O CARRO DE ZÉ LIMEIRA
Clerisvaldo B. Chagas, 31 julho de 2017
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.704
Havia a ximbra, pinhão, ioiô, carrapeta, gangorra, nota de cigarro, bola e carro de pau. Todos esses brinquedos pareciam obedecer a um cronograma natural do tempo. Ninguém ordenava a brincadeira com isso ou com aquilo. Todas as formas lúdicas surgiam espontaneamente ocupando as ruas mais centrais e o Bairro São Pedro. Tempo de bola, de pinhão, de ximbra... Mas a época do carro de madeira dependia do fabrico. Quando eles surgiam eram rudes, sem freio e mal cabia o condutor para as descidas nos declives dos becos; e por isso mesmo eram chamados carros de ladeira.
ALTO-FALANTE. Foto: (Paraíso) |
As duas ladeiras mais famosas eram a do Seu Carrito e a do Fomento. A do Seu Carrito era mais curta e servia para os primeiros treinos dos carros desengonçados. Recebia esse nome porque o cidadão assim conhecido negociava com bodega na esquina. A segunda ladeira iniciava no edifício do Fomento Agrícola, no Bairro São Pedro e seguia até o rio Ipanema. Na verdade, já era a rodagem que por ali seguia até Olho d’Água das Flores. Ai de quem se arriscasse naquela ladeirona com o carro se freio!
Certo dia surgiu o carro de Zé Limeira, rapaz comprido, fabricante e vendedor de malas, filho da professora Adercina Limeira. O carro de pau era completo e sofisticado. Causava admiração a todos, inclusive, o dono levava suas malas para a feira na carroceria e ainda mais dirigindo. A meninada ou mesmo adultos empurravam o carro com Zé Limeira na direção. Sendo sofisticado e profissionalizado, ninguém podia com ele dá uma voltinha e nem vê-lo se exibindo a toda hora. Mas, de vez em quando Zé Limeira levava o bichão para a ladeira do Fomento quando se juntava a meninada. Aí sim, todos queriam apreciar aquele carro bonito a descer com velocidade, fazendo poeira até o Minuíno, trecho do rio Ipanema.
Depois surgiu carro semelhante de dois anões, irmãos, no Bairro Cachimbo Eterno, do outro lado do rio.
Da casa de Zé Limeira e imediações formou-se o time São Pedro, representando a terceira força do futebol santanense, logo após Ipanema e Ipiranga. Foi moda durante certo tempo. E por trás da casa, surgiu a sapataria do senhor Elias, cujos empregados sapateiros eram todos bons de bola e, fora os sapatos fabricados não se falava em outra coisa. Jogavam todas as tardes nas areias do rio perto do já extinto prédio da Perfuratriz. Posteriormente, a sapataria mudou-se definitivamente para a Rua São Pedro. Defronte havia um poste com alto-falante que transmitia o programa “A Voz do Município”, com informações e músicas. Havia sido criado na gestão Hélio Cabral e tinha sede no primeiro andar da Cooperativa – CARSIL.
Foi uma comoção a notícia do falecimento precoce de Zé Limeira, filho da professora Adercina, colega e amiga da minha mãe Helena Braga.
São lembranças que afloram sobre o rico histórico da minha rua, entre elas o carro de Zé Limeira.
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