa. A diversidade de formatos e arranjos de banda nas faixas somente enriquece o resultado do trabalho.
Lirinha convidou músicos reconhecidos para gravar o disco, que fazem parte de grupos de destaque da música popular brasileira. Alguns nomes como Dustan Gallas e Regis Damasceno, do Cidadão Instigado; Silva, cantor e compositor capixaba; Thiago França (do Meta Meta) e Fabrício Carvalho, o Astronauta Pinguim, fizeram participações em faixas do novo trabalho.
"Eu não montei uma banda específica para o disco. Primeiro, eu levava as músicas para Pupillo, amigo com quem eu fiz uma parceria intensa, e ele acabava interferindo, conversando comigo, dando ideias melódicas, harmônicas e até de letra. E a presença de Céu, uma das minhas maiores aliadas no disco, foi incrível. Ela, além de cantar, fez um backing vocal altamente de luxo em várias músicas", conta Lira.
O Labirinto e o Desmantelo mergulha ainda mais no universo poético e existencial do cantor. As histórias vividas, os sonhos, o trabalho no Cordel do Fogo Encantado e as suas últimas leituras, são panos de fundo para o disco, que expõe um artista versátil, capaz de transitar no mesmo trabalho por diferentes vertentes da música.
Como diz Lira: "Eu gosto de me desafiar e é assim que construo o meu trabalho. Sempre estou nessa alma inquieta".

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